ENGANADA — era assim que Aylla se sentia após descobrir que teria que ficar dois dias até seu aniversário de maioridade com sua mãe, não que a pequena bruxa a odiasse, longe disso. Aylla não entendia por que precisava ficar mais tempo longe de sua família paterna, a morena sentia que algo estava muito estranho em relação aos seus familiares. Felizmente, o ano velho já havia ido embora e o ano novo tinha se iniciado. O aniversário de Aylla estava chegando, os anos foram corridos, mesmo com o preconceito de ser uma mestiça, Aylla havia achado um lugar ao lado dos curandeiros e guerreiros da matilha de sua mãe. Mesmo que alguns odiassem a magia da primogênita da fêmea alfa, Aylla era a única que sabia cuidar de fraturas expostas e ossos quebrados.
[...]
Já tinham se passado dois dias e finalmente Aylla poderia voltar para comemorar seu aniversário do jeito que sempre amara. A noite predominava todo o céu, não aconteceria um eclipse no dia. Havia uma fogueira acesa, tinha crianças correndo por todos os lados, as bruxas mais velhas cantavam, comemorando mais um ano de vida da última bruxa Kim a nascer, mesmo com sua descendência mista. Aylla ouvia as bruxas sussurrando no seu ouvido uma canção que sempre cantavam, a canção favorita da Deusa do Sol. Mesmo que a noite cobrisse tudo, eles não deixavam de adorar sua amada deusa.
━ Deixa eu me apresentar. ━ Todas as bruxas estavam escutando a linda canção, era uma música considerada uma ótima chegada para as bruxas mais novas.
━ Que eu acabei de chegar, depois que me escutar, você vai lembrar meu nome. ━ Algumas das bruxas mais velhas arriscaram dançar ao redor da fogueira. Aylla de longe observava ao lado do seu irmão mais novo, eles estavam todos de branco e dourado para representar a paz e a Deusa do Sol.
━ É que eu sou de um lugar, onde o céu molha o chão. ━ As bruxas continuavam só paravam quando alguém cantasse depois delas, todo ano era assim. Algumas bruxas já haviam completado Vinte e Quatro Anos, só faltava Aylla.
━ Céu e chão grudam no pé, amarelo, azul e branco. ━ por fim, as bruxas param de cantar, caminhando ao redor da fogueira, Catarina cantava, olhando para todas as bruxas que lhe acolheram e lhe deram um lar para viver. ━ Deixa eu me apresentar.
━ Que eu acabei de chegar, depois que me escutar, você vai lembrar meu nome. ━ Aylla começou a seguir a melodia, enquanto saia do lado do seu irmão mais novo, olhava para sua filha com emoção, ele não participava das canções e sim da caçada que viria depois. ━ É que eu sou dum lugar, onde o céu molha o chão. ━ Ela continuou cantando sozinha enquanto sentia que todos a observavam. ━ Céu e chão grudam no pé, amarelo, azul e branco. ━ A noite continuou seguindo de cantoria, mas não duraria muito tempo. Aylla estava se divertindo com as mais novas, seu pai não deixava de sentir que algo estava errado, sua irmã havia sumido depois do começo da cantoria e levado seu arranjo consigo. Ji-Hoon nunca confiara no que o homem falava, era difícil de se acreditar que ele só estava por ali, por causa de uma paixão.
[...]
O silêncio que permanecia na floresta era esquisito. Derya odiava o silêncio, era um sinal que havia algo de errado. Haruka, seu até então macho Alfa, estava resmungando no seu ouvido, não era de agora que ele odiava a filha mais velha da sua esposa, um bruxo havia conseguido engravidá-la e ele, que era seu companheiro, não havia conseguido tal proeza ainda.
"Juro que se você reclamar mais uma vez, Haru, pode ter certeza de que você não vai ter filhotes tão cedo"
Haruka poderia odiar a mestiça, mas amava sua esposa com toda a sua força e seu lobo o repreendia por ter irritado a sua fêmea. Diferente dos mestiços, os lobos da lua têm que conviver com a voz dos seus lobos durante duas vidas até que o lobo tenha certeza de que o humano amadureceu suficiente. E isso não era o caso do Alfa Haru, que foi mimado por todos e seu lobo se recusava a deixar o homem daquele jeito.
"Me desculpe, Haru aprendera a se comportar."
Derya mirou os olhos no lobo de pelo cinza, ela não havia se acostumado com o fato de que seu marido ainda tinha seu lobo falando por ele, era difícil de acreditar que seu marido não havia amadurecido ainda. A loba de Derya viu que não havia necessidade de ela educá-la após o nascimento de Aylla. Um filhote já era responsabilidade demais para um lobo que havia completado um ciclo de vida. Haru por si resmungava enquanto era empurrado para o fundo da sua própria consciência e só podia observar, seu lobo controlar seu corpo.
"Que cheiro é esse?"
Os pelos de Derya se arrepiaram quando ela prestou atenção no que os lobos falavam. Era um aroma de cinzas e podridão. Derya se levantou de onde estava sentada e uivou com o focinho mirado para o alto.
"Caçadores! corram para a área onde as bruxas estão"
As patas de Derya batiam com força contra o chão da floresta. Ela temia que eles fossem atrás da sua filha e das bruxas, eles não podiam se dar bem. Mas uma ajuda o outro, as bruxas ajudaram Derya no nascimento de Aylla, já que nenhuma parteira da sua matilha queria ajudá-la. Filhos do sol eram considerados uma ofensa para o deus da Lua.
"Consegui avisar um dos mestiços que estava na forma lupina."
Jin falou, ficando um pouco atrás dos seus pais. Com o passar dos anos, Jin aprendeu a conviver pacificamente com sua irmã. Jin odiava o tanto que o seu pai tentava manipulá-lo contra a mestiça, mesmo que ela fosse só uma criança na época.
"Obrigada, filho"
[...]
Aylla ficou assustada quando ouviu o uivo do filho do beta Jung. Havia alertado Jung sobre os caçadores, todas as crianças presentes foram levadas para a montanha da Deusa, lá estariam mais protegidos que nas suas próprias casas. Raphael era um mestiço como Aylla, mas diferente dela, ele havia nascido um ômega alfa, o primeiro a nascer no Clã Jung e talvez dos ciclos que existiam. Aos poucos, o aroma de podridão chegou na clareira onde estavam todos os bruxos que ficam para trás para proteger os seus, os rosnados dos lobos da lua se fizeram presente ao lado deles.
━ Que reunião maravilhosa! ━ O corpo de Aylla paralisou no lugar. Fazia anos que não ouvia aquela voz, Aylla havia esquecido que sua tia ainda estava com o homem estranho que se meteu no Clã do seu pai. Os dois alfas da Lua rosnaram quando o homem tentou chegar mais perto. ━ Vocês já foram mais acolhedores.
━ Onde está a minha irmã?
━ Hum, vejamos...após ser esquartejada e queimada, deve estar voando por aí. ━ O ar ao redor parecia carregar uma tensão palpável, como se a própria natureza estivesse aguardando o desfecho desse confronto iminente. Aylla sentiu um frio percorrer sua espinha ao ouvir as palavras cruéis de Nikolas, e viu o olhar do seu pai se tornar uma promessa de vingança. ━ Acha que tenho medo desse seu poder de merda? Por favor, passei anos aqui e vocês não perceberam a verdade. ━ Os olhos de Aylla focaram na loba que parou do seu lado, era sua mãe querendo protegê-la. Tudo parecia acontecer rápido demais quando a cabeça de uma loba rolou pelo chão. E um uivo agudo ecoou pela clareira.
O silêncio que se seguiu era ensurdecedor, quebrado apenas pelo som do vento sussurrando entre as árvores e pelo bater acelerado dos corações dos presentes. Nikolas, o intruso no Clã Kim, exibiu um sorriso cruel, seus olhos faiscando com malícia enquanto ele observava a reação dos outros. Aylla sentiu a tensão no ar, sabendo que aquele momento poderia definir o destino de todos ali presentes. Seu pai, o líder do clã, deu um passo à frente, sua expressão uma mistura de fúria contida e determinação. Mesmo que a loba não fosse do seu clã, não merecia morrer daquela forma.
━ Nikolas, você ultrapassou os limites desta vez. Sua presença aqui é uma afronta ao nosso clã e aos nossos costumes. Você não tem lugar entre nós. ━ O sorriso de Nikolas para aquela fala fez vários lobos rosnarem pela companheira perdida.
"Avancem!"
A voz de Derya rugiu pelo link da matilha, ela não toleraria tal ato sem deixar aqueles caçadores vivos. Aylla se encontrava no meio de uma guerra sangrenta, a maioria que estava caído no chão era do Clã Maori. Ela estava tão inerte aos seus pensamentos, que só despertou quando escutou um grito alto. Aylla olha para trás e vê seu irmão mais novo na frente de seu pai, com uma espada atravessando seu corpo recém-curado. Foram anos de luta para manter o pequeno vivo e sua vida estava indo embora da pior maneira. Allan cairá no chão com os olhos fechados. O mundo ao redor de Aylla parecia desacelerar enquanto ela testemunhava a cena terrível diante de seus olhos. Seu irmão, Allan, cuja vida ela havia protegido com tanto afinco, agora jazia no chão, sua expressão tranquila contrastando com a brutalidade do ato cometido. Aylla sentiu-se dentro de si quebrando, era uma dor surreal, agora Aylla entendia as falas da sua falecida avó materna.
"Com a dor vem a transformação, mas não a dor física e sim a emocional. A perda de um ente querido é a pior coisa que vocês Lobos do sol sofrem"
Um rugido de fúria rasgou a garganta de Aylla, ecoando pela clareira enquanto ela avançava em direção ao responsável pela morte de seu irmão. Seu corpo tremia de raiva, uma tempestade de emoções violentas que ameaçava consumi-la. Seu pai estava ao lado de Allan, sua expressão uma máscara de dor e desespero. Aylla podia sentir a dor dele se misturando à sua própria, um vínculo de sofrimento compartilhado que os unia naquele momento de perda. Mas não havia tempo para lamentações. O calor da batalha rugia ao redor deles, o choque de espadas e o estrondo dos feitiços ecoando pela clareira. Derya liderava os lobos da Lua com ferocidade, sua determinação incendiando a coragem dos que lutavam ao seu lado.
Aylla enfrentou o assassino de seu irmão com um feroz ímpeto, seus poderes se manifestando em uma explosão de energia que enviou o caçador voando para trás. Cada golpe desferido era impulsionado pela dor de sua perda, uma força que ela canalizava para a justiça de seu irmão caído. Enquanto a batalha rugia ao seu redor, Aylla se encontrou em um estado de foco agudo, seus sentidos amplificados pela adrenalina da luta. Ela não permitiria que mais nenhuma vida fosse ceifada injustamente. Com cada golpe, ela jurava vingança por Allan, seu coração pulsando com a determinação de proteger aqueles que amava a qualquer custo. E no tumulto da guerra, ela descobriu uma força dentro de si mesma que nunca soubera existir, uma força nascida da dor, mas temperada pela coragem e pelo amor. As bruxas que lutavam se assustaram ao sentir o poder emanado por Aylla e tentaram fugir, elas sabiam o que estava acontecendo, logo se afastaram o máximo possível.
Aylla caiu no chão com força, ralando seus joelhos. Ela sentiu seus olhos queimarem, algo dentro dela estava mudando. Quando levantou a cabeça, seus olhos focaram em Nikolas, que esbanjava um sorriso cruel. O restante dos caçadores olhava assustado, eles não imaginavam que aquilo era possível. Eles achavam que as Alfas do Eclipse eram uma história criada para afastá-los do seu dever de exterminar todos os seres sobrenaturais. Aylla tentou se levantar, mas seu corpo começou a esquentar, ela sentia sua pele ferver. Ninguém nunca havia presenciado a transformação de lobo do sol. O corpo de Aylla explodiu, dando o lugar a um lobo grande de pelos castanhos avermelhados e os olhos tomando a cor de um vermelho carmesim.
Envolta pela energia selvagem da transformação, Aylla se encontrou em um estado de êxtase primal. Seu corpo se contorceu e esticou, moldando-se à forma da loba do Eclipse, uma criatura lendária há muito esquecida. Seus sentidos se aguçaram, cada cheiro, cada som, cada movimento ao seu redor agora era percebido com uma clareza intensificada. Nikolas recuou instintivamente diante da majestade da criatura que agora enfrentava. Seus olhos, anteriormente cheios de confiança e malícia, agora se estreitaram em medo e incerteza. Os outros caçadores se afastaram, suas armas tremendo em mãos trêmulas enquanto observavam a transformação assombrosa diante deles.
A loba ergueu-se em toda a sua imponência, seu olhar fixo em Nikolas com uma intensidade que o fez recuar ainda mais. Seu corpo emanava uma aura de poder e autoridade, uma presença que parecia transcendental em sua natureza. Aylla, agora na forma de lobo, sentia-se livre de todas as limitações e fraquezas de sua forma humana. Seu coração batia em ritmo selvagem, sua mente clara e afiada como uma lâmina. Ela sabia o que precisava ser feito. Com um rosnado profundo, ela avançou na direção de Nikolas, seus músculos poderosos impulsionando-a com uma determinação feroz.
Os caçadores recuaram ainda mais, alguns virando as costas e fugindo diante da visão aterrorizante diante deles. Aylla não tinha tempo para medo ou hesitação. Ela sabia que a batalha ainda não estava vencida, que o destino dos demais clãs ainda vivos e de todos os seres sobrenaturais estava pendurado no fio da navalha. E ela estava determinada a lutar até o fim para proteger aqueles que amava e defender sua terra natal da ameaça dos caçadores implacáveis.