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Chapter 141 - CXL. QUARTO

Os dias se arrastaram.

Eu trabalhava na Ficiaria até ficar com os dedos dormentes, depois ia ler no Arquivo até os olhos se embotarem.

No quinto dia do período de admissão, finalmente terminei minhas lamparinas de convés e as levei para o Estoque, na esperança de que logo fossem vendidas. Pensei em começar outro par, mas sabia que não teria tempo de terminá-lo antes da data de pagamento da taxa escolar.

Assim, tratei de ganhar dinheiro de outras maneiras. Toquei uma noite extra na Grilo, o que me rendeu bebida grátis e um punhado de trocados de membros satisfeitos da plateia. Fiz uns trabalhos avulsos na Ficiaria, criando artigos simples e úteis, como engrenagens de latão e vidraças duplamente reforçadas. Essas coisas podiam ser imediatamente revendidas à oficina com um pequeno lucro.

Depois, já que os pequenos lucros não seriam suficientes, fiz dois lotes de emissores amarelos. Quando usados na confecção de lamparinas de simpatia, a luz deles era de um amarelo agradável, muito próximo da luz solar. E eles valiam um bom dinheiro, porque sua lubrificação exigia materiais perigosos.

Os metais pesados e os ácidos vaporosos eram o mínimo. Os componentes alquímicos bizarros é que realmente assustavam. Eram agentes transportadores capazes de atravessar a pele sem deixar marcas e devorar em silêncio o cálcio dos ossos. Outros ficavam simplesmente escondidos no corpo, sem fazer nada durante meses, até que a pessoa começava a sangrar pelas gengivas e a perder o cabelo. As coisas produzidas no Complexo Alquímico faziam o arsênico parecer o açúcar do chá.

Fui de um cuidado meticuloso, mas, quando trabalhava no segundo lote de emissores, meu vidro teten rachou e algumas gotas minúsculas de agente transportador salpicaram o vidro da capela de exaustão de vapores em que eu estava trabalhando. Nenhuma parte dele chegou de fato a encostar na minha pele, mas uma gota solitária caiu na minha camisa, bem acima dos punhos longos das luvas de couro que eu usava.

Com gestos lentos, usei um compasso que estava perto para pinçar o tecido da camisa e afastá-lo do corpo. Depois, meio desajeitado, cortei fora o pedaço de tecido, para que ele não tivesse a menor chance de encostar na minha pele. O incidente me deixou trêmulo e transpirando e resolvi que havia melhores maneiras de ganhar dinheiro.

Cobri o plantão de observação de um colega na Iátrica, em troca de um iyane, e ajudei um mercador a descarregar três carroças de cal por meio lumen cada uma. Mais tarde, à noite, achei um punhado de jogadores implacáveis que se dispuseram a me deixar participar de seu jogo de bafo-de-cão. No correr de duas horas, consegui perder 18 lumens e uns trocados de ferro. Embora isso me irritasse, obriguei-me a me afastar da mesa antes que as coisas ficassem piores.

No fim de todos os meus esforços, eu tinha menos dinheiro na bolsa do que quando havia começado.

Por sorte, ainda me restava uma última cartada na manga.

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Estiquei as pernas na larga estrada de pedra, a caminho de Torrente.

Leif e Alastor me acompanhavam. Alas acabara vendendo seu horário a um escriba desesperado, com um bom lucro, e ele e Leif haviam terminado as provas de admissão e estavam despreocupados como gatinhos. A taxa de Alas fora fixada em seis crimos e oito, enquanto Leif ainda se gabava de sua taxa impressionantemente baixa, de cinco crimos e dois.

Em minha bolsa havia um crimo e três. Um número pouco auspicioso.

Nosso quarteto era completado por Monet, cujo cabelo grisalho desgrenhado e cujas roupas habitualmente amarrotadas davam-lhe um leve ar aturdido, como se ele tivesse acabado de acordar e não se lembrasse bem de onde estava. Nós o trazíamos conosco em parte porque precisávamos de um quarto parceiro no jogo de quatro cantos, mas também por sentirmos que era nosso dever tirar o pobre sujeito da Academia de vez em quando.

Nós quatro subimos o arco alto da Ponte de Pedra, atravessamos o rio Ometh e entramos em Torrente. O outono dava seu último suspiro e eu estava usando minha capa para me proteger de uma possível friagem. Meu alaúde ia comodamente pendurado em minhas costas.

No coração de Torrente, atravessamos uma enorme praça calçada de pedras e passamos pela fonte central, com sua estátua de sátiro que perseguia ninfas. A água respingava e se abria em leque na brisa ao entrarmos na fila que levava à Foles.

Chegando à porta, fiquei surpreso ao ver que Droch não estava. Em seu lugar havia um homem baixo, de ar severo e pescoço grosso. Ele estendeu uma das mãos:

— É um iyane, meu jovem senhor.

— Desculpe — falei.

Tirei da frente a alça do alaúde e lhe mostrei a pequena gaita de foles de prata presa em minha capa. Apontei Alas, Leif e Monet com um gesto. — Eles estão comigo.

O homem estreitou os olhos na direção da gaita, desconfiado.

— Você parece extremamente jovem — disse, correndo de novo os olhos por meu rosto.

— Eu sou extremamente jovem — retruquei com desenvoltura. — Faz parte do meu charme.

— Jovem demais para ter essa gaita — esclareceu ele, fazendo disso uma acusação razoavelmente educada.

Hesitei. Embora eu parecesse velho para a minha idade, isso significava que parecia ter alguns anos mais do que os meus 14. Ao que eu soubesse, era o músico mais jovem da Foles. Normalmente, isso funcionava a meu favor, pois fazia de mim uma espécie de novidade. Mas agora...

Antes que eu pudesse pensar no que dizer, veio uma voz da fila atrás de nós:

— Não é falsificada, Kentin. — Era uma mulher alta, que segurava um estojo de violino e acenou com a cabeça para mim. — Ele ganhou a gaita quando você estava fora. É autêntica.

— Obrigado, Maria — falei, enquanto o porteiro nos fazia sinal para entrar.

Nós quatro encontramos uma mesa perto da parede dos fundos, com uma boa visão do palco. Corri os olhos pelos rostos mais próximos e afastei um conhecido lampejo de decepção ao perceber que Alys não estava visível em parte alguma.

— Que história foi aquela na porta? — perguntou Monet, olhando em volta e observando o palco e o teto alto, abobadado. — As pessoas estavam pagando para entrar?

Olhei para ele.

— Você é estudante há 30 anos, mas nunca esteve na Foles?

— Bem, sabe como é — disse ele, com um gesto vago. — Andei ocupado. Não venho com muita frequência para este lado do rio.

Leif deu uma risada, sentando-se.

— Deixe-me dizer isto de forma que você compreenda, Monet. Se a música tivesse uma Academia, ela seria aqui, e o Vanitas seria um renomado mestre arcanista.

— Analogia ruim — disse Alas. — Aqui é uma corte musical e o Vanitas é um dos nobres. Nós vamos nas águas do seu sucesso. É por essa razão que há tanto tempo toleramos a companhia impertinente dele.

— Um iyane inteiro só para entrar? — indagou Monet.

Fiz que sim.

Ele deu um resmungo indefinido, enquanto olhava ao redor, observando os nobres bem-vestidos que circulavam pelo balcão superior.

— Bem, nesse caso, acho que hoje aprendi alguma coisa — comentou.