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Chapter 146 - CXLV. AMOR PT.2

— Santo Deus, garoto, você parece um reizinho aqui — disse Monet.

— Isso não é nem metade da atenção que ele costuma receber — disse Alastor. — Normalmente, ainda estão dando vivas quando ele chega de volta à mesa. As moças piscam e forram o caminho dele de flores.

Leif varreu o salão com um olhar curioso.

— A reação pareceu... — ficou procurando uma palavra. — Confusa. Por quê?

— Porque o jovem seis-cordas aqui é tão afiado que mal consegue se impedir de se cortar — disse Radagon, caminhando para nossa mesa.

— Você também notou? — perguntou Monet, em tom seco.

— Shhh — sussurrou Maria. — Foi brilhante.

Radagon deu um suspiro e balançou a cabeça.

Eu, por exemplo disse Alastor, em tom incisivo , gostaria de saber o que está em discussão.

— O Vanizinho aqui tocou a música mais simples do mundo e deu a impressão de estar tecendo fios de ouro com linho — disse Maria. — Depois, pegou uma verdadeira peça musical, algo que só um punhado de pessoas em toda a casa seria capaz de tocar, e a fez parecer tão fácil que era como se uma criança pudesse soprá-la num apito de metal.

— Não nego que foi feito com muita inteligência — disse Radagon. — O problema foi a maneira como ele o fez. Todas as pessoas que explodiram em aplausos depois da primeira música sentiram-se um bando de idiotas. Ficaram com a impressão de terem sido feitas de bobas.

— E foram — concordou Maria. — O artista manipula a plateia. Essa é a ideia da brincadeira.

— As pessoas não gostam de ser feitas de bobas — retrucou Radagon. — Ressentem-se disso, na verdade. Ninguém gosta quando lhe pregam peças.

— Tecnicamente — interpôs Leif, rindo -, a peça dele foi no alaúde.

Todos se viraram para olhá-lo e seu sorriso esmaeceu um pouco.

— Entenderam? Ele realmente pregou uma peça. Tocou-a no alaúde. Uma peça musical.

Leif baixou os olhos para a mesa e o sorriso sumiu, enquanto o rosto ganhava um súbito rubor de embaraço.

— Desculpem.

Maria deu uma risada descontraída.

Monet se manifestou:

— Portanto, a questão é realmente de duas plateias — disse, devagar. — Há os que conhecem música o bastante para entender a piada, e há os que precisam que lhes expliquem a piada.

Maria fez um gesto triunfal para Monet.

— É exatamente isso — disse e se virou para Radagon. — Se o sujeito vem para cá e não conhece o bastante para entender a piada sozinho, ele merece que lhe torçam um pouco o nariz.

— Só que a maioria dessas pessoas é da nobreza — rebateu Radagon. — E o nosso espertinho aqui ainda não tem quem o patrocine.

— O quê?! — espantou-se Maria. — Faz meses que o Augus espalhou a notícia. Por que ninguém o agarrou até agora?

— Drazno Grozzi — expliquei.

O rosto dela não demonstrou reconhecimento.

— Ele é músico?

— Filho de barão — respondeu Alastor.

Maria franziu o cenho, intrigada.

— Como é possível que ele o mantenha longe de um mecenas?

— Fartas horas de ócio e o dobro do dinheiro de Deus - respondi, secamente.

— O pai dele é um dos homens mais poderosos de Mitreza — acrescentou Monet, virando-se então para Leif: — Ele é o que, o 16º na linha de sucessão do trono?

— Décimo terceiro — respondeu Leif, desanimado. — Toda a família Zurthen desapareceu no mar há dois meses. O Drazno não para de falar sobre o fato de que seu pai está a meros 12 passos de se tornar rei.

Monet voltou-se outra vez para Maria:

— A questão é que esse filho de barão, em particular, tem toda sorte de maneiras de exercer influência e nenhum medo de jogar com elas.

— Para sermos completamente imparciais, convém mencionar que o jovem Vanitas não é uma das celebridades mais astutas da República — disse Radagon. Pigarreou e concluiu: — Como ficou evidente na apresentação de hoje.

— Detesto quando as pessoas me chamam de o jovem Vanitas — comentei com Leif, à parte. Ele me lançou um olhar solidário.

— Eu continuo a dizer que foi brilhante — declarou Maria, virando de frente para Radagon e fincando os dois pés no chão. — Foi a coisa mais inteligente que alguém fez aqui em um mês, e você sabe disso.

Coloquei a mão no braço de Maria.

— Ele tem razão. Foi estupidez minha — afirmei, dando de ombros, hesitante. — Ou seria, pelo menos, se eu ainda tivesse a menor esperança de arranjar um patrono.

Encarei Radagon, olho no olho, e completei:

— Mas não tenho. Nós dois sabemos que o Drazno envenenou esse poço para mim.

— Os poços não ficam envenenados para sempre — retrucou Radagon.

Encolhi os ombros.

— Então, que tal isto? Prefiro tocar canções que divirtam meus amigos a agradar gente que não gosta de mim com base em boatos.

Radagon respirou fundo, depois soltou o ar bruscamente:

— Pois muito bem — disse, com um pequeno sorriso.

No breve silêncio que se seguiu, Monet deu um pigarro significativo e correu os olhos pela mesa.

Aproveitei a deixa e fiz as apresentações:

— Radagon, você já conhece meus amigos estudantes, o Alas e o Leif. Este é Monet, estudante e meu mentor ocasional na Academia. Todos vocês: este é o Radagon, anfitrião, proprietário e apresentador do palco da Foles.

— É um prazer conhecê-los — disse Radagon, que deu um aceno polido com a cabeça e correu um olhar ansioso pelo salão. — Por falar em anfitrião, preciso cuidar dos negócios — acrescentou, com um tapinha nas minhas costas ao se virar para ir embora. — Vou ver se consigo apagar uns incêndios enquanto isso.

Dei-lhe um sorriso de agradecimento e fiz um gesto floreado.

— Galera, esta é a Maria. Como vocês já tiveram a oportunidade de ouvir, é a melhor violinista da Foles. Como podem ver com seus próprios olhos, é a mulher mais linda num raio de 1.500 quilômetros. Como podem discernir com sua inteligência, é a mais sábia das...

Sorrindo, ela me deu um tapa.

— Se eu tivesse de sabedoria metade do que tenho de altura, não estaria me aventurando a defendê-lo. O coitado do Augus anda mesmo batalhando por você há todo esse tempo?

Fiz que sim.

— Eu avisei a ele que era uma causa perdida.

— Será, se você continuar a zombar dos outros — disse ela. — Juro que jamais conheci um homem com o seu talento para a falta de traquejo social. Se você não fosse naturalmente encantador, alguém já o teria esfaqueado.

— É imaginação sua — resmunguei.

Maria virou-se para meus amigos à mesa:

— É um prazer conhecer todos vocês.

Alas meneou a cabeça, Leif sorriu. Monet, porém, pôs-se de pé com um movimento desenvolto e estendeu a mão. Maria a segurou e ele prendeu calorosamente a da jovem entre as suas, dizendo:

— Maria, você me intriga. Haverá alguma possibilidade de eu lhe oferecer uma bebida e desfrutar o prazer da sua conversa em algum momento desta noite?

Fiquei perplexo demais para fazer outra coisa senão olhar fixamente. Parados ali, os dois pareciam suportes de livros muito malcasados. Marie era uns 15 centímetros mais alta que Monet e as botas faziam suas longas pernas parecerem ainda mais compridas.

Ele, por sua vez, tinha a figura de sempre, grisalho e descabelado, além de ser pelo menos uma década mais velho que Maria.

Ela piscou os olhos e inclinou um pouco a cabeça, como se pensasse no assunto.

— Estou aqui com uns amigos neste momento. Talvez fique tarde quando eu me despedir deles.

— A hora não faz diferença para mim — disse Monet, desenvolto. — Estou disposto a perder o sono, se for essa a questão. Não consigo pensar na última vez que desfrutei a companhia de uma mulher que dissesse o que pensa, com firmeza e sem hesitação. A sua espécie anda escassa hoje em dia.

Maria tornou a examiná-lo.

Monet encarou seu olhar e abriu um sorriso tão confiante e sedutor que seria próprio do palco.

— Não é meu desejo afastá-la de seus amigos — disse ele —, mas você é a primeira violinista em 10 anos que faz meus pés dançarem. Parece que uma bebida é o mínimo que lhe posso oferecer.

Maria retribuiu-lhe o sorriso, com ar meio divertido, meio irônico.

— Estou no segundo andar agora — disse, com um gesto para a escada. — Mas deverei estar livre, digamos, em duas horas...

— É uma enorme gentileza sua — disse Monet. — Devo ir procurá-la?

— Deve — respondeu ela. Depois, dirigiu-lhe um olhar pensativo, virou-se e saiu andando.

Monet retomou seu assento e tomou um gole de sua bebida.

Leif estava tão estarrecido quanto todos nos sentíamos.

— Que diabos foi isso? — perguntou.

Monet deu um risinho dentro da barba e se reclinou na cadeira, aninhando o caneco no peito.

— Isso — respondeu, cheio de si — é apenas mais uma coisa que eu compreendo e vocês, filhotes, não. Tomem nota. Prestem atenção.