Eu nunca soube o que significava realmente viver até aquela manhã.
Meus dedos deslizavam rapidamente pelas teclas, os olhos fixos na tela piscante. A cada ataque, meu coração parecia acompanhar o ritmo do jogo, batendo forte em expectativa. O som das explosões ecoava pelo quarto escuro, e eu conseguia sentir o suor escorrendo pela minha cara enquanto enfrentava o chefe da fase de um jogo.
— Só mais um pouco e eu venço essa fase! Só mais um golpe...
Então a tela tremeu. A barra de vida do chefe despencou até zero. O rugido final da criatura ressoou nos meus fones de ouvido, enquanto seus corpos despedaçados viravam cinzas. Vitória. Meu corpo, antes tenso, relaxou instantaneamente. Uma onda de alívio me percorreu, e meus músculos, antes rígidos, desabaram na cadeira. Um sorriso involuntário se formou nos meus lábios.
A sensação de conquista inundou meus pensamentos por alguns instantes, até que o som familiar de um "click" chamou minha atenção:
O relógio digital piscava na minha mesa. Eram quase cinco da manhã.
— Droga! Não acredito que passei quase a noite toda jogando…
"O tempo realmente voa quando estamos nos divertindo," pensei, enquanto a tela do computador exibia o encerramento da partida. No entanto, uma pontada de preocupação começou a se formar no fundo da minha mente, dissolvendo lentamente a euforia da vitória. Olhei para o relógio no canto da tela — não faltava muito antes de precisar levantar para a escola.
O alarme implacável já estava programado, e a sensação de culpa crescia a cada segundo.
Suspirei profundamente, sentindo o peso da realidade se instalar em meus ombros. Não havia mais escolha. Com relutância, fechei o jogo e desliguei o computador, observando as luzes piscantes do monitor se apagarem lentamente, como se o brilho do meu entusiasmo também estivesse desaparecendo. A adrenalina ainda pulsava em meu corpo, tornando difícil desligar a mente da ação frenética que havia acabado de viver.
Me joguei na cama, tentando encontrar algum conforto no silêncio do quarto.
— Ah, que merda... — resmunguei em voz baixa, puxando o cobertor sobre a cabeça. — Não devia ter jogado tanto... a culpa é daqueles dois que me mostraram esse jogo.
Revirei-me algumas vezes, tentando me acomodar, mas a inquietação me mantinha acordado. Finalmente, o cansaço começou a pesar nos meus olhos, mas já era tarde demais. O alarme tocaria em breve, e o sono que me restava seria apenas um breve intervalo.
Com um gemido, arrastei-me para fora da cama, cada movimento um esforço monumental. Os músculos estavam pesados, como se o próprio cansaço tivesse se tornado físico, puxando-me de volta para a cama a cada passo.
"Por que eu faço isso comigo mesmo?" pensei, com um meio sorriso frustrado, enquanto caminhava em direção ao banheiro, a sensação de arrependimento crescendo a cada segundo.
— Talvez eu devesse ter parado de jogar mais cedo — murmurei amargamente enquanto vestia meu uniforme escolar.
Meus olhos ardiam, e cada piscar era uma luta contra o desejo de simplesmente me deixar cair no sono.
No caminho para a escola, encontrei meus dois amigos de sempre, Seiji e Rintarou.
— Ah, Bom dia, Seiji. Bom dia, Rintarou — cumprimentei, tentando acompanhar o ritmo de ambos, apesar da minha mente cansada.
— Bom dia, Shin — respondeu Rintarou, com a mesma serenidade de sempre, o rosto sem muita expressão. Ele raramente era afetado pelas nossas conversas triviais, mas sempre respondia com atenção.
Como era típico, Seiji já estava cheio de energia, gesticulando com entusiasmo enquanto falava animadamente sobre uma nova banda que tinha descoberto. Sua voz carregava um tom vibrante, quase incapaz de esconder a empolgação.
— Sério, vocês precisam ouvir! O vocalista tem uma voz incrível, e os riffs de guitarra? Inacreditáveis! — Seiji continuava, quase sem parar para respirar.
Rintarou, por outro lado, permanecia em silêncio, caminhando ao meu lado com sua habitual postura calma e introspectiva. Ele apenas assentia de vez em quando, provavelmente mais envolvido com seus próprios pensamentos do que com a conversa musical de Seiji. Seu olhar parecia distante, como se estivesse analisando algo muito mais profundo.
— Cara, você está com uma cara péssima — disse Seiji, rindo enquanto me olhava de cima a baixo. — Não me diga que ficou a madrugada toda jogando de novo, não é?
Eu bocejei, sentindo o cansaço pesar sobre mim.
— Nem me fala... Consegui vencer o chefão, mas acho que vou pagar o preço hoje — confessei, tentando manter o humor leve, apesar da exaustão visível.
Seiji deu uma gargalhada alta e deu um tapinha nas minhas costas.
— Você é doido, Shin! Mas, sério, eu entendo... Não dá pra parar quando se chega tão perto de vencer, né?
— Até parece que ele entende... — resmungou Rintarou, olhando para nós dois com uma expressão ligeiramente cética. Seus olhos, normalmente calmos, pareciam mais atentos enquanto ele falava. — Talvez você devesse equilibrar melhor seu tempo, Shin. — Apesar do tom neutro, havia uma preocupação genuína por trás de suas palavras.
Eu sabia que ele estava certo, como sempre, mas isso não impediu Seiji de revirar os olhos, exagerando a reação.
— Ah, relaxa, Rin. Deixa o cara se divertir um pouco! — Seiji brincou, mas logo baixou a voz, como se soubesse que o conselho de Rintarou tinha fundamento. — Mas sério, Shin, você parece que foi atropelado por um caminhão. Se continuar assim, vai acabar desmaiando na escola!
Eu ri, tentando desviar a conversa.
— Obrigado pela preocupação, vocês dois... Vou tentar pegar leve hoje — disse, embora no fundo soubesse que não estava muito convencido disso.
Seiji continuou falando sobre a banda por mais alguns minutos, sua energia contagiando o ar ao nosso redor. Enquanto isso, Rintarou, com seu olhar observador e silencioso, mantinha-se atento a tudo, como se estivesse analisando cada detalhe da nossa conversa e das nossas expressões.
Eu nunca sabia o que se passava na cabeça de Rintarou. Eu concordava com ele, mas lá no fundo, sabia que estava mentindo para mim mesmo.
O ciclo sempre se repetia, e eu estava preso nele. A escola... era uma monotonia sufocante que se arrastava, dia após dia, sem descanso. Nada parecia mudar. Cada dia era apenas uma repetição do dia anterior. As mesmas paredes, as mesmas pessoas, as mesmas aulas, as mesmas conversas, as mesmas ações. E eu, sempre no mesmo lugar, sem rumo, sem paixão.
Um ciclo sem fim, como um relógio quebrado, eternamente marcando a mesma hora.
Não importava quantas vezes eu tentasse me convencer de que as coisas poderiam mudar, eu sabia que, no fim, voltaria ao mesmo lugar de sempre. E era nesse momento que eu sentia a necessidade de escapar. Fugir de tudo aquilo.
Jogos... eles eram a única coisa que eu ainda sentia controle. No mundo virtual, eu podia ser qualquer um, fazer o que quisesse. Cada vez que eu sentava e começava a jogar, era como abrir uma porta para um universo onde tudo era diferente e muito melhor. Lá, as aventuras me aguardavam, os problemas eram mais simples, as soluções estavam ao alcance de um clique, e as derrotas? Bom, pelo menos nelas eu podia recomeçar.
Eu tinha o controle. Algo que, no mundo real, estava escapando cada vez mais das minhas mãos.
Quando eu estava jogando, não havia um ciclo monótono e repetitivo sempre. Lá só existiam os pixels brilhando na tela e as missões que me esperavam. A cada vitória no jogo, eu sentia um alívio temporário, uma pausa da minha vida. Mas, inevitavelmente, eu sabia que teria que voltar à realidade. E essa ideia era uma tortura silenciosa.
O que me restava além disso?
Talvez fosse apenas uma questão de tempo até que nem os jogos pudessem me salvar da realidade que estava me cercando.
Depois de cerca de quinze minutos caminhando, finalmente chegamos à escola. As conversas começaram a se dispersar conforme nos aproximávamos dos portões, e logo caminhamos para as nossas aulas.
O sol da manhã iluminava as janelas da escola, criando um brilho suave que tentava, sem sucesso, amenizar a atmosfera pesada que sentia ao entrar na sala.
Para os outros, a luz parecia agradável, mas para mim, aquele ambiente parecia sombrio e opressor, refletindo o peso dos meus próprios pensamentos.
Caminhei até o meu lugar habitual, perto da janela, onde a luz entrava com mais força. Sentei-me devagar, sentindo a mesa fria sob minhas mãos. O professor entrou logo em seguida, ajustando seus livros e papéis enquanto começava a falar sobre algum tópico de história que eu mal conseguia registrar. Sua voz monótona ecoava pela sala, quase como uma canção de ninar disfarçada de aula.
Meus olhos começaram a pesar quase instantaneamente. Cada palavra que ele dizia parecia arrastada, interminável, como se o tempo estivesse se movendo mais devagar apenas para testar minha paciência. Pisquei algumas vezes, tentando focar, mas era inútil. Olhei para o quadro, mas as letras dançavam na minha visão, e o sono logo começou a se infiltrar, ignorando qualquer esforço para permanecer acordado.
"Eu não devia ter jogado tanto ontem à noite...", pensei, lutando contra a exaustão. A lembrança da noite anterior passou rapidamente pela minha mente — a maratona de jogos até quase cinco da manhã.
"Malditos Seiji e Rintarou... Por que eles tinham que me mostrar aquele jogo viciante?"
Mesmo com os pensamentos de arrependimento, o cansaço era maior. Minhas pálpebras ficaram mais pesadas a cada segundo. O esforço para mantê-las abertas tornou-se cada vez mais difícil, até que, em um último piscar de olhos, elas cederam completamente. A sala, o professor e o barulho dos colegas ao fundo desapareceram.
Fui puxado para um sono profundo, incapaz de lutar contra ele.
Quando finalmente abri os olhos, a sala estava, aparentemente, deserta. O silêncio era desconcertante, um vazio que parecia pressionar contra meus ouvidos. Como eu tinha dormido tanto? Por que ninguém me acordou?
Uma leve ansiedade começou a crescer em meu peito enquanto olhava ao redor. As mesas e cadeiras estavam exatamente como antes, mas o lugar parecia de alguma forma... diferente. O tic-tac do relógio na parede era o único som, marcando um tempo que eu havia perdido.
— Fala sério, como isso foi acontecer... — murmurei, enquanto as minhas mãos deslizavam pelo rosto.
Não tinha muito o que eu fazer, decidi levantar-me e recolher minhas coisas.
Enquanto arrumava minha mochila, meus olhos involuntariamente encontraram Yuki, minha colega de classe, que também se preparava para sair. Meu coração deu um salto dentro do peito.
Ela era a pessoa que eu amava, mas que nunca tinha encontrado coragem para falar com ela.
— Y-yuki? — O nome escapou dos meus lábios antes que eu pudesse pensar, minha voz soando mais como um sussurro incerto do que um chamado.
Ela virou-se para mim, seu sorriso suave iluminando o ambiente de um jeito que fazia tudo ao redor parecer menos real. Seus olhos encontraram os meus, e, por um breve instante, senti como se fôssemos os únicos na sala.
E, de fato, éramos.
— Shin, você está bem? — perguntou ela, seu tom tranquilo carregando uma gentileza natural que sempre me deixava sem palavras.
Assenti rapidamente, minha mente em branco, incapaz de formular uma resposta decente. Eu deveria dizer algo. Qualquer coisa. Mas, antes que pudesse reunir coragem para continuar, Yuki checou o relógio, ajeitou a mochila no ombro e sorriu de novo.
— Ah, tenho que ir agora! Nos vemos amanhã.
E então, com a mesma leveza de sempre, virou-se e saiu da sala.
Fiquei parado, observando-a se afastar pelo corredor, seu cabelo balançando suavemente a cada passo. Por um momento, parecia que o tempo havia desacelerado, como se me permitisse gravar cada detalhe daquela cena.
Mas, inevitavelmente, a realidade voltou a me puxar de volta. Soltei um suspiro e apertei as alças da minha mochila.
Eu queria falar com ela. Queria chamá-la de volta.
Mas, no final, tudo o que fiz foi assistir.
E me perguntar se algum dia teria coragem para mais do que isso.