Apesar de nosso cansaço, Alys e eu nos deslocamos com rapidez e chegamos ao alto do morro, ao norte, no momento em que o sol se punha atrás das montanhas.
Embora todos os lados do morro fossem arborizados, seu pico era careca feito cabeça de padre. A vista irrestrita em todas as direções era de uma beleza arrebatadora. Meu único pesar foi que o vento trouxera nuvens enquanto andávamos, deixando o céu fosco e cinzento como ardósia.
Vi ao sul um punhado de fazendas. Alguns rios e estradas estreitas serpenteavam pelo meio das árvores. As montanhas a oeste pareciam uma muralha distante. Ao sul e a leste vi fumaça subindo e os prédios marrons e baixos de Nebron.
Ao me virar para o norte, constatei que era verdade o que dissera o porqueiro. Não havia sinal de habitação humana nessa direção. Nenhuma estrada, fazenda ou fumaça de chaminé; apenas um terreno cada vez mais irregular, rochas à mostra e árvores agarradas aos penedos.
A única coisa no alto do morro era um punhado de monólitos cinzentos. Três pedras maciças se empilhavam formando um imenso arco, como um portal enorme. Outras duas estavam de lado, como se descansassem na grama espessa. Achei sua presença reconfortante, como a companhia inesperada de velhos amigos.
Alys sentou-se num dos monólitos caídos enquanto eu olhava, de pé, para toda a zona rural. Senti no rosto uma espetada leve de chuva e resmunguei um xingamento, levantando o capuz de minha capa.
— Não vai durar muito — disse Alys. — Foi assim também nas duas últimas noites. Fica tudo nublado, chove por mais ou menos meia hora, depois passa.
— Que bom. Eu detesto dormir na chuva.
Coloquei a sacola de viagem junto a um dos monólitos, ao abrigo do vento, e começamos a nos preparar para acampar.
Cada um cuidou de suas tarefas como se já tivesse feito aquilo uma centena de vezes: Alys limpou um espaço para a fogueira e juntou algumas pedras e eu voltei com braçadas de lenha e acendi rapidamente o fogo. Na viagem seguinte colhi um pouco de salvia e umas cebolas silvestres que tinha avistado na subida do morro.
A chuva caiu forte, depois foi diminuindo, e comecei a preparar o jantar. Usei minha panelinha para fazer um guisado com as sobras de carne de porco do almoço, umas cenouras, algumas batatas e as cebolas que havia encontrado. Temperei tudo com sal, pimenta e salvia, depois esquentei um pão sem fermento junto ao fogo e tirei o lacre do queijo. Por último, finquei duas maçãs entre as pedras aquecidas da fogueira. Assaram a tempo de as comermos de sobremesa.
Quando ficou pronto o jantar, Alys já havia juntado uma pequena montanha de gravetos. Estendi meu cobertor para nos sentarmos. Ao começarmos a refeição, Alys emitiu ruídos apreciativos sobre a comida.
— Uma garota pode se acostumar com esse tipo de tratamento — comentou ao terminarmos. Contente, recostou-se num dos monólitos. — Se o seu alaúde estivesse aqui, você poderia cantar para eu dormir e tudo ficaria perfeito.
— Hoje de manhã encontrei um criaferro na estrada e ele tentou me vender uma garrafa de vinho de frutas. Eu gostaria de ter aceitado a oferta.
— Adoro vinho de frutas. Era de morango?
— Acho que sim — admiti.
— Bem, é nisso que dá não dar ouvidos a um criaferro na estrada — repreendeu ela, com olhos sonolentos. — Um menino esperto como você já ouviu histórias suficientes para ter mais juízo... — Soergueu o corpo de repente, sentando-se, e apontou por cima do meu ombro. — Olhe!
Virei-me.
— O que eu devo procurar? — perguntei.
O céu ainda estava carregado de nuvens, de modo que a região em volta era apenas um mar de negrume.
— Fique olhando. Pode ser que... Olhe ali!
Eu vi: um lampejo de luz negra ao longe.
Levantei-me e contornei a fogueira, deixando-a atrás de mim, para que não me toldasse a visão. Alys postou-se a meu lado e esperamos um instante, com a respiração presa. Outro clarão de luz negra, mais intenso.
— O que você acha que é? — perguntei.
— Tenho certeza de que todas as minas de ferro ficam a oeste — refletiu Alys. — Não podem ser elas.
Houve outro clarão. Parecia realmente estar vindo dos penedos, o que significava que, se era uma chama, era das grandes. Pelo menos de uma fogueira várias vezes maior que a nossa.
— Você disse que o seu mecenas tinha um modo de lhe fazer sinais — comentei, devagar. — Não quero me intrometer, mas, será que...
— Não. Não tem nada a ver com fogo escuro — retrucou ela, rindo baixinho do meu embaraço. — Isso seria sinistro demais, até para ele.
Observamos um pouco mais, porém não voltou a acontecer. Peguei um galho da grossura do meu polegar, parti-o ao meio e usei uma pedra para bater nos dois pedaços e cravá-los no chão, feito suportes de barraca. Alys levantou uma sobrancelha inquisitiva.
— Isso aponta para onde vimos a luz — expliquei. — Não enxergo nenhum marco nesta escuridão, mas de manhã isso nos dirá em que direção ela estava.
Retomamos nossas posições anteriores e joguei mais lenha na fogueira, o que fez cintilarem faíscas no ar.
— Provavelmente, um de nós devia ficar acordado, cuidando do fogo — comentei. — Para o caso de aparecer alguém.
— Não costumo mesmo dormir a noite inteira, de modo que não será problema — disse Alys.
— Você tem dificuldade para dormir?
— Eu tenho sonhos — retrucou ela, num tom que deixou claro que era só o que pretendia dizer sobre o assunto.
Catei uns carrapichos marrons que haviam grudado na bainha da minha capa e joguei-os no fogo.
— Acho que tenho uma ideia do que aconteceu na fazenda dos Mathen.
Alys ficou atenta.
— Então fale.
— A pergunta é: por que o Sombraim atacaria justamente aquele lugar e naquele momento?
— Ora, por causa do casamento, é óbvio.
— Mas por que esse casamento em especial? Por que naquela noite?
— Por que não diz de uma vez? — retrucou Alys, esfregando a testa. — Não venha tentar me levar a uma explosão súbita de compreensão, como se fosse meu professor.
Tornei a me sentir rubro de vergonha.
— Sinto muito.
— Não sinta. Normalmente, nada me agradaria mais do que uma brilhante troca de ideias com você, mas tive um dia cansativo e minha cabeça está doendo. Vá logo para o final...
— Trata-se do que quer que o Mathen tenha encontrado ao escavar a antiga fortaleza quando procurava pedras. Ele tirou alguma coisa das ruínas e passou meses tagarelando sobre isso. O Sombraim ouviu e apareceu para roubá-lo — concluí, com um certo floreio.
Alys carregou o sobrolho.
— Não faz sentido. Se eles só quisessem esse objeto, poderiam ter esperado até depois da festa de casamento e matado só o casal. Seria muito mais fácil.
Isso tirou um pouco do vento que atrapalhava minhas chamas.
— Tem razão.
— Faria mais sentido se o que eles quisessem de verdade fosse livrar-se de todo e qualquer conhecimento desse treco. Como fez o antigo rei Selon quando achou que seu regente ia denunciá-lo por traição. Matou a família inteira do sujeito e incendiou a propriedade, para ter certeza de que nada transpiraria e não restaria nenhuma prova que alguém pudesse encontrar.
Apontou para o sul e continuou:
— Como todos os que conheciam o segredo estariam no casamento, o Sombraim podia chegar, matar todos os que sabiam de alguma coisa e destruir ou roubar fosse lá o que fosse. — Fez um movimento com a mão espalmada: — Limpeza geral.
Fiquei perplexo, embora não tanto com o que Alys tinha dito, o que, é claro, era muito melhor que o meu palpite.
É que me lembrei do que havia acontecido com minha trupe. "Os pais de alguém andaram cantando o tipo inteiramente errado de canção." Mas eles não tinham matado apenas meus pais. Mataram todos os que haviam estado perto o bastante para ouvir até mesmo parte da canção.
Alys enrolou-se em meu cobertor e encolheu as pernas, de costas para a fogueira:
— Vou deixá-lo ponderar sobre a minha vasta inteligência enquanto eu durmo. Acorde-me quando precisar que alguma outra coisa seja esclarecida.