Hani conduziu-me pela pesada grade metálica do pátio abandonado, descendo para o Subterrâneo.
Peguei minha lamparina portátil para iluminar o caminho. Hani tinha sua própria luz, algo que segurava entre as mãos em concha e que emitia um brilho suave, azul-esverdeado. Fiquei curioso de saber o que estaria segurando, mas não quis forçá-la a revelar muitos segredos de uma só vez.
A princípio, o Subterrâneo era exatamente o que eu havia esperado: túneis e encanamentos. Canos de esgoto, água, vapor e gás de carvão. Enormes canos negros de ferro-gusa em que um homem podia andar de gatinhas, pequenos canos brilhantes de bronze com circunferência não maior que a de um polegar. Havia uma vasta rede de túneis de pedra, que se ramificavam e se interligavam em ângulos estranhos. Se existia alguma ordem ou sentido naquele lugar, escapou-me por completo.
Hani me ofereceu uma turnê-relâmpago, orgulhosa como a mãe de um recém-nascido, animada como uma garotinha. Seu entusiasmo era contagiante e não tardei a me perder na empolgação do momento, ignorando minhas razões originais para querer explorar os túneis.
Nada é tão deliciosamente misterioso quanto um segredo em nosso próprio quintal.
Descemos três escadas de ferro batido em espiral para chegar aos Doze Cinzentos. Era como ficar de pé no fundo de um despenhadeiro. Ao olhar para cima, eu via a vaga luz do luar filtrar-se por ralos de escoamento lá no alto. A mãe coruja não estava, mas Hani me mostrou o ninho.
Quanto mais descíamos, mais estranhas se tornavam as coisas. Desapareceram os túneis redondos de escoamento e os canos, substituídos por salões esquadriados e escadarias cheias de destroços. Portas de madeira podre pendiam de dobradiças enferrujadas e havia cômodos parcialmente desabados, repletos de mesas e cadeiras cobertas de mofo. Uma sala tinha um par de janelas isoladas por tijolos, apesar de estarmos, pelos meus cálculos, pelo menos 15 metros abaixo do solo.
Descendo ainda mais, chegamos ao Passafundo, um cômodo parecido com uma catedral, tão grande que nem a luz azul de Hani nem minha luz vermelha atingiam os picos mais altos do teto. Em toda a nossa volta havia imensas máquinas antigas, algumas em pedaços: engrenagens quebradas, mais altas que um homem, correias de couro que o tempo deixara quebradiças, enormes traves de madeira que agora eram uma explosão de fungos brancos, grandes como tortas.
Outras máquinas estavam intactas, mas desgastadas por séculos de negligência. Aproximei-me de um bloco de ferro do tamanho de uma choupana de lavrador e arranquei uma lasca de ferrugem do diâmetro de um prato raso. Embaixo dela não havia nada além de mais ferrugem.
Logo adiante, três grandes pilastras cobertas de
Tive apenas uma ideia sumamente vaga do que qualquer daquelas máquinas poderia ter feito. Não consegui imaginar por que teriam ficado ali, por séculos incontáveis, nas profundezas subterrâneas.
Foi muito divertido explorar o Subterrâneo com Hani.
Vi muitas coisas interessantes, algumas das quais talvez possam ser mencionadas mais adiante, mas, por ora, basta dizer que ela me mostrou todos os cantos vastos e variados do Subterrâneo. Levou-me ao Plumeiro, aos Saltos, ao Bosque, à Fundura, ao Cricrilo, à Decúria, ao Urso de Cera...
Os nomes que ela lhes dera, a princípio disparatados, caíram como uma luva quando finalmente vi o que descreviam
O Bosque não tinha a menor semelhança com uma floresta. Era apenas uma série de corredores e cômodos caindo aos pedaços, cujos tetos eram escorados por vigas de sustentação de madeira grossa.
O Cricrilo tinha um minúsculo filete de água fresca que escorria por uma parede. A umidade atraía os grilos, que enchiam o cômodo baixo e comprido com sua musiquinha.
Saltos era uma passagem estreita, com três rachaduras fundas atravessando o piso. Só compreendi o nome depois de ver Hani saltar todas três em rápida sucessão para chegar ao outro lado.
Passaram-se vários dias até ela me levar ao Enfurnado, um labirinto de túneis entrecruzados. Apesar de estarmos pelo menos 30 metros abaixo do solo, neles corria um vento impetuoso e regular que recendia a poeira e couro.
O vento foi a pista de que eu precisava. Informou-me que eu estava perto de encontrar o que fora procurar ali. No entanto, incomodava-me não compreender o nome do lugar; eu tinha certeza de estar deixando escapar alguma coisa.
— Por que você chama isto aqui de Enfurnado? — perguntei a Hani.
— É o nome daqui — ela respondeu com desembaraço. O vento fazia seu cabelo fino esvoaçar-lhe às costas como uma flâmula. — A gente chama as coisas por seus nomes. É para isso que eles servem.
Sorri, a despeito de mim mesmo:
— E por que ele tem esse nome? Tudo aqui não é enfurnado?
Hani virou-se para mim, a cabeça inclinada de lado. O cabelo esvoaçou em seu rosto e ela o afastou para trás com as mãos.
— Não é enfurnado. É enfurnado — disse.
Não consegui ouvir a distinção.
— Estufado? — perguntei estufando a barriga, como se tivesse comido demais.
Hani riu, encantada.
— Essa é ótima. Tente outra.
Procurei pensar no que mais faria sentido:
— Enfolado? — Gesticulei com os dois braços, como quem acionasse o fole de uma forja.
Hani pensou nisso por um instante, olhando para cima e inclinando a cabeça para lá e para cá.
— Essa não é tão boa. Aqui é um lugar calmo.
Estendeu a mãozinha e segurou a ponta da minha capa, puxando-a para o lado, até que o vento ameno pegou o tecido e o inflou como uma vela. Hani me olhou, sorrindo como se tivesse acabado de fazer um truque de mágica.
Enfunado. É claro. Retribuí sua expressão, rindo.
Resolvido esse pequeno mistério, Hani e eu iniciamos uma investigação meticulosa do Enfurnado. Passadas várias horas, comecei a pegar o jeito do lugar e a entender em que direção precisava ir. Era só uma questão de descobrir o túnel que levava até lá.
Era de enlouquecer. Os túneis davam voltas e mais voltas e conduziam a largos desvios inúteis. Nas raras vezes em que eu achava um túnel que se mantinha fiel a seu curso, o caminho estava bloqueado.
Várias passagens se erguiam na vertical ou se precipitavam para baixo, não me deixando nenhum modo de percorrê-las. Uma tinha grossas barras de ferro cravadas a fundo na pedra ao redor, bloqueando o caminho. Outra ia ficando cada vez mais estreita, até se reduzir a um mero palmo de largura. Uma terceira terminava num emaranhado de madeira e terra desabadas.
Após dias de busca, finalmente achamos uma antiga porta apodrecida. A madeira úmida desfez-se em pedaços quando tentei abri-la.
Hani franziu o nariz e abanou a cabeça:
— Vou ralar os joelhos.
Iluminando o outro lado da porta destruída com minha lamparina de simpatia, entendi o que ela queria dizer. O cômodo adiante ia se inclinando para baixo, até o teto ficar a apenas um metro do piso.
— Você espera por mim? — perguntei, tirando a capa e arregaçando as mangas da camisa. — Não sei se consigo encontrar o caminho para subir de novo sem você.
Hani balançou a cabeça, com ar apreensivo:
— As entradas são mais fáceis do que as saídas, você sabe. Há lugares apertados. Você pode se entalar.
Eu estava tentando não pensar nisso:
— Vou só dar uma espiada. Volto em meia hora.
Ela inclinou a cabeça:
— E se não voltar?
Sorri:
— Você terá que descer para me resgatar.
Hani fez que sim, o rosto solene como o de uma criança compenetrada.
Coloquei a lâmpada de simpatia na boca, usando a luz vermelha para iluminar o espaço negro como breu à minha frente. Em seguida pus-me de gatinhas e avancei, arranhando os joelhos na pedra áspera do chão.
Após várias curvas, o teto desceu ainda mais, ficando muito baixo até mesmo para se andar de quatro. Depois de um longo momento de reflexão, arriei-me de bruços e segui adiante, empurrando a lâmpada à minha frente. Cada torção do corpo repuxava as fileiras de pontos suturados em minhas costas.
Se você nunca esteve num subterrâneo profundo, duvido que possa compreender como é. A escuridão é absoluta, quase palpável. Fica espreitando a luz, pronta para invadi-la como uma inundação repentina.
O ar é parado e rarefeito. Não há ruídos, exceto os que você mesmo faz. Sua respiração soa alto nos ouvidos. Seu coração palpita em baques surdos. E o tempo todo você tem a consciência esmagadora de milhares de toneladas de terra e pedras empurrando-o para baixo.
Mesmo assim, segui adiante feito uma minhoca, avançando aos centímetros. Fiquei com as mãos imundas e suor pingando nos olhos. O caminho rastejante tornou-se ainda mais estreito e cometi a tolice de deixar um dos braços prender-se na minha lateral. Fui tomado por um suor frio pelo corpo todo, em pânico. Debati-me na tentativa de esticar o braço à frente...
Passados vários minutos de pavor, consegui soltá-lo. Então, depois de permanecer imóvel por um momento, tremendo no escuro, segui em frente.
E encontrei o que procurava...