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Chapter 137 - CXXXVI. CRUEL

O período letivo de outono enquadrou-se num padrão confortável depois disso. Aos poucos, Faela me apresentou ao funcionamento interno do Arquivo e eu passava as horas de que podia dispor circulando por lá tentando escavar respostas para meus milhares de perguntas.

Elohkar fez algo a que seria concebível nos referirmos como "ensinar", embora, na maior parte do tempo, parecesse mais interessado em me confundir do que em realmente esclarecer a questão da "nominação". Meu progresso era tão nulo que às vezes eu me perguntava se de fato era para haver algum progresso.

O tempo que eu não gastava estudando no Arquivo passava-o na estrada para Torrente, enfrentando o vento do inverno que se aproximava, se não buscando o seu nome. A Foles era sempre minha melhor chance de encontrar Alys, e, à medida que o tempo foi piorando, passei a encontrá-la por lá cada vez mais. Perto de caírem as primeiras neves, eu costumava conseguir vê-la em uma de cada três viagens.

Infelizmente era raro conseguir tê-la toda para mim, já que em geral alguém a acompanhava. Como Droch havia mencionado, ela não era do tipo que passasse muito tempo sozinha.

Mesmo assim, eu continuava a ir lá. Por quê? Porque, toda vez que ela me via, uma luz se acendia em seu interior e a fazia brilhar por um momento. Ela se levantava de um salto, corria para mim e segurava meu braço. Depois, risonha, levava-me até sua mesa e me apresentava a seu acompanhante mais recente.

Passei a conhecer a maioria deles. Nenhum era bom o bastante para Alys, donde eu os desprezava e odiava. Por sua vez, eles me odiavam e temiam.

Mas éramos gentis uns com os outros. Sempre gentis. Era uma espécie de jogo. Um deles me convidava a sentar e eu lhe oferecia uma bebida. Nós três conversávamos e os olhos do homem iam aos poucos se ensombrecendo, ao ver Alys sorrir para mim. A boca se estreitava ao ouvir o riso que saltava dela enquanto eu fazia piadas, contava histórias, cantava...

Eles sempre reagiam do mesmo modo, procurando comprovar a posse dela em pequenas coisas: segurando-lhe a mão, dando-lhe um beijo, acariciando-lhe um ombro com demasiada informalidade.

Agarravam-se a ela com uma determinação desesperada. Alguns meramente se ressentiam da minha presença, viam-me como um rival. Outros, porém, tinham desde o começo um saber assustado, enterrado fundo por trás dos olhos.

Sabiam que ela estava partindo e não sabiam por quê. Por isso, agarravam-se a ela como marinheiros num naufrágio, segurando-se nas rochas, mesmo ao serem jogados contra elas até a morte. Eu quase chegava a sentir pena deles. Quase.

Assim, eles me odiavam, e isso transparecia em seu olhar quando Alys não estava vendo. Eu me oferecia para pagar outra rodada de bebidas, mas o homem em questão insistia em bancá-la. Eu aceitava graciosamente, lhe agradecia e sorria.

Eu a conheço há mais tempo, dizia meu sorriso. É verdade, você esteve no aconchego dos braços dela, provou sua boca, sentiu seu calor, e isso é algo que nunca tive. Mas há uma parte dela que é só minha. Você não pode tocá-la, por mais que tente. E, depois que ela o deixar, ainda estarei aqui, fazendo-a rir. Com minha luz brilhando nela. E ainda estarei aqui muito depois de ela haver esquecido o seu nome.

Os homens eram mais do que apenas alguns. Alys passava por eles como a pena correndo pelo papel molhado. Deixava-os, decepcionada. Ou então, frustrados, eles a abandonavam, magoando seu coração e a entristecendo, mas nunca a ponto de fazê-la chegar às lágrimas.

Houve lágrimas uma ou duas vezes. Mas não foram pelos homens que ela havia perdido ou pelos que abandonara. Foram lágrimas serenas por ela mesma, porque havia em Alys algo profundamente ferido. Eu não sabia o que era e não me atrevia a perguntar. Simplesmente lhe dizia que eu podia afastar a dor e a ajudava a fechar os olhos para o mundo.

De quando em vez eu falava de Alys com Alastor e Leif. Como verdadeiros amigos, eles me davam conselhos sensatos e sua solidariedade compassiva, mais ou menos em doses iguais.

A compaixão eu apreciava, mas os conselhos eram mais do que inúteis. Eles me exortavam à verdade, diziam para eu abrir o coração com Alys. Persegui-la. Escrever-lhe poemas. Mandar-lhe rosas...

Rosas. Eles não a conheciam. Apesar de eu odiar os homens de Alys, eles me haviam ensinado uma lição que, de outro modo, talvez eu nunca tivesse aprendido.

— O que você não entende — expliquei a Leif uma tarde, quando nos sentamos sob o mastro da bandeira — é que os homens vivem se apaixonando pela Alys. Sabe como é isso para ela? Sabe como é cansativo? Sou um dos poucos amigos que ela tem. Não vou correr esse risco. Não vou me atirar aos pés dela. Não é isso que ela quer. Não serei um dos 100 pretendentes de olhar assustado que saem embevecidos atrás dela, feito cordeirinhos apaixonados.

— Só não consigo entender o que você vê nela — disse Leif, em tom cuidadoso. — Sei que ela é encantadora, fascinante e tudo o mais. Só que ela me parece bastante... — hesitou — ...cruel.

Balancei a cabeça.

— Ela é.

Leif me observou com ar expectante e, por fim, disse:

— Como? Não vai defendê-la?

— Não. Cruel é uma boa palavra para ela. Mas acho que você diz "cruel" pensando em outra coisa. A Alys não é má, nem mesquinha, nem vingativa. É cruel.

Leif passou um bom tempo calado antes de responder:

— Acho que talvez ela seja algumas dessas outras coisas, além de cruel.

O bom, sincero e gentil Leif. Nunca se permitia dizer coisas desagradáveis sobre outra pessoa, apenas insinuá-las. Até isso lhe era difícil. Levantou os olhos para mim:

— Conversei com o Balken, que ainda não a esqueceu. Ele a amava mesmo, sabe? Tratava-a feito uma princesa. Faria qualquer coisa por ela. Mas ela o deixou, assim mesmo, sem explicação.

— A Alys é um ser selvagem — expliquei. — Como uma gama, ou uma tempestade de verão. Quando uma tempestade derruba a sua casa ou quebra uma árvore, você não diz que ela foi mesquinha. Foi cruel. Agiu de acordo com sua natureza e, infelizmente, alguma coisa saiu machucada. Com a Alys também é assim.

— O que é gama?

— Um cervo.

— Achei que isso se chamava veado, não é?

— A gama é a fêmea do gamo. Um veado selvagem. Você sabe de que adianta perseguir um bicho selvagem? Não serve para nada. A coisa se volta contra você. Assusta a gama e a faz ir embora. Tudo que a gente pode fazer é ficar quietinho onde está e torcer para que, com o tempo, a gama se aproxime.

Leif balançou a cabeça, mas percebi que não compreendia de verdade.

— Você sabia que isto aqui era chamado de Salão das Perguntas? — comentei, mudando incisivamente de assunto. — Os estudantes escreviam perguntas em pedacinhos de papel e deixavam o vento carregá-los. As respostas eram diferentes, dependendo de como o papel saísse da praça. — Apontei para os espaços entre os prédios cinzentos que Elohkar me mostrara. — Sim. Não. Talvez. Noutro lugar. Em breve.

O sino da torre bateu e Leif deu um suspiro, intuindo que era inútil levar a conversa adiante.

— Vamos jogar quatro-cantos logo mais?

Fiz que sim.

Depois que ele foi embora, enfiei a mão num bolso da capa e tirei o bilhete que Alys havia deixado na minha janela. Tornei a lê-lo devagar. Em seguida cortei cuidadosamente a parte inferior da página, onde ela havia assinado.

Dobrei a tirinha de papel com o nome de Alys, enrolei-a e deixei o vento sempre presente no pátio arrancá-la da minha mão, fazendo-a rodopiar entre as poucas folhas de outono que restavam.

Ela dançou pelas pedras do calçamento. Girou e descreveu círculos, criando desenhos extravagantes e variados demais para que eu os entendesse. No entanto, embora eu esperasse até o céu escurecer, em momento algum o vento a levou embora.

Quando saí, minha pergunta ainda rodopiava pela Casa do Vento, sem dar nenhuma resposta, insinuando muitas.

Sim. Não. Talvez. Noutro lugar. Em breve.

Por último, havia minha rixa permanente com Drazno.

Eu vivia pisando em ovos todo dia, à espera da vingança dele. Mas os meses se passaram e nada aconteceu. Acabei chegando à conclusão de que ele finalmente tinha aprendido sua lição e estava mantendo uma distância segura de mim.

Estava errado, é claro. Perfeita e completamente errado. Drazno simplesmente aprendera a aguardar o momento propício. Conseguiu sua vingança, e, quando ela veio, fui apanhado com a boca na botija.

Mas isso, como dizem, é história para outro dia.