Chapter 37 - Capítulo 35

LETTIE

Bulma me encarava de olhos vidrados.

Havíamos decidido que seguiríamos Vegeta, antes que ele fizesse a besteira de chegar ao laboratório do Dr. Gero primeiro e despertasse os Androides 17 e 18 para lutar com eles, ao invés de fazer o que qualquer outra pessoa em sã consciência faria em seu lugar: matá-los.

Entretanto, antes de partirmos, revelamos para Bulma a identidade do garoto de cabelos roxos que tinha salvado a sua vida e a de seu bebê.

Pobrezinha… Sua reação de choque era compreensível.

A essa altura, o jovem Trunks já havia disparado atrás de Vegeta para tentar impedi-lo, portanto, Bulma só pôde ficar olhando para o rastro de nuvens que ele deixou para trás, com uma feição de perplexidade.

— É… — suspirou Kuririn, também contemplando os céus. — Agora eu entendo o porquê aquele jovem, digo… o porquê Trunks pode se transformar em um Super Saiyajin. Seu pai é o Príncipe da raça.

— Vamos logo! — alertou Piccolo, impaciente. — Não temos mais nada para fazer aqui e precisamos encontrar o laboratório antes de Vegeta e o Dr. Gero e destruir os Androides. Ambos parecem ter perdido o juízo! Idiotas… — Ele então virou-se para o meu sobrinho. — Gohan, leve Bulma, o bebê e Yajirobe até a Corporação Cápsula, o mais rápido possível. Lá estarão mais seguros do que na casa do Goku. Você não precisa vir conosco até o laboratório. Temos guerreiros adultos suficientes. — Piccolo baixou a voz e murmurou como um velho ranzinza: — Estou farto de crianças em campos de batalha! Tenha santa paciência! — E saiu chutando pedras.

Eu não disse nada, mas ri internamente com o seu comportamento. Meu noivo com certeza não pensava assim quando quis treinar Gohan para lutar contra os Saiyajins, anos atrás.

De qualquer modo, assim ficou acordado. Nos despedimos de Gohan e Bulma (dei um beijo nas bochechas rechonchudas do bebê Trunks, que me respondeu com um sorriso banguela) e levantamos voo para procurar o laboratório do Dr. Gero nas montanhas perto da Capital do Norte.

O percurso era muitíssimo longo, e tínhamos milhares de quilômetros para voar. Passamos a maior parte do tempo em silêncio, cada um absorto em seus próprios pensamentos, até que, em certo momento, meu noivo se aproximou de mim e afirmou:

— Você está aflita.

Mais uma vez, ele parecia saber o que eu sentia. Respondi com um meio sorriso sem graça.

— Sim, estou.

— O bebê Trunks está bem e seguro agora — disse Piccolo, num tom reconfortante. — Não tem porquê você se preocupar com ele.

— Não é com o bebê que estou preocupada — suspirei. — É com o adolescente.

— Ah. — Piccolo ergueu as sobrancelhas.

Depois de um tempo sem dizer nada, balancei a cabeça e desabafei:

— Isso não vai dar certo…

— O que não vai dar certo? — Piccolo pareceu confuso.

Olhei profundamente em seus olhos e respondi:

— O que Trunks está tentando fazer com Vegeta.

Piccolo franziu o cenho. Kuririn, que estava ao nosso lado, disse:

— Não entendi, Lettie.

Tenshinhan então limpou a garganta e, do outro lado, explicou:

— Trunks parece ser o tipo de pessoa que vai tentar se aproximar do pai. Vai tentar fazer de tudo para conquistar sua aprovação e amor. — Ele nos olhou com grande pesar. — Mas não vai conseguir.

Meu coração afundou no peito e, com a voz falhando, repliquei:

— Exatamente. Ele é só um garoto… — Um grande nó se formou na minha garganta. — E já passou por coisas tenebrosas em sua linha do tempo que nós nem sequer sonhamos. — Baixei a cabeça e fechei os olhos. — E não podemos fazer absolutamente nada para ajudá-lo em seu futuro. Nada.

***

Localizada bem no meio de uma cadeia de montanhas, a grande cidade da Capital do Norte se aproximava das nossas vistas.

— Alguém conseguiu localizar Vegeta? — indagou meu noivo por cima do barulho do vento.

— Não — respondeu Tenshinhan. — Não sinto o seu Ki.

— Ainda bem — acrescentei. — Talvez Trunks esteja conseguindo atrasá-lo.

— Mesmo assim — completou Kuririn —, não podemos demorar.

Todos assentiram, e aceleramos. 

Finalmente paramos e ficamos observando a cidade. Gelo cobria o topo das montanhas. Foi só então que percebi o quão frio estava. Afinal, estávamos no norte, portanto, a temperatura ali era bem baixa. O coitado do Kuririn começou a tremer dos pés à cabeça.

— Será que vamos encontrar o laboratório? — Tenshinhan nos olhou com preocupação. — Tem muitas montanhas por aqui, e as grutas são bem pequenas. Além disso, não podemos sentir o Ki do Dr. Gero, mas ele pode sentir o nosso.

Ele tinha um ponto. Até onde os olhos podiam ver, a paisagem era a mesma. Poderíamos levar horas, talvez até dias para encontrarmos o laboratório! E se o Dr. Gero fosse tão esperto como parecia, ele não iria deixar a sua gruta com uma placa de aviso escrito: "ENTRADA DO LABORATÓRIO AQUI".

Não… Seu laboratório estaria bem escondido. Disso eu tinha certeza.

— Bom… — Piccolo suspirou. — O único jeito é nos separarmos e procurarmos. Quem encontrar primeiro, avisa aos outros.

— Certo — assenti. — Que tipo de sinal podemos dar?

— Podemos aumentar o nosso Ki — respondeu ele. — Assim, logo iremos saber. — Meu noivo então virou-se para mim. — Mas você vem comigo.

— Não se preocupe. — Dei-lhe um sorriso tranquilizador. — Já estou bem recuperada e…

— Amor, eu não vou deixar você por aí sozinha como da outra vez — replicou Piccolo, firme. — Por favor, venha comigo e…

"Amor"??? — cortou Kuririn, variando entre olhar para nós dois.

Piccolo percebeu que sem querer havia se dirigido a mim por um apelido íntimo e carinhoso demais para se falar em público e ficou da cor do seu macacão de luta.

Confesso que também fui pega desprevenida e senti minhas bochechas queimarem. Tenshinhan, por outro lado, nos olhava com muito interesse e, ouso dizer, um sorrisinho.

— Bom… Hã… E-Eu… — gaguejei. — Sei que talvez este não seja a hora mais adequada para contar, mas… — Esbocei um sorriso tímido. — Eu e Piccolo acabamos de ficar noivos. Acho bom vocês saberem.

Silêncio.

— HÁ!!! — Kuririn apontou para nós dois; seu rosto iluminado. — Eu sabia!!! Sempre soube que vocês se gostavam!!! HAHAHA!!!

— Parabéns, amigo. — Tenshinhan deu tapinhas nas costas de Piccolo, que aos poucos voltava à sua tonalidade normal.

— O-O-Obrigado… — murmurou ele, encabulado.

— Puxa, que notícia incrível! — exclamou Kuririn após me cumprimentar também. — Quero muito ir nesse casamento! Não perco por nada!

— Eu não te convidei. — Piccolo olhou-o com tédio. — Tenshinhan, você, sim, está convidado.

— Opa, obrigado!

Kuririn ficou desolado.

— Pare com isso, seu bobo. — Eu ri e dei um empurrãozinho no meu noivo. — Kuririn, você está convidado, sim. Será uma honra ter você celebrando conosco.

Kuririn foi fazer uma mesura em agradecimento, mas um vento tão frio passou por nós, que cristais de gelo se formaram pelos seus braços desnudos, e o pobrezinho congelou por um momento.

— Ah, o q-que eu n-não daria p-por um c-casaco agora… — lamentou ele, batendo o queixo.

— Eu também estou com frio — disse Tenshinhan, que usava um macacão de luta verde de uma manga só. — Mas precisamos suportar e continuar a missão.

Eu também me peguei encolhida de frio, sentindo o ar gélido adentrar as mangas do meu kimono. Foi então que me lembrei de que eu literalmente tinha ficado noiva de um guarda-roupa ambulante. Bastou um olhar e Piccolo entendeu o meu recado.

— Ah, não, Lettie! — retrucou ele, indignadíssimo.

Um minuto depois, Kuririn, Tenshinhan e eu vestíamos versões quentinhas dos nossos uniformes de luta, com tecidos macios e pelos fartos e sedosos. Piccolo foi o único que ficou usando apenas o seu macacão roxo, em ato de protesto por ter seus poderes usados para fins tão banais.

— Chega de enrolação! — bufou ele. — Temos que nos apressar antes que o número 17 e a número 18 despertem!

— Esperem — pediu Kuririn. — Acho melhor dividir a Semente dos Deuses entre nós, o que acham?

— Ótima ideia — concordei, e os outros assentiram.

Haviam sobrado oito sementes, então ficaram duas para cada um, e seriam usadas em caso de extrema emergência. De preferência, seria melhor derrotar os Androides sem precisarmos delas. Era um recurso muito escasso.

Por fim, nos separamos.

Eu e Piccolo voamos por uma meia-hora à procura do laboratório ou do próprio Dr. Gero correndo por entre as montanhas, mas a única forma de vida que encontramos foi animais selvagens típicos da região, com ursos, raposas e renas.

— O Gohan iria gostar de explorar essa região. — Esbocei um sorriso nostálgico ao avistar uma família de coelhos marrons. — Lembra quando a gente brincava de explorador quando treinamos naquele ano contra os Saiyajins?

— Lembro… — Piccolo riu pelo nariz, mas ainda compenetrado em nossa busca pelos ares. — Confesso que, às vezes, sinto falta daquela época, das noites no Acampamento comendo a sua sopa, enfim…

— Eu também sinto — repliquei, contudo, logo ergui as sobrancelhas. — Ei, tive uma ideia! Já que vamos nos casar, que tal criarmos uma tradição familiar de irmos uma vez por mês ao local do nosso antigo Acampamento com a Naíma e passarmos um fim de semana por lá? Podemos levá-la para conhecer as Águas Termais! Imagine como ela vai adorar brincar lá!

Piccolo virou-se para mim, e seus olhos emitiram um brilho vivo.

— Acho a ideia perfeita. — Ele então riu, baixinho.

— O que foi? — indaguei, curiosa.

— É que… — Piccolo curvou os lábios num sorriso satisfeito. — No sonho que tive quando morri, nós realmente tínhamos esse costume de visitar o Acampamento e de ir nas Águas Termais.

Meu coração dilatou, enchendo-se de alegria ao imaginar esse futuro esperançoso, apesar da situação em que estávamos. Devagar, voei até ficar debaixo dele; nossos narizes quase se tocando. Piccolo arregalou os olhos com a repentina proximidade.

— Então, está combinado — sussurrei. Em seguida, peguei seu rosto e pressionei meus lábios contra os dele, num selinho doce e macio. — Será uma tradição da nossa família. E depois, levaremos os gêmeos para lá, também.

Piccolo corou com o meu beijo, no entanto, abriu um sorrisão no segundo seguinte. Com delicadeza, ele passou as mãos pela minha cintura e costas, me puxando para mais perto, com a intenção de me dar mais um beijo. Porém…

O Ki de Kuririn aumentou exponencialmente.

Paramos com nossas bocas entreabertas e nos encaramos.

Ele havia encontrado o laboratório!!!

Sem pensar duas vezes, disparamos em direção a Kuririn. Ele estava num local muito afastado, próximo a uma gruta muito discreta, quase impossível de se localizar.

— É ali! — Kuririn apontou para uma entrada sutil na rocha da montanha. — Aquele é o laboratório do Dr. Gero!

— Uau, parabéns, Kuririn — elogiei, estreitando os olhos para enxergar melhor.

— De fato — acrescentou Tenshinhan. — Você procurou muito bem.

— Eu não diria isso — replicou Kuririn. — Só encontrei porque tive um encontro nada amigável com o Dr. Gero há alguns minutos e acabei descobrindo o local do seu laboratório secreto.

— Isso não importa. — Meu noivo cerrou os dentes. — VAMOS!!!

Piccolo, Tenshinhan e eu avançamos com ímpeto na direção da entrada da gruta.

— ESPEREM!!!! — gritou Kuririn, e paramos de repente.

— O que foi, homem?? — inquiri.

— É que… — Ele baixou a cabeça, sem jeito. — O Dr. Gero já está lá dentro.

— O QUÊ?! — exclamamos em uníssono.

— Desculpem… — lamentou Kuririn. — Não consegui impedi-lo.

Essa não! Essa notícia não era nada boa! Se o Dr. Gero já estava lá dentro, significa que, naquele exato momento, ele poderia estar despertando os Androides!

— Mas que droga! — vociferou Piccolo. — Não temos mais tempo a perder, precisamos destruir esse lugar o mais rápido possível!

Todos concordaram e voamos rapidamente para a gruta. Uma fina camada de gelo cobria o chão, ecoando os nossos passos ansiosos, enquanto o vento frio assoviava pelas fendas das montanhas. Após passarmos por um arco rochoso e mal-iluminado, uma grande e forte porta de ferro impedia a passagem. Bem no meio dela, um painel digital numérico piscava com uma luz vermelha.

Trancada.

Droga. Chegamos atrasados!

Nosso desespero foi tanto que começamos a esmurrar a porta na força bruta, com chutes, socos e ombradas, mas nada abria aquela fortaleza.

— Afastem-se! — alertou o meu noivo. — Vou lançar um golpe para tentar destruí-la!

Cambaleantes e ofegantes, abrimos espaço para ele. Piccolo tomou distância e ergueu o braço na frente do corpo. Uma pequena bola de energia começou a crescer na palma de sua mão.

— Ora, ora… — disse uma voz atrás dele. — Então vocês encontraram o laboratório?

A bola de energia dissipou da mão do meu noivo, e todos nos viramos para ver quem era o dono daquela voz. Mas antes mesmo de me virar eu já soube que ela pertencia a ninguém menos do que Vegeta.

Ele nos escrutinava na entrada da gruta com um sorriso ousado. 

Trunks estava parado logo atrás dele. Seus olhos também azuis se encontraram com os meus, e eles claramente diziam: "Eu tentei de tudo. Por favor, me perdoem."

Soltei um longo suspiro cansado e olhei para o meu noivo. Ele parecia tão de saco cheio do Vegeta quanto eu. Portanto, ignorando a presença dele, Piccolo voltou a se posicionar na frente da porta, ergueu o braço e começou a criar outra bola de energia para derrubar a porta.

— Piccolo — ameaçou Vegeta —, se você destruir os Androides, vai se ver comigo.

— Ah, cale a boca! — Revirei os olhos para ele.

— Cale a boca você! — retrucou ele. — Deveria ter ficado naquele seu muquifo brincando de casinha!

Pela segunda vez, a bola de energia na mão de Piccolo se dissipou. Ele virou-se para Vegeta com um olhar sombrio, as narinas infladas e o peito estufado.

Aquilo não um bom sinal.

— Pessoal, por favor, acalmem-se! — Trunks se interpôs entre eles. — Não é hora pra isso! — Ele fitou o meu noivo com súplica. — Sr. Piccolo, depressa! Destrua a porta! Vamos acabar com esses Androides agora!!! Vocês não tem ideia do quão terrível eles são!!!

— VOCÊ TAMBÉM CALE A BOCA! — Vegeta deu um empurrão em Trunks, que tropeçou e caiu nos meus pés, muito atordoado.

— Trunks! — Me abaixei para acudi-lo. — Você está bem?!

Ele tremia por inteiro. Talvez do susto que levou, talvez de raiva, talvez de medo. Ou de tudo isso junto. Troquei olhares nervosos com Kuririn e Tenshinhan.

O clima estava péssimo.

Porém, algo agravou ainda mais o nosso clima: vozes. Vindas do outro lado da porta. Uma das vozes reconheci ser a do Dr. Gero. Havia mais duas: uma parecia pertencer a um rapaz e a outra a uma moça. Seus tons eram agressivos e hostis.

Um calafrio horripilante percorreu minha espinha. Eram… Eram os…

— São os Androides!!! — exclamou um desesperado Kuririn ao meu lado. — O Dr. Gero já os despertou!!!

Piccolo e eu trocamos olhares apavorados.

— AFASTEM-SE, SEUS VERMES! — Vegeta deu um passo à frente e ergueu a palma da mão. — Vou derrubar essa porta agora mesmo!

Trunks correu até ele.

— Não faça isso! Se os Androides já despertaram, só nos resta fugir! Precisamos esperar o Goku se recuperar, para só então…

— NÃO PRECISAMOS DO KAKAROTTO! — rebateu Vegeta, e um grande clarão azul saiu da sua mão, deixando-me cega por um instante.

BOOOOOOOOM!!!!!!!!!!!!

Uma nuvem de fumaça se ergueu com a explosão da porta, e só consegui discernir os braços de Piccolo me envolvendo num ato de proteção em meio a toda aquela mistura de escombros.

— Lettie! — disse ele, preocupado. — Se machucou?!

— Já levei… cof! cof!... pancadas piores… — Me apoiei nele com uma careta. Um pedaço de ferro tinha batido na minha coxa. Aquilo deixaria um hematoma feio, com certeza.

— Mais alguém se feriu?! — Piccolo elevou a voz, procurando por entre a fumaça. Nossos companheiros tossiam de algum lugar que eu não enxergava.

Fez-se silêncio. Apenas o barulho da estrutura da porta rangia sobre nossas cabeças, acompanhada pelo suave som da fumaça que aos poucos se dissipava.

Foi então que os vimos, três figuras paradas perto da porta explodida: o já conhecido Dr. Gero, acompanhado por um casal de jovens que não deviam passar dos vinte anos. O rapaz tinha longos cabelos negros, e a moça era uma mulher loira muito bonita. Ambos tinham olhares frios e usavam brincos nas orelhas.

"Quando os virem, certamente vão saber quem são." — A voz de Trunks ressoou na minha cabeça.

Sim. Eram eles.

Os Androides 17 e 18 foram despertados e estavam ali, bem na nossa frente.