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Chapter 144 - CXLIII. CONHAQUE

Terminei de fazer minha exploração por volta do segundo andar, mas Augus não parecia estar por lá. Sem querer arriscar o constrangimento de um segundo encontro com Alys e seu lordezinho, resolvi pular o terceiro piso por completo.

Leif exibia o ar animado que costuma ter depois do quinto drinque. Monet estava arriado na cadeira, de olhos semicerrados, com o caneco comodamente apoiado na protuberância da barriga. Alas parecia o mesmo de sempre, com seus indecifráveis olhos negros.

— O Augus não está em parte alguma — comentei, voltando para o meu lugar. — Desculpe.

— Que pena — disse Simmon. — Ele já teve alguma sorte na busca de um mecenas para você?

Balancei a cabeça, amargurado.

— O Drazno ameaçou ou subornou todos os nobres num raio de 160 quilômetros daqui. Eles não querem ter nada a ver comigo.

— Por que o próprio Augus não fica com você? — perguntou Alastor. — Ele bem que gosta de você.

Fiz que não com a cabeça.

— O Augus já sustenta outros três músicos. Quatro, na verdade, mas dois deles são um casal.

— Quatro? — repetiu Leif, horrorizado. — É de admirar que ele ainda consiga comer.

Alas inclinou a cabeça, curioso, e Leif se debruçou para a frente para explicar:

— O Augus é conde. Mas suas posses não são realmente tão vastas assim. Sustentar quatro músicos com a renda dele é meio... extravagante.

Alas franziu o sobrolho.

— Bebida e encordoamentos não podem custar grande coisa.

— O mecenas é responsável por mais do que isso — disse Leif, começando a contar os itens nos dedos: — Existe o próprio contrato de patrocínio. Além disso, ele dá casa e comida a seus músicos, um salário anual, uma muda de roupas com as cores de sua família...

— Duas mudas de roupas, tradicionalmente — interpus. — Todo ano.

Quando crescia na trupe, eu nunca havia apreciado tudo que lorde Greenweed nos dava. Mas agora, não podia deixar de imaginar quanto meu guarda-roupa melhoraria com duas novas mudas de roupa.

Leif sorriu à chegada de um rapaz que servia as mesas, o que não deixou dúvidas sobre quem era o responsável pelos copos de conhaque de amora postos diante de cada um de nós.

Ele ergueu o copo num brinde silencioso e bebeu um grande gole. Retribuí erguendo meu copo, assim como fez Alastor, embora isso obviamente lhe fosse difícil. Monet continuou imóvel e comecei a desconfiar de que havia cochilado.

— Ainda não faz sentido — comentou Alastor, pousando o conhaque na mesa. — Tudo que o mecenas consegue é ficar com o bolso mais vazio.

— O mecenas ganha fama — expliquei. — É por isso que os músicos usufruem de tudo que podem enquanto servem seu mecenas. Além disso, ele tem artistas às suas ordens: recepções, bailes, desfiles. Às vezes, eles compõem músicas ou peças teatrais a seu pedido.

Alas continuou com ar cético:

— Ainda me parece que o patrocinador leva a pior.

— Isso é porque você só percebe metade da situação — disse Monet, empertigando-se na cadeira. — Você é um menino da cidade. Não sabe o que é crescer numa aldeiazinha construída nas terras de um único homem.

Ele soltou um arroto e olhou para todos nós.

— Isto aqui são as terras do lorde "A. Rogante" — prosseguiu Monet, usando um pouco de cerveja derramada para desenhar um círculo no centro da mesa. — É onde você vive, como bom plebeuzinho que é.

Pegou o copo vazio de Leif e colocou-o dentro do círculo:

— Um dia, passa um sujeito pela cidade, usando as cores de lorde "A. Rogante". — Monet pegou seu copo cheio de conhaque e o fez bailar pela mesa, até parar ao lado do copo vazio de Leif, no interior do círculo. — E esse sujeito toca músicas para todo mundo na hospedaria local — Monet derramou um pouco do conhaque no copo de Leif.

Sem precisar de maior estímulo, Leif sorriu e o bebeu.

Monet fez o copo trotar pela mesa e tornou a entrar no círculo.

— No mês seguinte, mais dois sujeitos passam pela cidade, usando as cores dele, e montam um espetáculo de marionetes — disse e verteu mais conhaque, que Leif virou. — No outro mês, há uma peça — voltou a fazer a mesma coisa.

Nesse momento, Monet pegou seu caneco de madeira e veio batendo com ele pela mesa, até entrar no círculo:

— Aí aparece o coletor de impostos, usando as mesmas cores — disse, batendo com o caneco vazio na mesa, impaciente.

Leif ficou confuso por um segundo, depois pegou seu próprio caneco e derramou um pouco de cerveja no de Monet, que o olhou e tornou a bater o caneco, com ar severo.

Leif derramou o resto da cerveja no caneco do outro, rindo:

— Eu gosto mais do conhaque de amora, de qualquer maneira.

— Pois o lorde "A. Rogante" gosta mais dos seus impostos — retrucou Monet. — E as pessoas gostam de ter diversões. E o coletor de impostos gosta que não o envenenem e enterrem numa cova rasa atrás do velho moinho.

Bebeu um gole de cerveja e completou:

— Portanto, a coisa funciona bem para todos.

Alas assistiu ao diálogo com seus olhos escuros e sérios.

— Isso faz mais sentido — declarou.

— Nem sempre é tão mercenário assim — observei. — O Augus tem um desejo sincero de ajudar os músicos a aprimorarem seu ofício. Outros nobres tratam seus artistas como cavalos num estábulo — suspirei. — Mas até isso seria melhor do que o que tenho agora, que não é nada.

— Não se desvalorize — disse Leif, com ar animado. — Espere para arranjar um bom patrocinador. Você merece. É tão bom quanto qualquer músico daqui.

Fiquei calado, orgulhoso demais para lhes contar a verdade. Eu estava num grau de pobreza que o resto deles dificilmente poderia compreender. Leif era da nobreza aturiana e a família de Alastor era de mercadores de lã de Cealdar. Eles achavam que ser pobre significava não ter dinheiro suficiente para beber com a frequência que quisessem.

Com a taxa escolar avultando no horizonte, eu não me atrevia a gastar um vintém quebrado. Não podia comprar velas nem tinta nem papel. Não tinha joias para empenhar, não tinha mesada nem pais a quem pudesse escrever.

Nenhum prestamista de respeito me daria um gusa ordinário sequer. Não chegava a surpreender, visto que eu era um órfão desarraigado dos Therion cujas posses cabiam num saco de aniagem. E nem precisaria ser um saco grande.

Levantei-me antes que a conversa entrasse num terreno incômodo.

— Está na hora de eu produzir um pouco de música.

Peguei o estojo com o alaúde e me dirigi ao canto do bar onde Radagon estava sentado.

— O que você tem para nós hoje? — perguntou ele, passando a mão na barba.

— Uma surpresa.

Radagon parou no ato de se levantar da banqueta.

— É o tipo de surpresa que vai causar tumulto ou fazer o pessoal pôr fogo na minha casa?

Afirmei com a cabeça, sorrindo.

— Ótimo — sorriu ele, tomando a direção do palco. — Nesse caso, gosto de surpresas.