— Isso não foi de grande sutileza — comentou Alys.
— Tive que pressioná-lo um pouquinho. Esse pessoal supersticioso não gosta de falar das coisas que teme. Ele estava prestes a se fechar, e eu precisava saber o que tinha visto na floresta.
— Eu poderia ter arrancado a informação dele. Mosca se pega com mel.
— É provável que pudesse — admiti, pondo a sacola de viagem no ombro e começando a andar. — Pensei que você tivesse dito que não falava a língua dos matutos.
— Tenho ouvido de imitador — disse ela, com um dar de ombros indiferente. — Pego essas coisas com muita rapidez.
— Ocê me deu um baita susto. — Cuspi. — Droga! Vou levar uma onzena inteira para me livrar desse sotaque. Parece um pedaço de cartilagem preso nos meus dentes.
Alys estava examinando a paisagem ao redor com ar desanimado.
— Então acho que devemos recomeçar a vasculhar o terreno. Achar o meu mecenas e descobrir umas respostas para você.
— Não adianta.
— Eu sei, mas não posso desistir sem ao menos tentar.
— Não foi isso que eu quis dizer. Olhe... — Apontei para onde os porcos haviam fuçado a terra e as folhas à procura de algum petisco. — O Ivon deixou os porcos comerem por toda parte. Mesmo que haja rastros, jamais os encontraremos.
Alys respirou fundo e soltou um suspiro cansado.
— Será que sobrou alguma coisa naquela garrafa? — perguntou, abatida. — Minha cabeça continua a doer.
— Eu sou um idiota — comentei, olhando em volta. — Gostaria que você tivesse mencionado antes que estava com dor de cabeça.
Fui até uma bétula novinha, cortei várias tiras longas da casca e as entreguei a ela:
— A parte interna da casca é um bom analgésico.
— Você é um sujeito bom de se ter por perto — disse Alys. Descascou uma porçãozinha com a unha e a pôs na boca. Franziu o nariz. — É amargo.
— É assim que se sabe que é remédio de verdade. Se o gosto fosse bom, seria um manjar.
— Não é assim que a vida funciona? Queremos coisas doces, mas precisamos das desagradáveis — disse ela sorrindo apenas por fora. — Por falar nisso, como vou encontrar meu mecenas? Estou aceitando sugestões.
— Tenho uma ideia — disse eu, ajeitando a sacola no ombro. — Mas primeiro temos que voltar à fazenda. Há uma coisa em que preciso dar uma segunda olhada.
Refizemos o percurso para o topo do Morro dos Mortalhos e percebi por que o local havia recebido esse nome: protuberâncias estranhas e irregulares subiam e desciam, apesar de não haver outras pedras por perto. Agora que eu as estava procurando, era impossível não vê-las.
— O que você precisa examinar? — perguntou Alys. — Espero que entenda que, se você tentar entrar na casa, talvez eu seja obrigada a contê-lo fisicamente.
— Olhe para a casa. Agora olhe para o penedo que se projeta das árvores atrás dela. — Apontei o local. — As pedras daqui são escuras...
— ...e as pedras da casa são cinzentas — ela concluiu.
Confirmei com um aceno da cabeça.
Alys continuou a me olhar com expectativa:
— E isso quer dizer o que, exatamente? Como o porqueiro disse, eles encontraram pedras de túmulos.
— Não há nenhum túmulo por aqui. As pessoas constroem túmulos em Mitreza, onde isso é tradicional, ou em locais baixos e alagadiços, onde não se pode cavar uma sepultura. É provável que estejamos a uns 800 quilômetros de um túmulo de verdade.
Cheguei mais perto da sede da fazenda.
— Além disso, ninguém usa pedras para construir túmulos. Mesmo que usasse, não seriam pedras lavradas e acabadas como essas. Isso foi trazido de muito longe porque alguém quis construir uma coisa que durasse. Uma coisa sólida. — Virei de frente para Alys. — Acho que há uma antiga fortaleza sepultada aqui.
Alys pensou um pouco:
— Por que chamariam o lugar de Morro dos Túmulos se não houvesse nenhum túmulo de verdade?
— Provavelmente porque o pessoal daqui nunca viu um de verdade, apenas ouviu falar deles em histórias. Ao encontrar um morro com grandes pedras... — apontei para os montes de formas estranhas — ...pronto, Morro dos Túmulos.
— Mas nós estamos em lugar nenhum. Na verdade, é depois da curva de lugar nenhum...
— Agora, é — concordei. — Mas e quando foi construído?
Apontei para uma clareira entre as árvores, ao norte da casa queimada, e acrescentei:
— Venha aqui um segundo. Quero que você veja outra coisa.
Passando pelas árvores na crista norte do morro, tinha-se uma visão deslumbrante da zona rural ao redor. O vermelho e o amarelo das folhas de outono eram de tirar o fôlego. Observei algumas casas e celeiros dispersos, cercados por campos dourados, ou por faixas verde-claras de pasto, pontilhadas por ovelhas brancas. Avistei o rio em que Alys e eu tínhamos balançado os pés.
Olhando para o norte, vi os penedos que Ivon havia mencionado. O terreno parecia mais irregular por lá.
Balancei a cabeça, essencialmente matutando:
— Daqui se enxergam uns 50 quilômetros em todas as direções. O único morro com uma vista melhor é aquele — comentei, apontando para um morro alto que tapava minha visão dos penedos ao norte. — E ele termina praticamente numa ponta. É estreito demais no cume para qualquer fortificação de tamanho decente.
Alys correu os olhos em volta, pensativa, e assentiu com a cabeça:
— Está certo, você me convenceu. Havia uma fortaleza aqui. E agora?
— Bem, eu gostaria de chegar ao topo daquele morro antes de acamparmos por hoje — respondi, apontando para a elevação alta e estreita que, nesse momento, escondia de nossa visão uma parte dos penedos. — Fica a apenas 2 ou 3 quilômetros, e, se houver alguma coisa estranha acontecendo nos penedos do norte, de lá nós teremos uma visão clara. E depois, se o Mestre Freixo estiver em qualquer lugar num raio de 30 quilômetros, poderá ver nossa fogueira e nos procurar. Mesmo que esteja tentando adotar uma postura discreta e não queira entrar na cidade, talvez se aproxime de uma fogueira.
Alys balançou a cabeça:
— Com certeza isso é muito melhor do que sair tropeçando pelos arbustos.
— Tenho os meus momentos — retruquei, com um gesto pomposo para a descida do morro. — Por gentileza, primeiro as damas.