Quando os membros da nobreza querem demonstrar sua apreciação por um músico, eles lhe dão dinheiro.
Ao começar a tocar na Foles, eu tinha recebido alguns desses presentes e, durante certo tempo, isso fora suficiente para ajudar a pagar minha taxa na Academia e me manter com a cabeça fora d'água, ainda que por muito pouco. Mas Drazno havia persistido em sua campanha contra mim e fazia meses que eu não recebia nada dessa natureza.
Os músicos, apesar de sua pobreza em comparação com os aristocratas, possuem um amor ardente por espetáculos. Quando se deparam com alguém que toca com habilidade e paixão, não hesitam em brindar o talento com bebidas generosas. E assim, naquela noite, era exatamente por essa razão que eu me encontrava na Foles.
Monet afastou-se em direção ao bar, determinado a buscar um trapo úmido para limpar a mesa, pois estávamos prestes a jogar mais uma rodada de quatro-cantos. No entanto, antes que ele pudesse voltar, um jovem flautista cealdamo se aproximou, com um brilho nos olhos e um sorriso confiante, perguntando se haveria alguma chance de nos pagar uma rodada.
Havia, como se constatou. Ele fez sinal para uma jovem que servia as mesas e cada um de nós pediu aquilo de que mais gostava e, de quebra, uma cerveja para Monet.
Bebemos, jogamos cartas e ouvimos música. Monet e eu tivemos uma sequência de cartas ruins e perdemos três rodadas consecutivas. Isso azedou um pouco o meu humor, mas nem de longe tanto quanto a suspeita que começava a se insinuar em minha mente: a ideia de que Radagon talvez tivesse, de fato, razão no que dissera.
Um protetor rico resolveria muitos dos meus problemas. Até um protetor pobre poderia me oferecer algum espaço para respirar, em termos financeiros. Pelo menos isso me daria alguém a quem eu poderia pedir dinheiro emprestado numa situação de aperto, em vez de ser obrigado a lidar com gente perigosa.
Enquanto minha cabeça estava ocupada, joguei mal e perdemos outra rodada, o que nos deixou com quatro derrotas seguidas e uma desistência, além disso.
Monet me fuzilou com os olhos, enquanto recolhia as cartas.
— Aqui está uma pergunta para os exames de admissão — disse ele, erguendo uma das mãos com três dedos raivosamente apontados para o alto. — Suponha que você tenha três cartas de espadas na mão e que cinco espadas estejam dispostas na mesa. — Levantou a outra mão, estendendo todos os cinco dedos. — Quantas espadas temos, ao todo? — indagou, inclinando-se na cadeira e cruzando os braços. — Pense com calma.
— O Vanitas ainda está atordoado por saber que a Maria se dispôs a tomar uma bebida com você — comentou Alastor, em um tom seco. — Na verdade, todos nós estamos.
— Eu não — discordou Leif, com seu tom alegre inconfundível. — Eu sempre soube que você levava jeito.
Fomos interrompidos pela chegada de Lillia, uma das moças que frequentemente serviam as mesas na Foles.
— O que está acontecendo por aqui? — perguntou ela, com um sorriso travesso. — Há alguém fazendo uma festa?
— Lillia — iniciou Leif —, se eu a convidasse para tomar uma bebida comigo, você consideraria?
— Consideraria — respondeu ela, despreocupada. — Mas não por muito tempo. — Com um toque suave no ombro dele, acrescentou: — Vocês estão com sorte, senhores. Um admirador anônimo da boa música decidiu comprar uma rodada de bebidas para a mesa de vocês.
— Smutten para mim — pediu Alastor, sorridente.
— Hidromel — solicitou Leif, com um brilho nos olhos.
— Eu vou querer um souten — declarei.
Monet levantou uma sobrancelha inquisitiva.
— Souten, é? — perguntou, lançando um olhar significativo em minha direção. — Também quero um — ele disse, fazendo um gesto discreto para a moça que nos atendia e um aceno de cabeça para mim. — Do dele, claro.
— É mesmo? — questionou Lillia, dando de ombros. — Voltarei em um instante.
— Agora que você já causou uma impressão danada em todo mundo, pode se divertir um pouco, certo? — indagou Leif. — Alguma novidade sobre o asno...?
— Pela última vez, não — retorqui. — Para mim, já basta do Drazno. Não há vantagem em continuar a provocá-lo.
— Você quebrou o braço dele — observou Alas. — Acho que ele não pode ser mais antagonizado do que isso.
— Ele quebrou meu alaúde. Estamos quites. Estou disposto a deixar o passado para trás.
— Uma ova — rebateu Leif. — Você jogou meio quilo de manteiga rançosa na chaminé dele. Afrouxou a cinta da sela dele...
— Pelas mãos negras de Deus, cale a boca! — exclamei, olhando ao redor. — Isso foi há quase um mês, e ninguém sabe que fui eu, exceto vocês dois. E agora, o Monet. E todo o mundo que está ao alcance da sua voz.
Leif ficou rubro de vergonha, e a conversa se dissipou até Lillia retornar com nossas bebidas. O smutten de Alas estava em seu tradicional copo de pedra. O hidromel de Leif brilhava em lampejos dourados num copo alto. Monet e eu recebemos canecos de madeira.
Monet sorriu, pensativo.
— Nem me lembro da última vez que pedi um souten — comentou. — Acho que nunca tinha pedido um para mim, até hoje.
— Você é a única outra pessoa que já vi beber isso — observou Leif. — O Vanizinho aqui vira três ou quatro por noite, na maior velocidade.
Monet ergueu uma sobrancelha curiosa em minha direção.
— Eles não sabem? — perguntou.
Balancei a cabeça enquanto bebia do meu caneco, indeciso entre rir ou sentir vergonha.
Monet empurrou seu caneco para Leif, que o pegou e tomou um gole. Franziu o cenho e bebeu mais um.
— Água?
Monet confirmou com a cabeça.
— É um truque de prostituta experiente — explicou. — Você puxa conversa com ela na taberna do bordel e quer mostrar que não é como os outros. Um homem refinado. Assim, oferece-lhe uma bebida. — Ele esticou o braço sobre a mesa e recuperou seu caneco das mãos de Leif. — Mas elas estão trabalhando. Não querem bebida nenhuma. Preferem ficar com o dinheiro. Assim, pedem um souten ou um peveret, ou outra coisa qualquer. Você paga, o sujeito do bar dá água a ela, e, no final da noite, ela divide o dinheiro com a casa. Se for boa ouvinte, uma garota pode ganhar tanto no bar quanto na cama.
— Na verdade — interpus —, nós dividimos em três. Um terço para a casa, um para o rapaz do bar e o último para mim.
— Então, você está sendo enganado — disse Monet, com sinceridade. — A casa deveria arcar com a parte do sujeito do bar.
— Nunca vi você pedir souten na taberna do Grilo — comentou Leif, arqueando uma sobrancelha.
— Deve ser o hidromel de Graysdale — disse Alas, balançando a cabeça. — Você vive pedindo isso.
— Mas eu já pedi um Graysdale — protestou Leif, fazendo uma careta. — Tinha gosto de picles doces e... bem, xixi. Além disso... — sua voz se extinguiu, como se um pensamento embaraçoso tivesse cruzado sua mente.
— Foi mais caro do que você pensou que seria? — indagou Monet, rindo. — Não faria sentido fazer tudo isso pelo preço de uma cerveja pequena, não é?
— Eles sabem o que eu quero dizer quando peço Graysdale na Grilo — contei. — Se eu pedisse algo que não existisse de verdade, seria fácil perceberem o truque.
— Como é que você sabe disso? — perguntou Leif, lançando um olhar curioso a Monet.
Monet soltou um risinho.
— Não existe truque novo para um cachorro velho como eu — respondeu, com um brilho de sabedoria nos olhos.
As luzes começaram a diminuir, e nós nos voltamos para o palco, a expectativa crescendo em nossos corações enquanto a música começava a tocar, envolvendo-nos em sua melodia encantadora.