Na calada da noite, quando os ratos dormiam e o mundo estava parado, uma perturbação silenciosa aconteceu. As portas do imenso quarto de Adeline rangeram ao abrir. Uma figura caminhou na ponta dos pés em direção à sua figura imóvel.
A lua cinzenta não estava à vista, uma espessa neblina havia coberto seu brilho intenso. Asher não precisava de luz para ver. Nada iluminava seu caminho, mas ele via tudo claramente. Uma habilidade que os humanos não poderiam possuir, sem grande e constante prática.
"Adeline," Asher cumprimentou em um sussurro tranquilo.
Asher ficou à beira de sua cama com dossel. As cortinas transparentes estavam fechadas e ela se assemelhava a uma Princesa de um conto de fadas. Suas mãos estavam obedientemente cruzadas sobre o peito. Os cobertores estavam puxados até seu colarinho, revelando seu delicado pescoço pálido.
Ao não ouvir resposta dela, Asher se inclinou. Ele segurou sua orelha e sussurrou, "Eu tenho torta de limão merengue."
Nada. Nem mesmo um sinal.
Seus lábios se curvaram em um sorriso satisfeito. A história não se repetiria. Asher tinha certeza disso. Ele ficaria furioso se ela escapulisse novamente. O incidente já havia acontecido alguns dias antes. Desde então, ele vinha ao quarto dela à noite para se certificar de que ela estava completamente adormecida.
Adeline era recatada, mas surpreendentemente ousada. Não fazia sentido. Toda a sua coragem era deslocada, assim como sua compaixão.
"Boa noite, Adeline. Durma bem," a voz de Asher estava mais baixa que um zumbido. Ele pronunciou suas palavras como uma oração silenciosa, realmente esperando que ela dormisse confortavelmente.
Pesadelos eram frequentes e ela só tinha sua infância traumática para culpar. Às vezes, ela segurava sua mão a noite toda, até finalmente adormecer. Havia momentos em que ela era ousada o suficiente para pedir-lhe para dormir com ela, mas não sexualmente, é claro.
Sem dizer outra palavra, Asher recuou silenciosamente para a escuridão. Ele contou cada passo, certificando-se de não andar muito rápido. A razão principal era que ele não queria assustá-la acordada com o desaparecer de passos. Ela gritaria um assassinato sangrento.
Asher lançou um último olhar para ela. Na escuridão total de seu quarto, ela permanecia na mesma posição de antes. Ele soltou um pequeno suspiro de alívio.
Não houve terrores noturnos essa noite.
Infelizmente para ele, o terror só começaria depois que ele partisse.
Assim que Asher se foi, os olhos de Adeline se abriram rapidamente. Esse hábito ruim de Asher vinha acontecendo com muita frequência agora. Ela ficou deitada bem acordada na cama, imóvel por mais alguns segundos.
Adeline conhecia Asher bem. Provavelmente ele estava parado do lado de fora da porta, esperando que ela fizesse algum barulho.
Era impressionante como os cinco sentidos de Asher eram anormalmente sensíveis. Ele podia ouvir um alfinete cair em meio a uma multidão. Ele podia ver no escuro e navegar por ele como uma criatura da noite.
Adeline não se surpreendeu.
'Ele treinou muito duro para essa posição,' ela pensou consigo mesma.
Adeline lembrou-se de uma memória afetuosa de sua juventude. Ela estava lendo um livro na grande sacada da propriedade de seus pais. À distância estava um jovem Asher, treinando diligentemente sozinho. Ele estava completamente só e pensava que ninguém seria capaz de vê-lo através das árvores densas.
O sol estava ameno e o vento era gentil. O tempo estava incrível naquele dia, enquanto Asher praticava arco e flecha. Ele atirava em pequenas criaturas na floresta, mas sua mira estava sempre errada. Ele sempre acertava os animais em uma parte que não os mataria.
Adeline gostava de acreditar que era porque ele tinha muito medo de machucar seres vivos.
"Certo, sem mais delongas," Adeline decidiu. Ela se sentou ereta na cama e ajustou suas roupas. Ela olhou para o fundo de sua porta, onde a luz espiava. Ela notou que Asher havia partido, e que não havia sombra parada ao lado de sua porta.
Adeline olhou para esquerda e para direita. Como uma pequena ladra, ela saiu da cama na ponta dos pés. Rapidamente, ela pulou em direção à grande estante de livros na outra extremidade do quarto. Ela pegou aleatoriamente um livro da fileira do meio.
"Ai!" ela sussurrou após tropeçar em uma cadeira.
Adeline pulou em uma perna e suprimiu um gemido de dor. Assim que passou, ela correu de volta para a cama como um anjo perseguido por demônios.
Adeline puxou animadamente os cobertores sobre suas pernas e ajeitou o travesseiro. Agora que estava em uma posição confortável, ela estendeu a mão no escuro em busca do criado-mudo.
"Preciso pedir à Tia Eleanor para devolver minha luz noturna..." Adeline reclamou consigo mesma.
Finalmente, seus dedos roçaram o toque suave e familiar de seu criado-mudo branco. Sua mão agarrou desajeitadamente uma alça e puxou a gaveta aberta. Ela era astuta e silenciosa, cuidadosa para não acordar ninguém.
As paredes eram extremamente finas. Mesmo que não houvesse ninguém nos quartos ao lado, sempre havia um guarda patrulhando os corredores.
"Aqui!" ela respirou aliviada, puxando uma ferramenta do comprimento de sua mão.
Adeline a colocou animadamente em cima do colchão macio. Ela se reajustou em uma posição confortável. Uma vez acomodada, segurou a lanterna em uma mão e o livro na outra.
Ia ser mais uma noite de insônia.
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O Rei a observava de fora da janela. Ela era uma tola. Talvez, até mais do que Easton. Quem diabos a deixou dormir tão inseguramente? A janela alta deixava pouco à imaginação. Ele poderia pousar na sacada que levava ao seu quarto e raptá-la naquele mesmo instante.
Seus olhos se estreitaram. Era um pensamento tentador.
"Eu deveria matar aquele homem," O Rei observou para si mesmo.
Seria uma pena se um mero humano roubasse sua presa dele. Um estalo silencioso pôde ser ouvido. Ele havia segurado a pobre árvore com muita força. Agora, haveria uma rachadura pelo meio. Certamente, essa árvore patética teria galhos mais resistentes?
Seu humor azedo pioraria se o galho embaixo de seus pés quebrasse. Isso alertaria todos. Como sua pequena Adeline, completamente alheia ao perseguidor do lado de fora de sua janela.
"Como ela pode ser tão obtusa?" ele murmurou.
Ele olhou para o céu, desejando paciência. Ele podia ver tudo em seu quarto, como se a luz estivesse acesa. Mas não estava.
Ele notou o céu noturno enfadonho e as árvores densas. Era por isso que a janela dava uma visão da cama? Para que ela pudesse sentar-se na cama e observar as maravilhas que a natureza tinha a oferecer?
A ação tola estaria completamente alinhada com sua moral. Ela era do tipo ingênuo. Ele sabia disso melhor que ninguém. Especialmente quando ela encarou seus olhos vermelhos sangue e teve a audácia de continuar olhando.
"Isso é um brinquedo sexual?" Ele franziu o cenho.
Havia uma coisa cilíndrica na mão dela. E de como ela correu para a cama com um livro, ele só poderia supor que ela estava lendo erótica. Por que ler quando ela pode experimentar?
"Hora de fazer minha entrada," ele refletiu.
Um único passo foi dado, antes de ele congelar. Luz saiu de seu brinquedo. Para sua total decepção, não era uma ferramenta de prazer. Era uma lanterna. O que ela estava fazendo?
Ele pausou para observá-la por mais um tempo. Já fazia um pouco mais de uma década desde que ele tinha feito isso.
Naquela época, ela era uma garota tola correndo atrás de um demônio. Que mundo sereno no qual ela cresceu. Sem temer criaturas que poderiam quebrar seu lindo pescoçinho, drená-la contra uma parede, e descartá-la sem hesitação... Ela era ignorante desde o nascimento.
"Mas os tempos mudaram, não é mesmo?" ele especulou.
Quinze anos para ser exato. Ele contou cada minuto, dia e semana sozinho. A paciência era uma virtude que ele possuía milagrosamente. Ele contou cada dia até a próxima interação deles. Na próxima vez que ela estivesse em seu domínio, ele não a deixaria escapar.
Adeline Mae Rosa pertencia a ele. Sempre pertenceu e sempre pertencerá. Agora, sua presa havia atingido a maturidade, e esplendidamente. Era hora da Princesa retornar a seu castelo de vidro.