Na manhã tranquila nas redondezas da floresta de Roshimu, as pessoas do vilarejo próximo despertavam-se em suas casas. Janelas eram abertas, pessoas saíam de suas casas e saudavam as outras que estavam do lado de fora. Um clima agradável rodeava a todos os presentes, era mais um dia tranquilo igual aos muitos outros que já haviam passado.
Crianças corriam de um lado para outro já pela manhã, brincando de pega-pega. Seus risos cristalinos passavam uma boa atmosfera para os adultos ao redor, era bonito ver tamanha tranquilidade.
Em uma cabana um pouco diferente das outras, um homem idoso com um corpo aparentemente robusto estava colocando um grande saco de couro sobre uma mesa. Ele poderia ser velho, mas era muito forte para sua idade. No entanto, ainda não poderia evitar os problemas que a idade avançada lhe causava, como a dor nas costas que sentiu após pousar o saco de couro.
"Está ficando mais constante..."
Pondera ele em resmungo. Hallard possuía atualmente 58 anos, mesmo tendo a aparência de alguém na casa dos 30 á 40. Seu corpo não era nada frágil como o de um idoso, ao: ao contrário, parecia ser alguém bem em forma para sua idade.
"Bom dia, Chefe da Vila."
A voz de outro homem é ouvida ao fundo logo que a porta se abre. Um homem negro que parecia ter 30 anos aparece do outro lado da porta.
"Oh. Dale, bom te ver. Na verdade, você chegou na hora certa."
Hallard se afasta e mostra a mesa com o grande saco de couro para Dale.
"Isso é coisa do Ard?"
"Sim, ele sempre pensa em nós, mesmo depois de tanto tempo."
"Aquele rapaz... Enfim, quer que eu ajude a distribuir para os outros?"
"Claro. Eu sozinho levaria um tempão para distribuir, além de que minhas costas não estão nas melhores condições."
Dale dá uma gargalhada após o que Hallard disse, parecia que aquilo o pegara de surpresa.
"Diz o Ex-Comandante do exército do Reino, você envelheceu com o tempo, Comandante."
"Não me chame assim, quero esquecer daquele meu eu do passado."
Os dois ficam em silêncio, divagando em imagens de seus passados em suas mentes.
"Mudando de assunto. Como vai sua esposa e filha?"
"Ah, elas estão bem, elas são o meu tesouro, sabe? Mas ultimamente a Fiora tem andado um pouco animada..."
"Mas isso não é algo bom?"
"Em certo ponto, sim, é algo bom... Mas no caso atual, sua animação é por causa de um homem..."
"Oh?"
Hallard ficou levemente surpreso, afinal, esse é o destino que todo pai vai enfrentar em suas vidas.
"E quem é esse homem que se tornou alvo da sua filha?"
Dale coça a cabeça, cansado. Parecia que esse tal indivíduo era alguém problemático.
"É o Ard..."
Hallard fica em silêncio, tanto quanto Dale. O local fica silencioso, deixando apenas o som das pessoas de fora ressoar dentro da casa.
"Mas isso não é algo bom?"
"Foi a mesma coisa que minha mulher disse... Mas eu não gosto de ver minha filha com um homem... Nem mesmo que seja o Ard, eu aprovaria facilmente!"
Hallard suspira, cansado. Após seu amigo se tornar pai, ele se tornou muito protetor com sua filha, chegando ao ponto de contratar mulheres para vigiar sua filha enquanto ele não estava. Mas isso já estava passando do limite.
Enquanto Dale continuava seu discurso de pai protetor, Hallard pega uma grande cesta de palha onde despeja toda a carne que estava no saco de couro.
"Parece que vou ter que fazer tudo sozinho no final..."
♦♦♦
Ehrnat é uma das cidades ao redor do Reino Veliehr. É uma cidade pequena, mas populosa e cheia de praças e mercados, considerada por muitos o local perfeito para o comércio. Sua população é muito diversificada, composta por anões, elfos, homens-fera e humanos. A paz entre raças era algo que muitos duvidavam, mas, nesse caso, elas viviam em harmonia.
A cidade é cercada por uma grande muralha feita de enormes blocos de concreto empilhados uns sobre os outros, com 20 metros de altura e 5 metros de espessura, tornando-a quase impenetrável contra qualquer tipo de projétil.
Pelos grandes portões de 15 metros, podemos ver Ard tentando arrumar o cabelo de Sílvia, que parecia ter sido levada em grande velocidade por algo.
"Sílvia odeia ser levada desse jeito..."
Ela parecia visivelmente tonta, efeito da grande pressão causada pela velocidade.
"Desculpa... Teu irmão exagerou dessa vez... Podes perdoá-lo?"
"Hmph! Não!"
Ard entra em choque com isso, como se seu estômago tivesse sido perfurado por uma lança brilhante. Qualquer irmão teria seu ego quebrado se uma irmã fofinha ficasse aborrecida com ele, ou pior, zangada...
"Opa! Bom dia, chegaram um pouco mais tarde... Aconteceu algo?"
A voz de uma terceira pessoa é ouvida à frente deles, e surge a figura de um jovem adulto com armadura de cavaleiro, mas sem capacete. Ele possuía uma espada na bainha, olhos azuis e cabelo loiro, com um rosto juvenil, mas era um guerreiro veterano. Apesar disso, parecia ser alguém acolhedor e gentil.
Sua voz ressoava em um tom gentil e companheiro, mas logo sua atenção se volta para Ard, que tinha um olhar de peixe morto.
"Não me diga, aborreceu a Sílvia de novo?"
A única resposta de Ard é virar o olhar levemente para o lado.
"Ah— Deixa que eu cuido disso."
O homem de armadura se agacha na frente de Sílvia com um sorriso gentil no rosto.
"Bom dia, Senhora Sílvia. Este humilde cavaleiro poderia saber o motivo do seu aborrecimento?"
"Uhm? Irmão Albert?"
Seu tom parecia melódico e poético, captando a atenção de Sílvia instantaneamente.
"Sílvia está zangada com o irmão Ard!"
"Posso saber por quê?"
"Ele deixou Sílvia tonta!"
"Entendi..."
Albert fazia uma cara de "Sério isso?" ou "O que estou fazendo aqui?", mas parecia saber o que fazer na situação.
"Mas Sílvia sabe o motivo pelo qual ele fez isso?"
"Uhm? Era para Sílvia chegar a tempo na escola..."
"Então ele fez por bem, não é?"
Sílvia acena com a cabeça em concordância, parecendo mais culpada agora.
"Sílvia não pensou nisso..."
Albert sorri e afaga os cabelos no topo da cabeça de Sílvia.
"Ainda tens tempo para te desculpar, sabes?"
"Ok..."
Sílvia se vira para Ard e segura sua jaqueta com a mão direita.
"Desculpa, irmão Ard... Sílvia estava errada..."
Ard sorri diante da fofura vinda de sua irmã.
"Não faz mal, Sílvia, teu irmão também pede desculpas. Não queria te levar daquele jeito, prometo te levar normalmente, tá?"
"M-hm! Sílvia promete também não odiar mais o irmão Ard."
Albert se levanta, voltando à sua posição, e levanta o polegar na direção de Ard como se estivesse dizendo "De nada, mano" de forma muda.
"Enfim, preciso checar os vossos cartões de entrada para poderem entrar na capital."
Ao ouvir isso de Albert, Ard retira dois cartões do bolso da calça e os mostra a Albert.
"Certo, podem entrar. Tenham um ótimo dia!"
"Até logo, Albert."
"Adeus, irmão Albert!"
Assim, Ard e Sílvia finalmente entram na cidade de Ehrnat.
♦♦♦
No interior da cidade, havia uma grande quantidade de pessoas de várias raças se movendo de um lado para o outro. Ard e Sílvia contornavam a multidão de mãos dadas para não se perderem um do outro. Humanos, anões, elfos e homens-fera estavam todos misturados em um só local de comércio, o que gerava grandes multidões que se estendiam pelas ruas.
Enquanto caminhavam pela multidão, era possível ver os diferentes tipos de bancadas montadas, desde as que vendiam armas e joias até as que vendiam comida, que eram as mais cheias.
Como sempre, a manhã estava muito movimentada...
A visão de Ard foi obstruída por um homem-fera lobo que parecia ter 2,16 metros de altura. Ele estava devorando espetos que parecia ter comprado recentemente. Vestia uma roupa de couro com uma liga de metal no peito e no ombro esquerdo. Também carregava uma pequena bolsa de couro, que se pareceria com a mochila de um viajante comum, se não fosse pelo símbolo na parte superior. Na cintura, havia uma cinta com vários frascos de líquido, duas foices curvadas e um manto marrom que cobria seu corpo grande.
"Ard! Meu mano!"
O grande homem-fera lobo não pôde deixar de sorrir ao ver Ard à sua frente. Ele era um amigo de longa data de Ard e, com a mão direita desocupada, a choca com a de Ard em um aperto companheiro.
"Sebastian! Seu lobo pidão! De novo comendo muito pela manhã?"
"Você sabe como é, não posso resistir ao cheiro dessas belezuras!"
Por ser de uma raça canina, Sebastian tinha um olfato apurado, junto com outros sentidos aguçados. Mas sua gula por carne sempre o acompanhava pela manhã, cheia dos diversos cheiros dos petiscos nas bancadas.
"Sei, e ainda pede por mais. Por isso você será sempre o lobo pidão desta pequena cidade."
Sebastian sorri com a boca cheia.
"E sou mesmo!"
"Enfim, tenho que levar a Sílvia para a escola."
Sebastian finalmente repara na figura de Sílvia ao lado de Ard.
"Oh! Sílvia! Não tinha te visto!"
"Ah! É o cãozinho!"
As orelhas de Sebastian se abaixam ao ouvir o apelido vergonhoso que Ard deu. Por outro lado, Ard tenta conter o riso que está prestes a escapar.
"Ei! Não tem graça!"
"Tá..."
Ard está tentando segurar o riso, o que deixa Sebastian ainda mais envergonhado e irritado com seu amigo. Ele olha para Ard com um olhar de repreensão, com uma veia visível em sua testa.
"Ainda vai ficar de brincandeira aí?"
Sebastian força um sorriso, mostrando seus dentes caninos e afiados.
"Não, tá tranquilo. Já ativei o meu modo sério."
Ard passa a mão no rosto como se estivesse mudando para uma expressão mais séria e dura, como uma pedra.
"Certo..."
"Enfim, vou indo. Tenho que levar a Sílvia para a escola."
"Tá, vão bem. Tchau, Sílvia!"
Sebastian acena em despedida de maneira infantil, e Sílvia acena de volta sorrindo.
"Adeus, cãozinho! Sílvia promete trazer doces para o cãozinho."
Ard finalmente não aguenta mais e solta uma gargalhada alta o suficiente para Sebastian ouvir. Com isso em mente, Ard pega Sílvia nos braços e corre rapidamente para escapar de Sebastian, que vinha atrás irritado.
♦♦♦
"Adeus, irmão Ard!"
"Adeus, Sílvia."
Sílvia finalmente adentra na escola, deixando Ard mais tranquilo com suas ocupações atuais. Agora, só resta ajudar a Sra. Enma...
Com isso em mente, Ard caminha pela rua por algum tempo até chegar a um grande estabelecimento. Do lado de fora, é possível ver uma senhora idosa e uma jovem descarregando caixas de uma carroça.
"Bom dia, Sra. Enma."
Ard se aproxima lentamente da senhora idosa, autodenominada Enma, que está carregando uma caixa cheia de tomates.
Enma é uma mulher de 54 anos, com cabelos e olhos castanho-escuro. Apesar da idade, seu rosto jovem é quase livre de rugas, e seu vestido marrom e branco faz com que sua verdadeira idade passe despercebida. Atualmente, ela é dona de um estabelecimento localizado no centro da capital, que possui grande popularidade entre estrangeiros de diferentes raças.
"Oi, Ard! Você chegou a tempo. A carga de alimentos do restaurante acabou de chegar."
Enma sorri gentilmente para Ard. Ela é uma mulher que acolhe quem precisa.
"Oi, Ard! É você que a mãe disse que vai nos ajudar?"
A jovem que ajuda Sra. Enma a descarregar as caixas de mantimentos é Renner, filha única de Enma. Renner é uma jovem bela, com um corpo esbelto e longos cabelos castanhos vivos, além de lindos olhos laranjas com um toque de amarelo. Ela usa um vestido marrom e branco, mas o dela é mais elegante e deslumbrante, destacando-a mais.
"Sim, algum problema?"
"Não! De jeito nenhum!"
"Só deveria ter me preparado melhor..."
Renner murmura para si mesma. Renner e Ard são amigos de infância, e desde pequena, Renner sempre teve um fraquinho por Ard.
"…Hhm— Renner?"
Ard diz isso quando percebe que seu rosto está muito próximo ao dela. Renner se espanta e fica envergonhada.
"N-Não foi nada! B-Bom, v-vamos continuar descarregando as coisas!"
Renner leva com pressa uma caixa para o restaurante pela porta dos fundos, ruborizada pela aproximação repentina.
"Ahh... Bom, vai ajudar, Ard?"
Pergunta a Sra. Enma, vendo Ard descarregando as caixas rapidamente.
"…Hhaa. Os jovens de hoje em dia andam sempre muito energéticos."
Não muito tempo depois, Ard, Enma e Renner terminam de descarregar e levar todas as caixas de mantimentos para o restaurante. Dentro do restaurante, Ard organiza as caixas.
"Muito obrigada, Ard. Sem você, levaria toda a manhã para descarregar tudo."
"O prazer foi meu em ajudar."
"Você já vai embora?"
"Sim, por quê? Precisa de mais ajuda?"
"Não foi isso que quis dizer, apenas queria que você ficasse mais tempo aqui... Já faz muito tempo que não ficamos juntos..."
Renner fica toda corada, enrolando seu dedo no cabelo.
Realmente faz um tempo... Talvez eu devesse a levar para sair? Um passeio? — ponderou Ard. Afinal, ele não tinha ideia da paixão de Renner por ele.
"Realmente faz um tempão... Que tal a gente sair juntos amanhã? Tipo um encontro, acho."
"Ara-Ara, não é uma má ideia, não é, Renner~"
"E-encontro?!"
"Sim, não gostou?"
"N-Não foi isso que quis dizer! Eu gostei muito!!"
"Ok, então nós veremos amanhã."
Ard acena em despedida para Renner e Enma e vai em direção à grande porta do salão, que tem quase 3 metros de altura. Era uma porta feita sob medidas universais a nível racial, afinal, poderia chegar o dia em que alguém muito alto viesse ao seu estabelecimento.
Assim que Ard chega à porta, ela é aberta por alguém do lado de fora. Uma silhueta de 2,56 metros de altura esbarra com Ard, e ele sente um impacto que parece uma almofada macia e fofinha em seu rosto.
Nesse momento, o rosto de Renner fica pálido ao ver a imagem de Ard com sua cabeça nos seios exuberantes de uma mulher-fera tigre, de 2,74 metros, que entrou pelo restaurante.
"A-Ard!? D-Desculpe!"
A mulher-tigre gigante fica toda envergonhada e se afasta para dar espaço a Ard.
"Não faz mal, eu também não prestei atenção."
Mia é uma mulher-fera tigre, com olhos azuis felinos e pelo laranja e branco, além de cabelo curto na mesma cor. Apesar de seu tamanho intimidador, ela é gentil e amável, sempre prestativa com os outros. Mia veste uma blusa branca solta de mangas amplas, combinada com uma cinta de couro marrom na cintura. Ela também usa uma saia longa esvoaçante, composta por duas camadas de tecido: a primeira camada é curta e verde, enquanto a segunda é longa e branca. Completa seu visual com lindas sandálias marrons que combinam com a cinta de couro. Sua aparência é uma mistura encantadora de elegância e um toque "fofo", mas essa "fofura" é ofuscada por seu corpo volumoso e seus seios grandes. Ela é a única mulher-tigre na cidade.
"Mas... Eu deveria ser mais cuidadosa também..."
"Não se culpe, acidentes acontecem, ok?"
"Ok... Obrigada..."
Mia cora levemente, com sua cauda ondulando nervosa de um lado para o outro. Ela é outra amiga de infância, mas não de tão longa data quanto Renner. E como pode ser visto, ela também gosta de Ard.
"Mas eu não te machuquei, não?"
Pergunta ela preocupada, inclinando-se um pouco para analisar o pequeno porte de Ard com suas grandes mãos. Renner observa a interação de sua amiga e rival amorosa com Ard, e não pode deixar de fazer uma cara azeda com tamanha interação invejável.
Antes que ela possa dizer algo, o chão treme. Um forte tremor os atinge, durando 15 segundos antes de parar. Renner, que havia desequilibrado e caído, se levanta junto com Enma.
Ard, por outro lado, está de pé, mas com Mia o abraçando assustada, enterrando seu rosto em seus seios grandes.
"Que medo..."
Ela diz, abrindo os olhos lentamente e fitando Ard, que está com o rosto enterrado novamente em seus seios. Ela cora quase instantaneamente e se afasta rapidamente de Ard, com sua cauda ondulando nervosa de um lado para o outro de novo.
"Eh! Uh... Uh... Eu... eu preciso ir!"
Mia parte para a cozinha do estabelecimento apressadamente. Ela é a cozinheira de lá.
Renner observa seriamente enquanto Mia se afasta, ambas sendo amigas, mas rivais ao lado de Ard, mesmo que Mia não concorde com isso.
"Certo... Mas o que foi aquilo há pouco?"
"Não sei... Mas foi muito assustador, não?"
Renner percebe a ausência de Ard e olha em volta à procura dele.
"Ard?"
Ela sai pela grande porta e o encontra do lado de fora.
"O que está fazendo? Não viu o que aconteceu há pouco—"
"Está nevando..."
Flocos de neve caem sob o céu claro diante da visão dos dois, algo bizarro e não natural de se ver.
"O que está acontecendo?"