Após o pedido de casamento, eles se abraçam. Benício sorria como se tivesse ganhado na mega-sena. As crianças comemoravam animadas por saber que a mãe, enfim, será feliz ao lado do homem que ama.
Alexia e Benício ficam mais um pouco no parque, conversam, brincam com as crianças e com seus amigos. No final da tarde, levam Brayan e Louis para casa. Ajudam as crianças a tomar banho, as alimentam e vão para o hospital dar a notícia para Isabela, que lutava fortemente para se recuperar. Apesar de sua determinação, sua melhora estava sendo lenta. Foram anos presa num cativeiro, sendo maltratada. Por isso, alguns dias as crises de pânico consumiam sua alma, fazendo com que intensificassem as sessões de terapia.
Isabela já consegue andar e comer sem ajuda. Ela ficou tanto tempo presa num quarto escuro, que às vezes até mesmo a claridade que bate na janela incomoda seus olhos. Por esse motivo, seu quarto vive com as cortinas fechadas.
Alexia entra e fica alguns minutos em silêncio. Seus olhos azuis que brilhavam de alegria se encontraram com os da mãe. Isabela ao vê-la sorri animadamente, sentando na cama, dando espaço para que ela sente ao seu lado. Alexia se aproxima, dá um beijo na testa da mãe e senta do seu lado.
— Minha filha... Que bom te ver, já estava me perguntando se havia acontecido alguma coisa com você.
— Mãe, quero te apresentar uma pessoa muito importante. — Alexia diz e Benício entra.
— Boa noite, senhora, sou Benício, o futuro marido da sua filha.
— Sério, filha? Você vai se casar? — Isabela pergunta surpresa. — Vem mais perto, rapaz. — Benício se aproxima da cama e olha gentilmente para ela. — Nossa, que genro bonito, você fará um belo par com minha linda filha.
— Ele é, né? — Alexia brinca. — Benício é o homem com quem eu quero viver o resto da minha vida. Por isso, dona Isabela, viemos te buscar. A senhora precisa estar perto dos seus netos e das pessoas que te amam para se recuperar.
Isabela encara os olhos da filha, abaixa a cabeça e sussurra amedrontada.
— Mas filha, Lucy está por aí, ela jurou que ia me matar. Não quero te colocar em perigo.
— Não, mãe, essa mulher morreu. Ela já não pode fazer mal para você nem para ninguém.
— O que? Como... quando?
— Ontem. É uma longa história, mas tudo que precisa saber é que agora você não precisa ter mais medo de nada. — Isabela leva as mãos no rosto e começa a chorar, seu coração fica apertado pela morte da irmã. Mas ao mesmo tempo, ela sente um peso sendo tirado dos seus ombros. — O velório está acontecendo numa capela perto do hospital, não tem ninguém, somente as pessoas que trabalham na funerária.
— Você pode me levar até lá? Eu queria vê-la pela última vez.
— Mas mãe... Depois de tudo que ela fez, você ainda vai querer vê-la?
— Eu sei que parece estranho, ou até mesmo loucura, mas ela é minha irmã. Um dia nós também nos abraçamos e nos amamos. Pelo menos, eu já amei ela.
Alexia suspira pesadamente, concorda com a cabeça. Benício vai atrás do médico pedir autorização para que Isabela possa sair por alguns minutos. Com a autorização médica, eles saem em direção ao funeral. Chegando lá, Isabela caminha sozinha, seus olhos cansados e ainda machucados se enchem de lágrimas. Isabela se aproxima do caixão de Lucy, o silêncio do local vazio era algo assustador. Ela respira fundo e, com a voz embargada, começa a falar:
— Lucy... Esse era o último lugar que eu imaginei te ver. Sei que nossa relação foi conturbada, marcada por dor e sofrimento. Mas, apesar de tudo, um dia você foi minha irmã, minha companheira e amiga, minha cúmplice de bagunça, a pessoa que esteve ao meu lado em tantos momentos... — Alexia observa a cena com os olhos vazios. Por mais que ela tentasse, ela não conseguia perdoar o que Lucy fez com a vida da mãe e do seu pai, por ter matado Ana e ter feito com que seu filho crescesse longe dela. — Eu perdoo você por tudo que fez, por todo o mal que causou. Eu escolho lembrar dos bons momentos que tivemos juntas, do amor que um dia existiu entre nós. Que você possa encontrar paz onde quer que esteja.
Com as lágrimas escorrendo pelo rosto, Isabela dá um beijo suave na testa de Lucy e se vira para sair, deixando para trás um passado doloroso e as lembranças daqueles terríveis dias.
— Vamos mãe? — Alexia diz segurando nas mãos de Isabela.
— Sim, filha, vamos. Obrigada por ter me trazido. Eu realmente precisava me despedir. As vezes perdoar é preciso.
Alexia fica em silêncio enquanto caminham, ouvindo Benício e Isabela conversando. Seus pensamentos a julgavam, ela se sentia mal por não conseguir perdoar, por não se sentir se quer mal pela morte de Lucy.
De volta ao hospital, Isabela se sente mais leve, como se um peso tivesse sido tirado de seus ombros. Ela sabe que ainda tem um longo caminho a percorrer em sua recuperação, mas se sente mais confiante agora, com a certeza de ter sua filha segura ao seu lado, juntamente com seus netos e Benício.
— Conversei com o médico e a senhora receberá alta amanhã. O doutor Otávio vai atendê-la pessoalmente na casa da Alexia.
— Está bem, filho. Obrigada por estar aqui cuidando da minha menina.
— Imagina, senhora. Alexia é a mulher da minha vida e é um prazer estar ao lado dela.
Eles ficaram mais alguns minutos com Isabela. Ao sair do hospital, Alexia enfim consegue falar.
— Um dia você me mostrou seu lugar favorito, onde sempre que estava com algum problema, ia para pensar. Hoje eu quero te mostrar o meu lugar.
— Sério, onde?
— É a poucos minutos daqui.
Eles entram no carro e Benício todo o momento a olha preocupado. Ele sabia o que se passava por sua cabeça, porém não queria pressionar ela a dizer.
Alexia o levou até seu antigo colégio. Benício olhou em volta reconhecendo o lugar. Ela estudava num colégio religioso só de meninas e poucas quadras na frente havia um colégio misto, onde Benício estudou o ensino médio. Ela desceu do carro e segurou na mão de Benício. Eles caminharam até um túnel, estava escuro, o lugar estava um pouco abandonado, mas ainda sim se via beleza no lugar.
— Pôr aqui!— Alexia o leva até uma arquibancada, tinha uma iluminação fraca, as árvores que naquele tempo eram recém plantadas, hoje estão grandes e cheias de folhas. Eles se sentam um do lado do outro e Alexia encosta a cabeça no ombro do Benício.
— Você vinha sempre aqui?— Benício pergunta com um olhar distante.
— Sim. Tinha 13 anos naquele tempo. Sempre que eu e Laila conseguíamos fugir, eu vinha aqui. Ela ia se encontrar com seu ex-namorado e eu vinha ver as meninas e os meninos jogarem bola.
Benício se vira de frente para ela, olhando fixamente em seus olhos.
— Tem alguma lembrança que te marcou?
— Sim. Tenho várias, porem tem uma que nunca saiu da minha cabeça. Lembro que foi a última vez que consegui fugir do colégio. Estava escurecendo, mas a lua estava brilhando e iluminando o céu. Mas naquele dia eu não esperava que iria chover. Como sabe, tinha muito medo de dias chuvosos e quando o céu começou a se iluminar com os raios e trovões, eu entrei em pânico e não conseguia me mexer. Tudo passava pelos meus olhos, porém meu corpo estava imóvel. Foi quando um menino que eu sempre via de longe jogando bola se aproximou e colocou sua jaqueta sobre meu corpo. Ele se ajoelhou na minha frente e tampou meus ouvidos com as mãos. Apesar de estar escuro, consegui ver bem o azul dos seus olhos e o brilho do seu sorriso. Hoje, a sua imagem aparece como um borrão.
— Esse garoto... ele conseguiu te acalmar?
— Sim e como, foi questão de segundos. Por mais que pareça bobagem, que somente isso tenha me acalmado, o que ele fez foi inexplicável naquele momento. Lembro que ele cantarolava algo que não consigo cantar. A música está aqui na minha cabeça, porém não sai. Posso dizer que ele foi meu primeiro amor na adolescência. Não fica com ciúmes, aquele foi o primeiro e último contato que tivemos.— Ela diz e sorri dando um leve beijo nos lábios dele.
Benício acariciou o rosto da Alexia e sorriu ao encarar seus olhos.
— Você ainda tem aquela jaqueta?