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Chapter 133 - CXXXII. AZUL

— Seis chicotadas e expulsão — disse o Reitor, com a voz carregada.

Expulsão, pensei, entorpecido, como se nunca tivesse ouvido essa palavra. Expulsar, expelir com violência. Senti a satisfação de Drazno irradiar-se. Por um segundo, temi sofrer um violento acesso de vômito bem ali, na frente de todos.

— Algum professor objeta a esta medida? — perguntou o Reitor ritualisticamente, enquanto eu baixava os olhos para meus pés.

— Eu objeto.

Aquela voz emocionante só podia ser a de Elohkar.

— Todos a favor de suspender a expulsão?

Tornei a erguer os olhos a tempo de ver a mão erguida de Elohkar. A de Lal Mirch. As de Kelvin, Loran e do Reitor. Todas as mãos, exceto a de Hilme. Quase caí na gargalhada, de susto e pura incredulidade. Elohkar tornou a me dar seu sorriso de menino.

— Expulsão rejeitada — anunciou com firmeza o Reitor, e senti a satisfação de Drazno vacilar e desaparecer a meu lado. — Há mais alguma questão?

Captei uma nota curiosa na voz do Reitor. Ele esperava alguma coisa. Foi Elohkar quem falou:

— Proponho que Vanitas seja promovido à categoria de A'scor.

— Todos a favor? — Todas as mãos se ergueram num só movimento, exceto a de Hilme. — Vanitas está elevado à categoria de A'scor, tendo Elohkar por orientador, neste dia 5 do mês de alqueive. Reunião encerrada.

O Reitor levantou-se da mesa e se dirigiu à porta.

— O quê?! — berrou Drazno, olhando em volta como se não conseguisse decidir a quem dirigia a pergunta.

Por fim, saiu correndo atrás de Hilme, que se retirou rapidamente atrás do Reitor e da maioria dos outros professores. Notei que nem de longe ele mancava tanto quanto antes do início do julgamento.

Perplexo, fiquei parado com ar de idiota, até que Elohkar se aproximou e apertou minha mão inerte.

— Confuso? — indagou. — Venha andando comigo. Eu lhe explico.

O luminoso sol vespertino foi um choque depois da fria penumbra do Conclave. Desajeitado, Elohkar tirou a toga de mestre pela cabeça. Embaixo dela usava uma simples camisa branca e um par de calças de aspecto bastante desonroso, amarrado por uma corda esfiapada. Pela primeira vez vi que estava descalço. O peito de seus pés exibia o mesmo bronzeado saudável dos braços e do rosto.

— Você sabe o que significa A'scor? — perguntou-me, puxando conversa.

— Traduz-se para "orador" — respondi.

— Você sabe o que significa? — repetiu ele, enfatizando a palavra.

— Na verdade, não — admiti.

Elohkar respirou fundo.

— Era uma vez uma Academia. Ela fora erguida sobre as ruínas mortas de uma academia mais antiga. Não era muito grande, tinha talvez umas 50 pessoas ao todo. Mas era a melhor academia que havia em léguas e léguas, e por isso as pessoas iam para lá, aprendiam e partiam. Havia um pequeno grupo que se reunia nela. Pessoas cujo conhecimento ia além da matemática, da gramática e da retórica. Elas criaram um grupo menor dentro da Academia — prosseguiu. — Chamaram-no de Arcano, e era uma coisa muito pequena, muito secreta. Criaram entre si um sistema hierárquico, e a ascensão a essas categorias provinha da maestria, nada mais. A pessoa ingressava nesse grupo ao se provar capaz de enxergar as coisas como realmente eram. Tornava-se A'lun, que significa "aquele que vê". Como você acha que ela se tornava A'scor? — perguntou, olhando para mim com ar expectante.

— Falando.

Elohkar riu.

— Certo! — exclamou. Parou e se virou de frente para mim. — Falando o quê? — indagou, com um olhar vivo e arguto.

— Palavras?

Nomes — foi a resposta agitada. — Os nomes são a forma do mundo, e o homem capaz de falá-los está a caminho do poder. Nos primórdios, o Arcano era uma pequena coleção de homens que compreendiam coisas. Homens que sabiam nomes poderosos. Lecionavam para uns poucos estudantes, devagar, incentivando-os cuidadosamente em direção ao poder e à sabedoria. E à magia. A magia verdadeira — ressaltou.

Olhou em volta para os prédios e os estudantes que circulavam:

— Naqueles tempos o Arcano era um destilado forte. Agora é um vinho aguado.

Esperei para ter certeza de que ele havia terminado.

— Mestre Elohkar, o que aconteceu ontem? — indaguei, prendendo o fôlego e torcendo sem muita esperança por uma resposta inteligível.

Ele me lançou um olhar intrigado.

— Você chamou o vento — disse, como se a resposta fosse óbvia.

— Mas o que significa isso? E o que o senhor quer dizer com nome? É apenas um nome, como Vanitas ou Elohkar, ou é algo mais próximo de Valoran que sabia os nomes de muitas coisas?

— Ambos — fez ele, acenando para uma moça bonita debruçada numa janela do segundo andar.

— Mas como é possível um nome fazer uma coisa daquelas? Vanitas e Elohkar são apenas sons que produzimos, não tem nenhum poder em si.

Elohkar ergueu as sobrancelhas ao ouvir isso.

— É mesmo? Observe. — Olhou para a rua. — Hazar! — gritou. Um menino virou-se na nossa direção. Reconheci-o como um dos garotos de recados do Jamis. — Hazar, venha cá!

O menino veio trotando e levantou a cabeça para Elohkar.

— Pois não, mestre?

Elohkar entregou-lhe sua toga de professor.

— Hazar, quer me fazer a gentileza de levar isto para meus aposentos?

— É claro, senhor — respondeu o garoto, pegando a toga e se afastando depressa.

O Mestre virou-se para mim:

— Viu? Os nomes pelos quais chamamos uns aos outros não são Nomes. Mesmo assim, têm um certo poder.

— Isso não é magia — protestei. — Ele tinha que lhe dar ouvidos. O senhor é professor.

— E você é um A'scor — rebateu ele, implacável. — Você chamou o vento e o vento escutou.

Batalhei com esse conceito.

— O senhor quer dizer que o vento tem vida?

Ele fez um gesto vago:

— De certo modo. A maioria das coisas tem vida, de um modo ou de outro.

Resolvi adotar uma abordagem diferente:

— Como foi que chamei o vento, se não sabia fazê-lo?

Elohkar bateu palmas com força.

— Essa é uma excelente pergunta! A resposta é que cada um de nós tem duas mentes: a mente desperta e a mente adormecida. Nossa mente desperta é a que pensa, fala e raciocina. Mas a mente adormecida é mais poderosa. Enxerga fundo no cerne das coisas. É a parte de nós que sonha. Ela se lembra de tudo. Dá-nos a intuição. A mente desperta não entende a natureza dos homens. A mente adormecida, sim. Já sabe muitas coisas que a mente desperta não sabe.

Elohkar me olhou:

— Lembra-se do que sentiu depois que chamou o vento?

Fiz que sim, sem me comprazer com a lembrança.

— Quando o Drazno quebrou seu alaúde, isso acordou sua mente adormecida. Como um grande urso em hibernação, cutucado com um tição em brasa, ela se empinou e rugiu. — Elohkar sacudiu os braços desvairadamente, atraindo olhares de estranheza dos alunos que passavam. — Depois, sua mente recém-desperta não soube o que fazer. Ficou como um urso enfurecido.

— O que o senhor fez? Não me lembro do que sussurrou para mim.

— Foi um nome. Um nome que acalmou o urso furioso e o reconduziu mansamente ao sono. Mas agora ele não está dormindo tão pesado. Precisamos acordá-lo aos poucos e colocá-lo sob o seu controle.

— Foi por isso que o senhor propôs suspender minha expulsão?

Ele fez um gesto desdenhoso.

— Você não corria nenhum perigo real de ser expulso. Não foi o primeiro aluno a chamar o vento ao sentir raiva, embora tenha sido o primeiro em vários anos. É comum uma emoção forte despertar a mente adormecida pela primeira vez — disse, e sorriu. — O nome do vento me ocorreu quando eu estava discutindo com o Lal Mirch. Quando o gritei, os braseiros dele explodiram numa nuvem de borralho ardente e cinzas. — Riu.

— O que ele fez para deixá-lo tão zangado?

— Recusou-se a me ensinar as conexões avançadas. Eu só tinha 14 anos e era A'lun. Ele me disse que eu teria de esperar até ser A'scor.

— Existem conexões avançadas?

Elohkar sorriu.

— Segredos, A'scor Vanitas. É nisso que consiste ser arcanista. Agora que é A'scor, você está habilitado a certas coisas que antes lhe estavam vedadas. As conexões simpáticas avançadas, a natureza dos nomes. Um ligeiro conhecimento de runas dúbias, se o Kelvin achar que você está pronto.

A esperança cresceu-me no peito.

— Isso significa que agora terei acesso permitido ao Arquivo?

— Ah, não. Nem de longe. Sabe, o Arquivo é o domínio do Loran, é seu reino. Não disponho daqueles segredos para revelá-los.

A sua menção de segredos, minha mente se deteve em um que vinha me incomodando fazia meses. O segredo que estava no coração do Arquivo.

— E a porta de pedra do Arquivo? Aquela de quatro placas. Agora que sou A'scor, o senhor pode me dizer o que há por trás dela?

Elohkar riu.

— Ah, não. Não, não. Você não almeja segredos pequenos, não é? — comentou, dando-me um tapinha nas costas, como se eu tivesse acabado de contar uma ótima piada. — Valarnitas. Santo Deus! Ainda me lembro de como fiquei, parado diante daquela porta, olhando, intrigado.

Deu outra risada.

— Ardonai misericordioso, aquilo quase me matou! — disse, abanando a cabeça. — Não. Você não vai entrar na porta de quatro placas. Mas — lançou-me um olhar cúmplice —, já que você é A'scor... — olhou de um lado para outro, como que temendo que alguém nos entreouvisse — ...já que você é A'scor, admitirei que ela existe. — E me deu uma piscadela solene.

Por mais decepcionado que estivesse, não pude deixar de sorrir. Caminhamos em silêncio, passando pelo Magnólio e pela Grilo.

— Mestre Elohkar?

— Pois não? — fez ele. Seus olhos acompanharam um esquilo que atravessou a rua e subiu numa árvore.

— Continuo sem entender os nomes.

— Eu lhe ensinarei a entendê-los — disse ele, descontraído. — A natureza dos nomes não pode ser descrita, apenas vivenciada e compreendida.

— Por que não pode ser descrita? Quando alguém compreende uma coisa, é capaz de descrevê-la.

— Você sabe descrever todas as coisas que compreende? — perguntou ele, olhando-me de soslaio.

— É claro.

Elohkar apontou alguém na rua:

— De que cor é a camisa daquele menino?

— Azul.

— O que quer dizer com azul? Descreva-o.

Esforcei-me por um momento, não consegui.

— Então azul é um nome?

— E uma palavra. As palavras são pálidas sombras de nomes esquecidos. Assim como os nomes têm poder, as palavras têm poder. Elas podem acender fogueiras na mente dos homens. As palavras podem arrancar lágrimas dos corações mais empedernidos. Existem sete palavras que farão uma pessoa amá-lo. Existem dez palavras que dobrarão a vontade de um homem forte. Mas uma palavra não passa de uma pintura do fogo. O nome é o fogo em si.

A essa altura minha cabeça rodava.

— Ainda não compreendo.

Ele colocou a mão em meu ombro:

— Usar palavras para falar de palavras é como alguém usar um lápis para desenhar uma imagem dele mesmo nele mesmo. Impossível. Confuso. Frustrante. — Elohkar ergueu as mãos para o alto, como se tentasse alcançar o céu. — Mas há outras maneiras de compreender! — gritou, rindo feito criança.

Tornou a levantar os dois braços para o arco de céu sem nuvens acima de nós, ainda rindo:

— Olhe! — gritou, inclinando a cabeça para trás. — Azul! Azul! Azul!