Terminei de fazer minha exploração por volta do segundo andar, mas Augus não parecia estar por lá. Sem querer arriscar o constrangimento de um segundo encontro com Alys e seu lordezinho, resolvi pular o terceiro piso por completo.
Leif exibia o ar animado que costuma ter depois do quinto drinque. Monet estava arriado na cadeira, de olhos semicerrados, com o caneco comodamente apoiado na protuberância da barriga. Alas parecia o mesmo de sempre, com seus indecifráveis olhos negros.
— O Augus não está em parte alguma — comentei, voltando para o meu lugar. — Desculpe.
— Que pena — disse Simmon. — Ele já teve alguma sorte na busca de um mecenas para você?
Balancei a cabeça, amargurado.
— O Drazno ameaçou ou subornou todos os nobres num raio de 160 quilômetros daqui. Eles não querem ter nada a ver comigo.
— Por que o próprio Augus não fica com você? — perguntou Alastor. — Ele bem que gosta de você.
Fiz que não com a cabeça.
— O Augus já sustenta outros três músicos. Quatro, na verdade, mas dois deles são um casal.
— Quatro? — repetiu Leif, horrorizado. — É de admirar que ele ainda consiga comer.
Alas inclinou a cabeça, curioso, e Leif se debruçou para a frente para explicar:
— O Augus é conde. Mas suas posses não são realmente tão vastas assim. Sustentar quatro músicos com a renda dele é meio... extravagante.
Alas franziu o sobrolho.
— Bebida e encordoamentos não podem custar grande coisa.
— O mecenas é responsável por mais do que isso — disse Leif, começando a contar os itens nos dedos: — Existe o próprio contrato de patrocínio. Além disso, ele dá casa e comida a seus músicos, um salário anual, uma muda de roupas com as cores de sua família...
— Duas mudas de roupas, tradicionalmente — interpus. — Todo ano.
Quando crescia na trupe, eu nunca havia apreciado tudo que lorde Greenweed nos dava. Mas agora, não podia deixar de imaginar quanto meu guarda-roupa melhoraria com duas novas mudas de roupa.
Leif sorriu à chegada de um rapaz que servia as mesas, o que não deixou dúvidas sobre quem era o responsável pelos copos de conhaque de amora postos diante de cada um de nós.
Ele ergueu o copo num brinde silencioso e bebeu um grande gole. Retribuí erguendo meu copo, assim como fez Alastor, embora isso obviamente lhe fosse difícil. Monet continuou imóvel e comecei a desconfiar de que havia cochilado.
— Ainda não faz sentido — comentou Alastor, pousando o conhaque na mesa. — Tudo que o mecenas consegue é ficar com o bolso mais vazio.
— O mecenas ganha fama — expliquei. — É por isso que os músicos usufruem de tudo que podem enquanto servem seu mecenas. Além disso, ele tem artistas às suas ordens: recepções, bailes, desfiles. Às vezes, eles compõem músicas ou peças teatrais a seu pedido.
Alas continuou com ar cético:
— Ainda me parece que o patrocinador leva a pior.
— Isso é porque você só percebe metade da situação — disse Monet, empertigando-se na cadeira. — Você é um menino da cidade. Não sabe o que é crescer numa aldeiazinha construída nas terras de um único homem.
Ele soltou um arroto e olhou para todos nós.
— Isto aqui são as terras do lorde "A. Rogante" — prosseguiu Monet, usando um pouco de cerveja derramada para desenhar um círculo no centro da mesa. — É onde você vive, como bom plebeuzinho que é.
Pegou o copo vazio de Leif e colocou-o dentro do círculo:
— Um dia, passa um sujeito pela cidade, usando as cores de lorde "A. Rogante". — Monet pegou seu copo cheio de conhaque e o fez bailar pela mesa, até parar ao lado do copo vazio de Leif, no interior do círculo. — E esse sujeito toca músicas para todo mundo na hospedaria local — Monet derramou um pouco do conhaque no copo de Leif.
Sem precisar de maior estímulo, Leif sorriu e o bebeu.
Monet fez o copo trotar pela mesa e tornou a entrar no círculo.
— No mês seguinte, mais dois sujeitos passam pela cidade, usando as cores dele, e montam um espetáculo de marionetes — disse e verteu mais conhaque, que Leif virou. — No outro mês, há uma peça — voltou a fazer a mesma coisa.
Nesse momento, Monet pegou seu caneco de madeira e veio batendo com ele pela mesa, até entrar no círculo:
— Aí aparece o coletor de impostos, usando as mesmas cores — disse, batendo com o caneco vazio na mesa, impaciente.
Leif ficou confuso por um segundo, depois pegou seu próprio caneco e derramou um pouco de cerveja no de Monet, que o olhou e tornou a bater o caneco, com ar severo.
Leif derramou o resto da cerveja no caneco do outro, rindo:
— Eu gosto mais do conhaque de amora, de qualquer maneira.
— Pois o lorde "A. Rogante" gosta mais dos seus impostos — retrucou Monet. — E as pessoas gostam de ter diversões. E o coletor de impostos gosta que não o envenenem e enterrem numa cova rasa atrás do velho moinho.
Bebeu um gole de cerveja e completou:
— Portanto, a coisa funciona bem para todos.
Alas assistiu ao diálogo com seus olhos escuros e sérios.
— Isso faz mais sentido — declarou.
— Nem sempre é tão mercenário assim — observei. — O Augus tem um desejo sincero de ajudar os músicos a aprimorarem seu ofício. Outros nobres tratam seus artistas como cavalos num estábulo — suspirei. — Mas até isso seria melhor do que o que tenho agora, que não é nada.
— Não se desvalorize — disse Leif, com ar animado. — Espere para arranjar um bom patrocinador. Você merece. É tão bom quanto qualquer músico daqui.
Fiquei calado, orgulhoso demais para lhes contar a verdade. Eu estava num grau de pobreza que o resto deles dificilmente poderia compreender. Leif era da nobreza aturiana e a família de Alastor era de mercadores de lã de Cealdar. Eles achavam que ser pobre significava não ter dinheiro suficiente para beber com a frequência que quisessem.
Com a taxa escolar avultando no horizonte, eu não me atrevia a gastar um vintém quebrado. Não podia comprar velas nem tinta nem papel. Não tinha joias para empenhar, não tinha mesada nem pais a quem pudesse escrever.
Nenhum prestamista de respeito me daria um gusa ordinário sequer. Não chegava a surpreender, visto que eu era um órfão desarraigado dos Therion cujas posses cabiam num saco de aniagem. E nem precisaria ser um saco grande.
Levantei-me antes que a conversa entrasse num terreno incômodo.
— Está na hora de eu produzir um pouco de música.
Peguei o estojo com o alaúde e me dirigi ao canto do bar onde Radagon estava sentado.
— O que você tem para nós hoje? — perguntou ele, passando a mão na barba.
— Uma surpresa.
Radagon parou no ato de se levantar da banqueta.
— É o tipo de surpresa que vai causar tumulto ou fazer o pessoal pôr fogo na minha casa?
Afirmei com a cabeça, sorrindo.
— Ótimo — sorriu ele, tomando a direção do palco. — Nesse caso, gosto de surpresas.