No dia seguinte, enquanto caminhava pelos corredores rumo à sala de aula com Seiji e Rintarou, avistei Yuki à frente, prestes a entrar na sala.
Por um breve instante, nossos olhares se cruzaram. Ela hesitou, como se fosse dizer algo, mas logo desviou o olhar e entrou na sala sem uma única palavra.
Desde então, não havíamos trocado mais do que olhares ocasionais. Nenhuma conversa, nenhuma interação real. Algo pairava no ar entre nós, mas eu não sabia ao certo o que era — ou se deveria tentar quebrar esse silêncio.
As aulas passaram em um ritmo monótono, e, no final do dia, o professor anunciou que daria instruções sobre o Festival Esportivo que aconteceria em breve.
— Agora que terminamos a atribuição de tarefas, haverá instruções depois das aulas para cada grupo. Depois dos anúncios, cada grupo se reunirá em salas separadas e...
Eu deveria estar prestando atenção, mas minha mente estava longe. Pensamentos sobre minha história, sobre a chegada de meu pai, e até mesmo sobre Yuki me distraíam completamente. As palavras do professor passavam como um ruído de fundo, sem realmente se fixarem.
Quando finalmente as aulas terminaram, me aproximei de Rintarou para entender o que eu deveria fazer.
— Você ficou no grupo de equipamentos — ele explicou, ajustando os óculos.
Assenti, processando a informação. Pelo visto, esse seria meu papel no festival. Não era como se eu tivesse muita escolha de qualquer forma.
Assim que todos do grupo se reuniram na sala designada, um aluno começou a falar.
— Agora que todos estão aqui, gostaria de começar. Eu sou Hiroshi do clube de atletismo. Nós seremos responsáveis pelo grupo de equipamentos, então eu gostaria de pedir a ajuda de vocês com isso.
Enquanto ele falava, notei do outro lado da sala a Yuki, e ela parece ter me notado também. Tentei lutar contra mim mesmo para não desviar o olhar mas não consegui resistir. Não conseguia olhar diretamente para ela, talvez fosse por que não havíamos trocado uma única palavra desde o dia do restaurante e apenas trocávamos olhares, mesmo ela sentando do meu lado durante as aulas.
Quando Hiroshi havia acabado de falar e tudo estava decidido, fomos liberados para ir para casa.
Depois da reunião, Akira e Takeshi vieram falar comigo sobre formar um grupo para organizar as atividades. Eles me pediram para pegar os contatos dos membros que estavam presente na reunião.
— Ei, Shin, nós fizemos um grupo com os membros da nossa turma no ano passado. Facilitou bastante as coisas! — disse Takeshi.
— Você pode pegar os contatos de todos para a gente, por favor? — implorou Akira.
— Tá... — respondi sem pensar muito.
Hiroshi chamou os dois para conversarem, e enquanto eu estava no corredor fiquei pensando no que eles haviam acabado de falar. Se eu tivesse que pegar o contato de todos, isso incluiria a Yuki. Fiquei nervoso só de pensar nisso.
Sabia que teria que falar com ela, mas ainda não tinha coragem.
Antes nós falávamos, mesmo que fosse apenas um cumprimento matinal, mas naquele momento, nós não trocávamos sequer uma palavra, apenas olhares. Pedir o contato dela seria algo impossível para mim.
Chegando em casa, fui direto para o meu quarto e me joguei na cama. Peguei meu celular e fui adicionando no grupo os contatos que eu já tinha guardado.
— Agora só falta o contato dela...
Na manhã seguinte, cheguei mais cedo à sala de aula e tentei me concentrar nos meus rascunhos antes do início da aula.
As páginas estavam ali, diante de mim, mas minha mente vagava, dividida entre a história e os sons ao meu redor. O burburinho das conversas preencheu o ambiente, e, no meio da confusão, a voz de Kazuki se destacava.
— Ei, Kazuki! Você viu minha mensagem? Você nunca responde!
— Foi mal, estava ocupado. — Ele respondeu, com seu sorriso característico.
— Não acredito nisso.
— Eu já pedi desculpas...
O diálogo deles se misturava com o zumbido geral da sala, mas minha atenção permaneceu no caderno à minha frente. Eu rabiscava algumas ideias, tentando encontrar formas de melhorar a narrativa, mas nada parecia certo.
Foi quando senti um olhar sobre mim. Levantei a cabeça e, para minha surpresa, encontrei Yuki me observando do outro lado da sala.
Por um instante, nossos olhares se mantiveram, e um pensamento surgiu. Talvez aquele fosse o momento certo para pedir o contato dela para o grupo.
Respirei fundo e tomei coragem.
— Yuki, eu...
Antes que pudesse terminar, uma voz interrompeu:
— Ei, Yuki, vem no banheiro comigo, por favor!
Uma colega a chamava da porta.
— E-estou indo! — respondeu ela, desviando o olhar apressadamente antes de sair.
Soltei um suspiro, recostando-me na cadeira. A oportunidade havia escapado por entre os dedos, mas não fiquei desanimado. Ainda haveria outras chances.
Mais tarde, no caminho de casa, minha mente ainda estava cheia de pensamentos sobre minha história.
Eu precisava de novas ideias, de algo que me ajudasse a visualizar melhor certas cenas. Foi então que, ao virar uma esquina, algo chamou minha atenção.
Uma pequena biblioteca, discreta, quase escondida entre os outros prédios.
Fiquei parado por um momento, surpreso. Eu já havia passado por ali tantas vezes, mas nunca tinha notado aquele lugar antes. Talvez um livro pudesse me ajudar a clarear as ideias.
Me aproximei e, ao chegar à porta, notei um aviso afixado no vidro: "Estamos contratando."
Curioso, empurrei a porta e entrei. O sino na entrada soou suavemente, anunciando minha chegada.
Atrás do balcão, um jovem — provavelmente só alguns anos mais velho do que eu — ergueu o olhar e me recebeu com um aceno leve.
— Seja bem-vindo! — disse ele
Enquanto caminhava pelos corredores estreitos da biblioteca, meus olhos percorriam as prateleiras em busca de algo que despertasse minha curiosidade.
Livros de mistério, ficção, fantasia… Havia de tudo um pouco. Passei os dedos por algumas lombadas, analisando os títulos até que, por acaso, meu olhar caiu sobre uma prateleira mais afastada.
Havia uma revista ali. E não qualquer revista.
Fiquei parado por um segundo, sentindo meu cérebro trabalhar mais rápido do que deveria. Era normal sentir curiosidade... certo? Quero dizer, eu estava na puberdade. Isso não era nada incomum... ou era?
Sacudi a cabeça rapidamente. Não, de jeito nenhum.
Imaginei a cena de levar aquela revista até o balcão, encarar o atendente e… Não. Eu simplesmente morreria de vergonha.
Além disso, eu não tinha vindo ali para isso. Estava ali para procurar algo que me ajudasse na minha história.
Continuei andando, desviando o foco e me obrigando a esquecer aquele momento. Conforme passava os olhos pelas prateleiras, um título familiar chamou minha atenção.
Foi então que me lembrei do livro que Kaori havia mencionado no dia em que fui ao clube de literatura.
Puxei ele da estante, virei e li a sinopse. Folheei algumas páginas, lendo trechos aleatórios. O estilo da escrita era envolvente, e a premissa parecia promissora. Talvez aquele livro fosse me ajudar.
— Esse é um bom livro — disse a pessoa do balcão, se aproximando de mim
— Ah, me recomendaram ele, disseram que era realmente bom então decidi dar uma vista de olhos — respondi.
— A história de um grupo secreto que tentam derrubar um império distópico e se estabelecer em mundo coberto de cinzas é simplesmente incrível, tenho certeza que você vai gostar! — disse ele animado.
— Então vou levar esse — respondi, interessado no livro
Enquanto caminhávamos para o balcão, ele voltou e pegou algo.
— Este é por minha conta.
Olhei para cima a tempo de ver o atendente colocando algo dentro de um saco. Minha expressão se contorceu no mesmo instante quando percebi do que se tratava. A revista.
— Hã?! E-eu não… — tentei recusar, mas ele apenas riu, empurrando a sacola para mim.
— Relaxa, cara. Um bom leitor deve ler de tudo, não é?
Meu cérebro travou por alguns segundos. Isso era um teste? Ele estava brincando comigo? Minha primeira reação foi devolver. Mas então percebi que, se recusasse com muita insistência, só pareceria mais suspeito.
Então, engoli em seco, peguei a sacola com uma expressão neutra — ou pelo menos o mais neutra possível — e murmurei um agradecimento apressado antes de sair da biblioteca.
A noite já caía quando comecei a caminhar de volta para casa, segurando o livro com uma mão e a sacola na outra. Mas, mesmo com a brisa fria da rua, minha cabeça ainda fervilhava com outra coisa.
Trabalhar na biblioteca.
A ideia de estar cercado de livros todos os dias, explorando novas histórias e talvez encontrando inspiração para a minha própria escrita, me parecia cada vez mais atraente.
Ao chegar em casa, o aroma familiar do jantar me recebeu. Minha mãe estava na cozinha, preparando algo especial, e o som da televisão preenchia a sala. Subi para o meu quarto, onde deitei na cama com o livro que havia acabado de comprar.
Folheando as páginas, tentei me concentrar, mas minha mente vagava entre pensamentos sobre o trabalho e as recentes mudanças em minha vida.
Assim, pensei sobre tudo o que havia acontecido, em tão pouco tempo, e sobre o que estava por vir. A escrita, Yuki, meu pai de volta em casa, a biblioteca... tudo parecia um tanto quanto surreal, mas eu estava ansioso para ver onde essas novas experiências me levariam.
O que eu havia escrito parecia insignificante comparado à avalanche de mudanças em minha vida. Fechei os olhos, imaginando o futuro — não o futuro distante, mas o dia seguinte, a próxima página, o próximo encontro com Yuki.
Havia uma nova energia em mim, uma fome por algo mais, algo que eu ainda não conseguia definir.