"A rebeldia é uma virtude tão criativa quanto a necessidade." — Albert Camus
Com os planos de fugir do castelo se tornando cada vez mais palpáveis na mente de Killian, só restava decidir a direção a tomar. Como já havia mencionado ao rei o desejo de seguir para o reino D. Alder, essa rota não era mais viável.
Partindo de Ashrose, restavam-lhe algumas opções: seguir para o reino de Krois e entrar no reino de Greenland, onde poderia pegar um navio para o extremo leste até a península dos mercadores, ou atravessar os limites da Floresta Negra, passando pelo sul do reino de Korya e seguindo para o pequeno reino de Yvis, onde embarcaria no rio Amaymon até o reino de Braveheart, ao norte, que faz divisa com Bluestorm. Lá, poderia pegar navios para o extremo norte ou leste.
Apesar das alternativas, Killian não conseguia calcular a rota mais segura, já que nunca havia saído do castelo antes. Contudo, ponderou que, como a princesa consorte era da família Greenland, ele seria facilmente reconhecido e capturado lá. Então, optou pela segunda rota: sul da Floresta Negra, passando por Korya e Yvis até Braveheart. "É uma viagem tão longa e absurda que o Rei não me encontraria", pensou.
Preparando-se, Killian agiu normalmente. Frequentou as aulas de esgrima com Sir Fairtower, aulas de política e arte com seus tutores, e, à noite, fez os preparativos para sua fuga. Pegou mapas na biblioteca real, um medalhão que era uma bússola, e alguns mantimentos e itens extremamente necessários.
Conhecendo bem as trocas de turno dos guardas, usou uma brecha para se esgueirar para fora do castelo. A capital estava quieta no início da noite, e ele seguiu discretamente as direções marcadas na bússola. Passou a noite toda andando para o nordeste do reino de Ashrose, até chegar à entrada de uma floresta. "Será que é essa a Floresta Negra Karayan? Dizem que é cheia de monstros...", pensou. Lembrou que carregava uma espada que ganhara de Sir Fairtower ao ser julgado genial na esgrima. Sem perder tempo, entrou na floresta.
A pressão aterrorizante da floresta parecia esmagá-lo, mas ele continuou. Mesmo cansado, ouviu uivos e grunhidos assustadores. Tinha consigo carvão natural nas dobras das roupas e urina de Fenir, um material caro que o rei mantinha na biblioteca real. Se o que lera sobre predadores estivesse correto, o odor espantaria os mais fracos. Com esse pensamento, Killian seguiu até o fim da tarde, quando decidiu se abrigar dentro do tronco de uma árvore velha. Alimentou-se, revisou as direções em seu mapa com a última luz do céu e dormiu no escuro da floresta.
No castelo real de Ashrose, os criados notaram a ausência de Killian. Inicialmente, acharam que ele estava evitando tarefas ou fugindo de obrigações, "finalmente agindo como uma criança normal" pensaram. Ao anoitecer, a criada pessoal viu que ele ainda não havia aparecido e suspeitou que algo estivesse errado. Procurou Sir Fairtower e perguntou se ele tinha avistado o príncipe herdeiro. Sir Fairtower, que não sabia do desaparecimento, pediu descrição à criada e ordenou que os guardas procurassem pelo castelo antes de alertar o rei, que estava em seus aposentos. Os guardas passaram a noite procurando, mas não encontraram vestígio de Killian. Então, era hora de avisar ao rei e procurar pelo território de Ashrose.
Sir Fairtower foi ao escritório real, onde encontrou o rei Sebastian bêbado, mesmo cedo da manhã, atrás de uma pilha de documentos. Apesar de temer a reação do rei, sabia que precisava reportar o desaparecimento:
— Vossa alteza, gostaria de passar um comunicado urgente!
De costas, com uma garrafa de vinho em uma mão e documentos na outra, o rei resmungou:
— O que não é urgente nesse reino?
Sir Fairtower tentou ser paciente, mas, como Sebastian não deu atenção, disse sem rodeios:
— O príncipe herdeiro, Killian, está desaparecido!
Nesse momento, Sebastian virou-se consternado. Tentou levantar da cadeira, mas estava muito tonto devido à bebida. Mesmo assim, tentou se manter são e perguntou:
— Como assim meu filho desapareceu? Já procuraram no castelo?
— Ele não foi visto ontem. Os criados pensaram que estava fazendo birra e agindo como uma criança normal, mas, ao anoitecer, ele ainda não havia aparecido. A criada pessoal do príncipe me procurou. Pedi que meus homens procurassem pelo castelo, mas ele não está aqui.
Sebastian, que estava zonzo, pareceu tornar-se sóbrio. Olhou seriamente para Sir Fairtower e ordenou:
— Quero que vasculhe toda a capital com seus homens e interroguem todos que estiveram aqui ontem. Se viram o príncipe em algum momento!
— Assim farei, Vossa Alteza! Mas e se ele não estiver na capital?
O rei, furioso e desesperado, gritou:
— Então procuraremos por todo o território de Ashrose, se for preciso! Não vou perder meu filho como perdi sua mãe! Mandem fechar o território. Ninguém entra ou sai de Ashrose até eu encontrar meu filho.
Sir Fairtower pensou em outras sugestões, mas viu o desespero no rosto do rei e decidiu cumprir as ordens imediatamente.
Conforme o sol nasceu, o jovem Killian saiu de dentro da velha árvore e seguiu seu caminho pela Floresta Negra. Ele ouviu um som diferente dos demais e, saindo um pouco da rota, encontrou uma criança chorando. Parecia uma criança comum, subnutrida e muito machucada. Killian se aproximou cautelosamente e perguntou de onde ela era. Nesse momento, a jovem se transformou em uma espécie de felino branco de olhos vermelhos, muito pequeno para parecer perigoso, que por sua vez tentou parecer feroz para o jovem príncipe, que cheirava como um predador, um Fenir.
Killian, percebendo sua fragilidade, pegou-a pelo torso e a levou de volta para sua trilha, enquanto ela desesperadamente tentava fugir. Sem forças e muito machucada, a criatura aquietou-se nos braços de Killian. Continuaram caminhando até o anoitecer, quando ele escalou uma pequena montanha e encontrou uma caverna que mais parecia um buraco na montanha. Com um teto sobre sua cabeça e em terreno alto, decidiu descansar ali. Pegou mantimentos para ele e para sua nova companheira, que estava desacordada, e levemente passou sua mão sobre seu pelo, tentando acordá-la.
A jovem acordou assustada e, instintivamente, voltou a se exibir como um animal feroz, erguendo os pelos e rosnando para Killian. Ignorando sua exibição ameaçadora, ele calmamente começou a comer sua ração. A atitude serena de Killian teve um efeito tranquilizador sobre a garota, que gradualmente se acalmou e começou a observá-lo com curiosidade.
Vendo que não havia perigo imediato, ela se transformou novamente em humana. Nesse momento, Killian notou que ela estava completamente sem roupas, sua pele pálida contrastando com a escuridão da floresta ao redor. Ele rapidamente pegou uma capa negra de sua bolsa e a colocou sobre seus ombros. A jovem, intrigada, observou a peça de roupa como se fosse algo completamente novo para ela.
Com um sorriso gentil, Killian mostrou-lhe como vestir a capa, fechando-a sobre seu peito para mantê-la aquecida. Ela imitou seus movimentos desajeitadamente, mas conseguiu se cobrir. Uma vez vestida, a jovem começou a encarar a ração que Killian havia separado para ela, hesitante.
— Vamos, pode comer! — disse Killian, encorajando-a com um tom suave e amigável.
Embora parecesse não entender suas palavras, o gesto e a entonação foram claros o suficiente. Ele pegou um pedaço de pão e estendeu para ela. Lentamente, com desconfiança inicial, ela aceitou e começou a comer desesperadamente, como se não tivesse comido há dias.
Enquanto a observava devorar a comida, Killian notou detalhes em sua aparência. Seus olhos eram puxados e delicados, mas ainda mantinham a cor vermelha e o formato felino, mesmo em sua forma humana. Sua pele tinha uma tonalidade única, não exatamente branca, mas também não bronzeada. Seus cabelos, longos e extremamente lisos, eram de um negro profundo que brilhava suavemente à luz do entardecer. "Ela parece uma boneca de porcelana, como aquelas que minha irmã costumava colecionar", pensou ele.
A pequena criatura não parecia ter mais de cinco anos, o que fez o coração de Killian se apertar ao imaginar o que ela poderia ter enfrentado sozinha na floresta. Ao notar as algemas quebradas em seus pulsos, lembrou-se dos rumores sobre o tráfico de feras míticas que circulavam pelo continente. "Ela pode se transformar em uma espécie de gato, então deve ser uma fera mítica", concluiu, preocupado.
Decidiu então falar com ela, mesmo sabendo que ela talvez não entendesse suas palavras:
— Não sei onde você mora, talvez seja muito longe daqui. Mas não posso deixar você sozinha, então vou levar você comigo. E quando você estiver mais velha e puder se comunicar, se me disser onde é sua casa, eu prometo que levarei você até lá!
Ela ouviu tudo calmamente enquanto terminava sua refeição. Após comer, transformou-se novamente em sua forma felina e se aninhou próxima a Killian. Ele a via como uma irmã mais nova e, ao refletir sobre isso, pensou: "Será que ela tem um nome?" Então, disse em voz alta:
— Qual é o seu nome?
A pequena felina abriu os olhos e o encarou sem responder. Olhando fundo nos olhos vermelhos dela, Killian disse:
— Como você não sabe falar para me dizer seu nome, vou te chamar de Ruby! Porque seus olhos são vermelhos como um rubi! O que acha?
A recém-nomeada Ruby não expressou nenhum sentimento em relação ao novo nome. Em vez disso, ela se espreguiçou e voltou a fechar os olhos, aparentando uma sensação de segurança ao lado de Killian. Vencido pelo cansaço, ele também se acomodou para dormir.
Enquanto isso, no reino de Ashrose, já era o segundo dia sem notícias do príncipe herdeiro. O rei Sebastian parecia estar à beira da loucura, ordenando repetidamente que os soldados procurassem nos mesmos lugares e até enviando equipes para as zonas mais distantes da capital, além do que se esperaria que uma criança de dez anos pudesse alcançar.
Foi nesse momento inoportuno que o palácio recebeu a notícia da chegada da caravana do rei de Greenland, avô da filha de Sebastian. Para ele, todos dentro do reino, exceto os Fairtower, eram suspeitos, e a visita parecia excessivamente oportuna.
Sebastian recebeu então o rei Yoseph no palácio e notou que o visitante ainda não estava ciente do desaparecimento do príncipe herdeiro — ou fingia muito bem ignorância. O rei Yoseph, como de costume, começou a reclamar que sua filha não estava no castelo nem na capital de Ashrose, mas em uma terra distante, e exigiu que ela fosse chamada de volta ao reino, pois ele tinha uma notícia familiar para lhe comunicar.
Sem opções para evitar rumores sobre o desaparecimento ou, talvez, numa tentativa de jogar o jogo do rei, Sebastian ordenou que fosse feito como pedido. Continuou, porém, mais discretamente, se comunicando com os soldados e passando novas ordens. O velho rei de Greenland, astuto como sempre, percebeu que algo estava errado. Todos pareciam preocupados demais, então ele perguntou a Sebastian, sem rodeios:
— Aconteceu algo com minha filha?
Sebastian respondeu com aparente despreocupação:
— Não, sua filha está bem, até onde sei. Deve estar a caminho.
Aproveitando a oportunidade, Yoseph fez uma nova pergunta:
— E o príncipe? Ele está bem?
Houve uma pequena agitação na sala de visitas real. Sebastian respondeu friamente:
— Meu filho está bem.
Percebendo uma brecha, Yoseph decidiu puxar mais informações:
— Então, onde está o garoto? Ele já fez dez anos, não é? Chame-o aqui para que eu possa ver a face do futuro rei de Ashrose!
Sebastian, sem conseguir conter sua ira, levantou-se e respondeu rispidamente:
— Eu ainda sou o rei de Ashrose! A localização do meu filho não é problema seu!
Yoseph levantou as mãos em defesa e silenciou por um momento. Após ponderar, decidiu falar novamente:
— Não me diga que você não sabe onde está o príncipe herdeiro?
Sebastian, já de pé, tocou a espada em sua cintura e disse, com a voz carregada de ódio:
— Como sabe sobre isso? Você tramou algo contra meu filho?
Antes que pudesse fazer ou falar algo mais, Yoseph completou:
— Ora, quem você acha que eu sou? Posso ser conhecido por ser oportunista, mas me orgulho de nunca erguer minhas mãos contra crianças! Apenas percebi com base na movimentação do reino e seu comportamento imprudente e ansioso desde que cheguei aqui!
Sebastian soltou a espada e se lançou novamente no sofá. Com a voz carregada de culpa, ele disse:
— Tivemos uma pequena discussão, e ele desapareceu! Não sabemos se ele fugiu, se foi sequestrado ou se ainda está vivo...
Surpreendendo a todos, Yoseph disse algumas palavras de conforto:
— Não se culpe. Brigas entre pais e filhos são comuns. E acalme-se, se ele tivesse sido sequestrado, já teriam pedido resgate ou feito ameaças ao seu reino. E ninguém mataria o jovem príncipe, pois que valor tem um príncipe herdeiro morto? O provável é que ele tenha fugido. Eu mesmo fugi de meus pais quando era mais jovem. Esse menino nunca saiu do palácio, não irá muito longe, e, como eu fiz, acabará voltando para o castelo.
Sebastian ouviu tudo calado e assentiu com a cabeça para Yoseph. Nesse momento, foi anunciada a chegada da princesa Catherine. Sebastian recebeu a princesa, pediu licença e deixou-a com seu pai, mas antes de sair, disse:
— Prefiro que este assunto não saia do reino, a menos que seja realmente necessário. E isso eu decidirei no futuro. Estamos entendidos?
O rei de Greenland assentiu com a cabeça em direção a Sebastian. A princesa, por sua vez, parecia perdida e olhou para seu pai procurando respostas. Sebastian saiu da sala, acompanhado por Sir Fairtower, que aguardava calmamente na porta para lhe dar a notícia:
— Checamos tudo novamente, e pedi que revisassem os itens que estivessem sumidos do castelo. Não encontramos o príncipe em lugar algum, mas notamos a falta de alguns itens da biblioteca real.
— Da biblioteca? — perguntou Sebastian.
— Sim — respondeu Sir Fairtower, continuando: — Do seu acervo pessoal na biblioteca faltam uma bússola, um frasco de urina de Fenir e algumas outras ervas e poções.
Sebastian parou surpreso no meio do corredor, olhou para Sir Fairtower e disse, com uma voz cansada:
— Não me diga que acha que ele foi para a Floresta Negra?
— Com base na minha investigação, sim — respondeu Sir Fairtower sem hesitação.
Sebastian, que parecia perder o equilíbrio, encostou-se na parede e disse:
— Eu já estive lá, sabia? E mal saí com vida! Se não fossem Sage e Sef! Quais são as chances... — disse com uma voz pesarosa. — Quais são as chances de ele ter sobrevivido à primeira noite dentro daquele lugar?
Sebastian tocava seu peito como se uma enorme dor o corroesse de dentro para fora. Sir Fairtower, tentando se manter firme, mas com uma voz de profunda preocupação, tentou acalmar seu rei:
— Conheço bem aquele garoto! Sei de suas habilidades! A urina de Fenir pode ter funcionado e afastado alguns predadores! Ele também é muito bom na esgrima e parece ter levado a espada! Ainda há uma chance! Não perca as esperanças tão cedo!
Ao ouvir as palavras de seu fiel amigo e guarda, um leve brilho pareceu retornar aos olhos de Sebastian. Forçando seu corpo a ficar firme novamente, ele disse:
— Forme uma equipe com os melhores caçadores e rastreadores do reino! Quero que entrem naquela floresta e tragam meu filho de volta!
Sir Fairtower fez uma reverência ao rei e saiu para cumprir as ordens. Enquanto isso, ainda inebriado e desesperado com a possibilidade de ter perdido seu filho, Sebastian seguiu até a biblioteca real dentro do palácio. Tocou a enorme mesa de madeira onde Killian costumava sentar para pesquisar ou ler sobre diferentes lugares. A dor em seu peito era arrebatadora. De repente, uma súbita falta de ar tomou conta dele. Parecia que ele não sabia mais como respirar, sua cabeça estava explodindo com pensamentos sobre Killian e Leonor. Desesperado, agarrou-se na cadeira e tentou controlar sua respiração. Seu batimento cardíaco parecia um tambor em seus ouvidos. Quando todas as sensações cessaram, ele se sentiu vazio, como se um buraco enorme estivesse em seu peito. Então, só conseguia pensar: "Leo, por favor, se ainda houver alguma chance, proteja nosso filho!"