Eve olhou para a menina, que continuava sentada em frente ao grande piano, com suas pequenas mãos pairando acima das teclas. Era uma menininha, e tudo o que teria a fazer era conhecê-la, Eve pensou consigo mesma.
Quando ela deu dois passos em direção à menina, a menina pressionou as teclas do piano novamente, e o som áspero fez Eve parar os pés. Ela virou-se para olhar a porta, perguntando-se se deveria talvez esperar pelo mordomo. Ela virou-se novamente para olhar a menina.
A menininha usava um vestido preto que parava logo abaixo dos joelhos. Ela usava uma trança sobre o topo da cabeça enquanto o resto do cabelo estava solto, caindo abaixo dos ombros. Ela observou mais atentamente a menina, notando que a postura dela era rígida, como se estivesse pronta para sair correndo do cômodo.
"Meu nome é Genevieve Barlow. Alguns acham meu nome comprido demais e preferem me chamar de Eve," Eve se apresentou à menina, mas a menina continuou a ignorá-la. "Você se importa se eu der uma olhada no piano, Senhorita Allie?"
Mas a menina não respondeu novamente. Isso era mais difícil do que ela pensou que seria, Eve pensou consigo mesma. Crianças de famílias ricas geralmente eram mimadas e não gostavam de obedecer a ninguém. Também era uma das razões pelas quais a maioria das famílias contratava governantas para disciplinar as crianças.
Eve tomou a liberdade de falar novamente, "Você odeia a ideia de ter uma governanta. Eu posso entender que com o seu tempo livre que agora vai ser substituído por alguém gerenciando-o, você deve se sentir desconfortável. Mas eu posso te assegurar que aprender não é algo ruim, e é bastante divertido se feito do jeito certo. Ajuda a moldar seu futuro, e se possível, ser a pessoa mais inteligente na sala."
A menina finalmente pareceu decidir virar para olhar para Eve pela primeira vez. Comparado às ações anteriores da menina, seu rosto parecia relativamente inocente. A menininha continuou a encará-la.
"Eu venho da cidade de Prado. Você já esteve lá?" Eve perguntou à menininha, o que era uma pergunta tola. Porque nenhuma família rica entraria em uma cidadezinha como Prado, muito menos levaria seus filhos lá.
Em resposta à pergunta de Eve, Allie balançou a cabeça.
"É uma cidade movimentada. Muito raramente pacífica. Nós temos música lá nas noites de quinta-feira em algumas das estalagens. Eles tocam piano," e nas palavras de Eve, a menininha deslizou para o lado, dando espaço a Eve com uma expressão vazia no rosto.
O olhar de Eve caiu sobre o espaço do banco, levemente surpresa.
"Você gostaria que eu tocasse o piano?" Na pergunta de Eve, a menina assentiu, e sem hesitar, Eve caminhou em direção ao grande piano e sentou-se ao lado da menininha. "Hmm, o que devo tocar?"
Os dedos de Eve começaram a tocar as teclas pretas e brancas do piano. A música era simples, algo que era frequentemente tocado na estalagem. Ela fez uma pausa depois de um minuto, virando-se para olhar a menina, e disse, "Eu adoraria ouvir você tocar, isso se você já começou a aprender. Caso contrário, está tudo bem, afinal, todos começamos do início," ela adicionou, querendo fazer amizade.
A menininha virou hesitante, seu corpo rígido. Mas como se obedecendo ao pedido, ela começou a tocar. Eve ficou surpresa com o talento da menininha, porque a música que ela escolheu não era fácil. Como se sentindo o olhar atônito de Eve, a menina se tornou subitamente consciente e pressionou as teclas juntas antes de parar de tocar.
"Eu não acho que já ouvi alguma menina tão jovem tocar tão lindamente como você. Seus pais devem estar muito orgulhosos de você," Eve elogiou a menina.
Mas a menina não parecia feliz com o que tocou, e ela trouxe as mãos para colocar no colo. Por um momento, Eve se perguntou se a menina era muda. Ela então disse,
"Você não deveria se sentir desapontada. Você tem muito tempo para praticar e melhorar," dizendo isso, Eve escolheu a mesma música que Allie havia tocado um minuto atrás.
A menininha parecia surpresa, olhando para a mulher.
"Quando eu tinha a sua idade, eu era terrível tocando piano. Eu cometia tantos erros que minha tia achava melhor eu não tocar mais. Mas você está bem à frente de mim," Eve encorajou a menininha, que parecia ligeiramente esperançosa.
Curiosa, Eve perguntou à menina, "Você já teve uma governanta antes?" Allie assentiu. "Ela desistiu?"
"Desde quando as governantas começaram a ser tão intrometidas?"
Os olhos de Eve se voltaram rapidamente para a porta e avistaram o homem familiar com cabelos prateados escurecidos. A expressão pacífica no rosto dela rapidamente se tornou azeda.
"O que você está fazendo aqui?" Eve perguntou, levantando-se do banco e encarando o homem rude.
Além das calças pretas e colete cinza com uma camisa branca, o homem usava um sorriso sutil nos lábios. Mesmo que ela não sentisse seus olhos se moverem, ela podia dizer que ele a tinha examinado. Suas bochechas ficaram levemente vermelhas, lembrando-se de suas últimas palavras para ela.
Entrando no cômodo, ele disse, "Esta é minha casa."
"Isso não pode ser verdade," Eve falou seus pensamentos em voz alta. O homem deu-lhe um olhar solene antes de assentir. Um olhar de horror apareceu no rosto de Eve. Este era o seu empregador?! "I-Isso é sua—"
"Minha irmã," respondeu o homem. Ele entrou no cômodo e veio parar ao lado da menininha. "Pensar que você é uma governanta. Tem certeza de que possui todas as qualificações mencionadas nos seus registros?" ele clicou a língua.
Os olhos da menininha apenas se moviam do homem para a mulher e depois de volta para o homem.
"Claro que tenho," Eve respondeu com confiança, olhando de volta para ele. Não havia como ele saber o que ela havia feito no passado. O homem rude estava blefando, pensou Eve.
Eve e o homem com olhos castanhos acobreados se encararam, e conforme os segundos passavam, o homem finalmente perguntou, "Você parece ter terminado seus estudos em um lugar fino, Senhorita Barlow. Especialmente um que não permite que crianças de classe inferior à média se matriculem nele. Você não é um pouco jovem para o trabalho? Quantos anos você tem mesmo?"
"Vinte e quatro anos," respondeu Eve. Ela não podia acreditar que de todas as casas, ela havia acabado na casa deste homem.
"Você mal parece ter mais de vinte. Deve ter genes muito bons," a voz do homem se arrastou, e o corpo de Eve enrijecido com suas palavras.
"Sim, já me disseram isso frequentemente," respondeu Eve, e então ela disse, "Minha tia, Lady Aubrey Dawson era uma ex-governanta. Ela usou seus contatos para me ajudar a entrar no instituto. Estou contente que você tenha chegado. Há algo que você gostaria de saber sobre mim? Eu sou muito boa com crianças e—"
"Como está o seu traseiro?" Seus olhos se arregalaram como pires. "Pela sua raiva naquele dia, parecia que você caiu bem forte." O homem perguntou a ela com um rosto sério, e Eve ficou perplexa com sua pergunta inapropriada.
Antes que as coisas pudessem ficar mais constrangedoras no cômodo, ela o corrigiu, "Eu quis dizer perguntas sobre mim como a governanta da Senhorita Allie."
"Que pena," murmurou o homem, seus olhos demorando-se em seu rosto.
Algo roía a sua mente com o jeito que ele a olhava com os lábios curvados e arrogância nos seus olhos. Ela observou suas feições sem ser demasiado óbvia—mandíbula forte, nariz afilado e lábios cheios. Seu cabelo prateado estava desalinhado, como se não pudesse se incomodar em penteá-lo.
Na hora certa, Alfie, o mordomo da mansão, chegou na sala com uma bandeja de biscoitos e xícaras de chá quente nela. O mordomo se inclinou e anunciou,
"Quantos cubos de açúcar gostaria de colocar no seu chá, Senhorita Barlow?"
"Nenhum. Gostaria de ser dispensada," Eve rapidamente ofereceu uma reverência, "Obrigada por me receber aqui."
Ela duvidava que conseguiria trabalhar sob o mesmo teto que esse homem. Essa era a primeira vez que não aceitaria o trabalho mesmo que fosse oferecido. O homem não era apenas rude, mas também não tinha um pingo de vergonha ao perguntar sobre o seu traseiro!
"Desistindo já? Foi mais rápido do que eu pensei," comentou o Sr. Moriarty.
"Eu não estou desistindo," Eve foi cuidadosa com suas palavras.
"Claro, isso é porque você ainda está desempregada," ele a lembrou. "Imagino como isso deve ser."
"Eu acho que escolheria ficar desempregada, do que ser contratada por um homem como você," ela havia encontrado bastante gente antes, mas nunca havia conhecido um homem tão rude quanto esse.
"Um homem como eu?" O Sr. Moriarty riu. "Foi a minha pergunta sobre seu traseiro estar doendo?" Dessa vez não foi só Eve, mas até o mordomo da mansão se assustou e decidiu olhar para a parede como se não tivesse ouvido uma palavra. "Você fala como se fosse causado por mim."
"Se não fosse por v—" Eve parou no meio da frase antes que a conversa pudesse ser mal interpretada. Ela notou o sorriso torto no rosto dele. Ela falou baixo para o homem, "Você... não se sente envergonhado de dizer tais coisas na frente de uma menininha?"
"As pessoas neste mundo levaram tanta vergonha com elas, que mal sobrou alguma para mim," ele respondeu. "Talvez você possa compartilhar um pouco comigo?"
"Espero que encontre um pouco então," e ela saiu correndo da sala sem dizer mais uma palavra.
Alfie pigarreou. Apesar de ter passado vários anos com o Mestre Vincent, ainda assim ele não estava acostumado com as palavras sem filtro do seu mestre.
Mas foi a menininha que quebrou o silêncio puxando o colete de Vincent.
"Por favor, peça para ela ficar," a menininha implorou com sua pequena voz, e Vincent inclinou a cabeça para o lado.
Eve desceu os degraus da escada, não olhando para trás enquanto tentava lembrar onde era a entrada da mansão.
"Senhorita Barlow," ela ouviu a voz masculina profunda atrás dela, e ela pausou, mas sem se virar para olhar o Sr. Moriarty.
"Obrigada pela carta de convite mas terei que recusar a oportunidade. Acabei de lembrar que tenho outra coisa para fazer e preciso voltar para casa," respondeu Eve, sem encontrar seus olhos quando ele veio ficar ao lado dela.
"Tem certeza que é isso que você realmente quer?" Ele a perguntou, e Eve assentiu. "Não acredito que as famílias ficariam contentes em descobrir que você enganou a administração e não cursou vários assuntos mencionados como escritos no seu arquivo."
Os olhos de Eve se arregalaram. Ela não concordou com as palavras dele, o que só confirmaria o que ela tinha feito.
Ele sorriu para ela como um santo, "Tenho certeza de que você achará este lugar bastante agradável, considerando que nem todos pagam tão bem uma governanta. E seu pequeno segredo estará seguro comigo."
As mãos de Eve se fecharam em punhos. Até agora, ninguém fora da casa dos Dawson sabia disso, e já faziam mais de cinco anos que ela terminou sua escolaridade. Ela sentiu um arrepio de medo percorrer sua espinha. Como ele descobriu…?
Antes que qualquer um deles pudesse dizer algo, dois homens com roupas caras apareceram no corredor, caminhando não muito longe deles. Um dos homens parecia ser parente do Sr. Moriarty por causa da semelhança, e quando os olhos de Eve caíram sobre a outra pessoa, que tinha uma cicatriz no rosto, isso trouxe más lembranças à sua mente.
"Q-quem é aquele?" Eve sussurrou.
Por anos, ela tentou se lembrar do rosto da pessoa, mas o rosto do monstro que tinha matado sua mãe havia desaparecido com o tempo. Poderia ser a mesma pessoa?
Os olhos de Vincent se moveram preguiçosamente para olhar para os homens antes de voltar a olhar para Eve. A expressão em seu rosto havia mudado como se uma cortina tivesse caído, e ele percebeu a ansiedade nos olhos dela. Que interessante, ele pensou.
"O da esquerda é meu pai Eduard Moriarty. E o outro é Lennon Morris. Viu algo interessante?" Ele a questionou, e Eve rapidamente olhou de volta para encontrar seus olhos. Ele então disse, "Minha irmã parece ter tomado uma leve afeição por você e gostaria que você fosse sua governanta."
Quando Eve não respondeu, ele disse, "Tenho certeza que Allie entenderá suas razões." Ele virou, dando três passos para frente quando ela o parou,
"Espere!"
Com as costas voltadas para ela, Eve não percebeu o sorriso malicioso em seu rosto.
"Eu… Eu aceito o trabalho."
"Tem certeza?" E Vincent virou a cabeça para encontrar seus olhos azuis. Eve assentiu. "Você está contratada então. Mal posso esperar para ver você começar a trabalhar aqui," ele sorriu enquanto ela falhava em perceber o sentido subjacente das palavras.