PICCOLO
Aquilo só poderia ser brincadeira.
Ao analisar com atenção para os rostos dos Androides 17 e 18 parados na porta destruída do laboratório, me dei conta de que o nosso destino estava nas mãos de duas crianças.
Eles eram tão jovens, mas seus olhares frios emanavam um poder capaz de dizimar um planeta inteiro.
Era ridículo!
Mas também era apavorante.
Lettie sentiu o mesmo que eu, e me apertou mais forte enquanto todos encaravam os Androides e o Dr. Gero em um silêncio sepulcral.
Como se confirmasse minha linha de pensamento, a voz de Trunks ecoou pela gruta:
— Não se deixem levar pelas aparências. Esses Androides parecem inofensivos, mas, na verdade, são seres terríveis!
O Dr. Gero nos olhou com desprezo e disse:
— Número 17 e Número 18, estes são os amigos de Son Goku que comentei antes. Não os menosprezem! Eles destruíram o Número 19 e tentaram me matar!
— "Número 19"? — repetiu o Androide 17, o de cabelos negros. — Construiu um desses?
— Sim.
— Ah. Já entendi. — Ele colocou as mãos no bolso da calça jeans. — Foi o Androide que terminou de te construir, certo, Dr. Gero? Ele era do tipo que absorvia energia pelas mãos?
— Era.
— Por que fez um modelo antigo de absorção de energia, se sabe construir Androides mais avançados? — indagou a Número 18. — Será que é porque os Androides de energia ilimitada são tão fortes que fogem do seu controle, Dr. Gero?
Por baixo daquela voz gentil, feminina e delicada, senti um evidente tom de rebeldia e sarcasmo. O Dr. Gero continuou nos olhando fixamente e respondeu:
— Sim. É por isso mesmo.
Fez-se silêncio outra vez. Mas a fala da Androide 18 não passou despercebida por nós, os guerreiros. Nos entreolhamos com visível preocupação. A ideia de que aqueles Androides podiam fugir do controle não era nada agradável.
— Ora, esqueçam esse assunto! — O Dr. Gero virou-se para os seus Androides, irritadiço. — Quero que os derrotem agora mesmo!
— Não nos dê ordens! — rebateu o Androide 17. — Nós vamos lutar a hora que quisermos!
— C-Como é que é?! — exclamou o Dr. Gero.
Em resposta, o Androide 17 curvou os lábios num sorriso ousado e seus olhos brilharam. O Dr. Gero não gostou nem um pouco daquela resposta e olhou para um objeto quebrado perto dos seus pés.
Estreitei os olhos para descobrir o que seria aquele objeto, e um frio na barriga me acometeu quando vi que era o controle dos Androides 17 e 18, despedaçado no chão.
Então, os Androides estavam literalmente fora do controle.
Para completar, a Androide 18 soltou um riso desdenhoso e se pôs a caminhar pelo laboratório, fazendo questão de pisar em cima do controle destruído para quebrá-lo ainda mais, e se dirigiu até uma cápsula comprida e cilíndrica, revestida por um brilho metálico e conectada por diversos cabos.
— Aqui dentro está o Número 16, não é? — perguntou ela ao Dr. Gero. — Ele também tem energia ilimitada, estou certa? Mas, pelo que estou vendo, ele tem um corpo maior que o nosso. Estou curiosa para saber as nossas diferenças.
— NÃO TOQUE NELE, NÚMERO 18!!! — advertiu o Dr. Gero. — É PERIGOSO!!!
Lettie e eu trocamos olhares assustados. Que tipo de Androide estaria lá dentro que deixaria até o próprio Dr. Gero tão ansioso assim?!
Dei uma rápida olhada em Trunks. Ele estava pálido; sua boca branca e suor escorrendo pela testa.
Pelo visto, o Androide 16 também era uma novidade para ele.
— Gostei desse Androide 16 — alegou o Androide 17. — Vamos, irmã, desperte-o!
— NÃO! — vociferou o Dr. Gero. — NÃO FAÇA ISSO! Estão querendo destruir o mundo todo???
— O quê?! — Todos exclamaram em uníssono.
— D-Destruir o mundo todo…? — sussurrou Lettie ao meu lado, trêmula.
— Isso já foi longe demais… — completou Tenshinhan atrás de mim.
— Ei! — Kuririn virou-se para nós. — Não acham melhor fugir enquanto esses Androides malditos estão discutindo??
— Isso mesmo, façam isso! — Vegeta riu. — Porque eu sou o único capaz de lutar com eles!
— Vou repetir! — O Dr. Gero virou-se para o Androide 17. — Não acordem o Número 16! Ele era uma nova experiência, mas foi um completo fracasso. Estarão cometendo um erro!
O Androide 17 o ignorou e deu um aceno de cabeça para a Androide 18, que se debruçou sobre o painel digital da cápsula.
— EU JÁ DISSE QUE NÃO!!! — O Dr. Gero correu e agarrou o braço da Androide 18.
— O que é isso??? — indignou-se ela. — Como ousa encostar numa dama desse jeito?! ME SOLTA! — E com uma cotovelada, lançou o Dr. Gero para trás, que caiu com um baque no chão.
Toda aquela cena era tão absurda, que nenhum de nós se mexeu. Nem mesmo Vegeta.
— Hum! — A Androide 18 revirou os olhos e começou a andar em volta da cápsula cilíndrica. — Dá pra ver que muitas experiências suas fracassam, Dr. Gero.
— Seja sensata! — Ele se levantou e cerrou o único punho que tinha. — Se despertar o Número 16, é capaz que ele nos mate!
— Uau — disse o Androide 17. — O Número 16 pode nos matar mesmo? — Seus olhos então se tornaram vermelhos e piscaram. — Bom, de acordo com as minhas análises, ele é mais forte que eu. Impressionante! Pode ativá-lo, irmã.
— ARGH! — resmungou o Dr. Gero. — Por que não me obedece? Sou o seu criador! Você é igual ao Número 16, um fracasso! Faça o que quiser. Eu darei um jeito de desativá-lo.
— Eu já quebrei o controle — replicou o 17.
— EU FAÇO OUTRO!!!
Ignorando os avisos do seu criador, a Androide 18 inclinou-se de novo sobre o painel digital da cápsula cilíndrica e ergueu o dedo indicador com um olhar sinistro.
— NÃO APERTE ESSE BOTÃÃÃÃÃÃAAAAAAAHHHHHHH!!!!!!
O Dr. Gero paralisou no lugar, de olhos vidrados, e, bem no meio da sua barriga, o braço do Androide 17 atravessava o seu corpo; sangue e fluidos escorrendo pelo chão. Então, no segundo seguinte, o Androide 17 puxou o seu braço de volta, rodopiou no próprio eixo e, com um golpe certeiro com o pé, decepou a cabeça do Dr. Gero.
A cabeça velha e asquerosa quicou no chão até cair bem na frente da minha noiva. Um grito abafado ecoou da sua garganta quando Lettie tapou a boca com uma feição de puro assombro. Eu mesmo fiquei paralisado ao lado dela, encarando aquela cabeça decepada.
Pra piorar, a cabeça falou para o Androide 17:
— Você vai me pagar, sua lata velha!
Com um salto, o Androide 17 avançou em nossa direção e pousou bem em cima da cabeça, esmagando-a por completo. Lenta e maliciosamente, ele levantou seus olhos cor de gelo para mim e Lettie, e sorriu.
— Bu! — disse ele.
Não consegui fazer outra coisa a não ser puxar uma conturbada Lettie para trás comigo. Por exceção de Vegeta, os outros guerreiros também se ajuntaram após ver tamanha cena macabra.
— E-E-Eu não a-acredito! — gaguejou Kuririn, escondendo-se atrás de Tenshinhan. — E-Eles mataram o seu p-próprio criador!
— Esses Androides matam qualquer pessoa que não gostam — disse Vegeta, o único que parecia achar graça de tudo aquilo. — Igual aos Saiyajins. Não importa quem seja, mesmo pais e filhos. Só vocês, terráqueos, que ficam com toda essa melosidade e sentimentalismo.
— Você é doente! — vociferou Lettie agarrada a mim, lívida.
— Ande logo, 18! — O Androide 17 voltou-se para a sua irmã. — Aperte logo esse botão!
— EU NÃO VOU PERMITIR!!! — Trunks de repente saiu nos empurrando e correu para a entrada destruída do laboratório. — NÃO DEVE HAVER MAIS ANDROIDES DESTRUIDORES COM VIDA!!!
Uma aura amarelada o rodeou, e ele se transformou em Super Saiyajin. Trunks então estendeu as palmas das mãos na frente do corpo e disparou uma enorme bola de energia em direção aos Androides.
Nós só tivemos tempo de sair voando dali antes que a gruta toda explodisse em milhões de pedacinhos com a bola de energia de Trunks.
O que de fato aconteceu.
Ofegantes, pairamos acima do que antes era a montanha que abrigava o laboratório do Dr. Gero, mas que agora era um amontoado de milhares de rochas umas sobre as outras, com uma gigantesca nuvem de fumaça marrom erguendo-se para os céus.
Foi só então que me dei conta de que eu e Lettie estávamos agarrados um no outro, ambos tremendo por causa do susto e da adrenalina. Pelo menos não tínhamos nos machucado.
— Poxa, Trunks! — Kuririn limpou o sangue de um corte em sua bochecha. — Se ia atacar, poderia ter nos avisado antes, né?
— É, de fato ele é um estúpido — concordou Vegeta. — Suas ações são inúteis.
— I-Inúteis? — repetiu um confuso Trunks flutuando próximo a ele. — Mas o que eu fiz de errado?!
— Olhe ali. — Vegeta apontou para um platô além da nuvem de fumaça. Quando ela se dissipou, avistamos o Androides 17 ao lado da Androide 18, que carregava a grande cápsula cilíndrica do Androide 16 acima de sua cabeça.
Os três intactos.
— N-Não é possível… — sussurrou Lettie.
Trunks ficou tão embasbacado quanto minha noiva. Vegeta, no entanto, concluiu:
— Atacar os Androides com um nível tão baixo é um desperdício de energia. Por isso dizem que crianças são imprudentes.
Trunks ficou extremamente frustrado, e Lettie não precisou das minhas habilidades de ler sentimentos para também perceber isso. Enquanto observávamos os Androides ao longe, ela flutuou até o garoto e disse baixinho enquanto afagava suas costas:
— Querido, eu entendo o seu desejo de destruí-los o mais rápido possível, mas atacá-los de um modo tão brusco talvez não foi a melhor estratégia. Algum de nós poderia ter se machucado feio no processo. Apesar das inúmeras diferenças que eu tenho com o seu pai, concordo que não devemos desperdiçar energia.
— M-Me desculpe, Sra. Lettie… — A voz de Trunks transbordava decepção.
— Está tudo bem. — E a voz de Lettie transbordava compreensão. — Pelo menos, o laboratório está destruído agora.
Dei uma rápida olhada em Vegeta. Ele os observava com profundo desprezo. Lettie e Trunks com certeza não cumpriam os requisitos do padrão da raça Saiyajin que Vegeta tanto pregava: brutais, frios e sem coração.
— Ei, olhem! — Tenshinhan apontou para os Androides, trazendo nossa atenção para o verdadeiro problema outra vez.
Eles estavam abrindo a cápsula cilíndrica. A Número 18 praticamente arrombou a tampa, visto que o painel digital não funcionava mais. E então, para o nosso completo desespero, o Androide 16 emergiu da cápsula, como um morto reerguendo-se de um caixão.
Ele era alto. Alto, não, enorme. Apenas alguns centímetros menor que eu. Usava uma roupa preta por baixo de uma armadura robusta e pesada verde-limão, com o símbolo da Red Ribbon, e o topo de sua cabeça raspada era ocupada por um farto moicano ruivo.
— Ele… Ele é uma máquina para matar… — Lettie externalizou os meus pensamentos.
— Quem é esse Androide? — Trunks soou indignado. — Eu nunca o vi antes!
Uma onda de pavor e insegurança diante da visão daquele novo Androide me inundou; sentimentos vindos dos outros guerreiros. Até Vegeta não conseguiu esconder o quanto ficou intimidado com aquele novo oponente.
Os três Androides conversaram alguma coisa lá no platô que não consegui escutar, mesmo com a minha super audição. Então, eles levantaram voo e foram embora. Simples assim.
Kuririn suspirou de alívio. Mas os outros perguntaram o que raios eles fariam agora.
— Algo me diz que eles não foram provocar destruição na Capital do Norte — eu disse.
— A casa de Goku!!! — exclamou Lettie, chamando a atenção de todos. — Eles voaram na direção da casa do meu irmão. Não pode ser coincidência!
Todos (exceto Vegeta) arregalaram os olhos. Essa não.
— É verdade! — concordou Kuririn. — Afinal, o principal objetivo do Dr. Gero era derrotar o Goku, porque foi ele que destruiu a Red Ribbon!
— Mas será que eles ainda irão obedecer às ordens do Dr. Gero? — indagou Tenshinhan. — Agora eles são livres para fazer o que quiser.
— Mesmo que estejam livres — objetou Trunks —, não se esqueçam de que eles ainda são Androides. Uma parte deles é feita de programação, e por isso, sentem vontade de matar o Goku, pois está em seu código primário. É algo mais forte que eles.
— Então eles basicamente não vão sossegar até terem cumprido essa… "programação"? — perguntei.
— Sim, basicamente — respondeu Trunks. — E depois, podem fazer o que quiserem com o mundo. Como fizeram na minha linha do tempo.
Sua voz sumiu no ar, e um pesado silêncio seguiu-se às implicações de sua declaração.
Então, era mesmo como eu pensei: nosso destino estava na mão de duas crianças. E agora, mais uma criança havia se juntado a elas!
O que faríamos?!
"Vocês já perderam," ameaçou o meu Inimigo. "Sabe disso, não sabe? Não importa sua fusão com Kami-sama ou a conversinha com aquele seu Amigo. Não importa o quanto tentem, é apenas uma questão de tempo antes que caiam um por um. E você será o primeiro."
Uma pontada aguda atingiu minhas têmporas. Olhei para os meus companheiros, vendo a imagem de cada um deles caindo, como disse o meu Inimigo. Vi Tenshinhan, vi Kuririn, vi Trunks… Vi até mesmo Vegeta.
E então, vi Lettie.
Caída. Morta.
Mas então, lembrei-me da Voz do meu Amigo: "Ele sabe os seus medos mais profundos e mostra exatamente o que você mais teme."
Fechei os olhos e respirei fundo.
— Eu não cairei na sua mentira — sussurrei, entredentes, e o meu Inimigo se calou.
Percebi que Lettie me observava ainda ao lado de Trunks e, com um semblante preocupado, gesticulou perguntando se eu estava bem. Com um aceno tranquilizador, garanti que sim. Trocamos pequenos sorrisos.
— AH, PRA MIM JÁ CHEGA! — Vegeta enfureceu-se. — Vocês podem ficar aí de papinho! Eu não quero nem saber! Eu vim aqui para lutar, mas me ignoraram! Quer dizer que me consideram inferior?? Estão brincando comigo!!! — Sua aura então se tornou amarelada e ele se transformou em Super Saiyajin.
— Não vá atrás deles, por favor! — Trunks mais uma vez abriu os braços na frente do pai para impedi-lo. — Espere um pouco mais, não te custa nada!
— Até Kakarotto se recuperar? — replicou Vegeta com um sorriso astuto.
— Kakarotto?! — repetiu Trunks, confuso. — Está falando do Goku? Sim, é isso mesmo! Precisamos dele para nos ajudar e juntos derrotarmos os Androides! É o modo mais seguro!
— Ora, ora… — Vegeta riu com escárnio. — Você está entendendo mal. Não são os Androides os que eu mais odeio. É O KAKAROTTO!!! Posso derrotar aquelas sucatas ambulantes sem a ajuda dele! Mas, por último, irei derrotar o Kakarotto! ENTÃO SAI DA MINHA FRENTE, MOLEQUE!!!
— ISSO NÃO FAZ O MENOR SENTIDO!!! — esganiçou um desesperado Trunks. — É impossível! Se for sozinho, pode morrer! Eu te imploro, espere mais um pouco!
No segundo seguinte, Vegeta fechou o punho e socou Trunks bem na boca do estômago, fazendo-o curvar-se para frente com um grito mudo. E então, saiu voando em disparada pelos céus na direção dos Androides.
— TRUNKS!!! — Minha noiva voou até ele.
Os alcançamos, também nos certificando de que o garoto estava bem. O golpe de Vegeta não foi nada leve, pois Trunks suava frio.
— IDIOTA!!! — Lettie ergueu o punho na direção que Vegeta sumira, seu rosto furioso e todo roxo. — VEM SOCAR A MINHA CARA, SEU IMBECIL! SEU PAI DESNATURADO! VOCÊ PRECISA SER INTERNADO! EU VOU PEGAR UMA CÁPSULA E TE MANDAR PRO PLANETA MAIS DISTANTE DESSE UNIVERSO, SUA PRAGA AMBULANTE E…
Minha noiva continuou xingando. Eu e os outros guerreiros nos entreolhamos, boquiabertos. Até Trunks pareceu esquecer a sua dor diante da perplexidade que esboçava.
Nunca, em toda a minha vida de convivência com Lettie, vi-a tão brava. Desejei, do fundo do coração, jamais ser motivo de tanta raiva para a minha futura esposa, e não consegui deixar de sentir uma grande compaixão por Bulma.
— … VOCÊ DEVERIA TER MORRIDO QUANDO LANCEI AQUELA GENKI-DAMA EM VOCÊ! — continuou Lettie. — SABE QUANTAS SESSÕES DE TERAPIA PRECISEI FAZER POR SUA CULPA, VEGETA????
— Lettie. — Peguei delicadamente em seus ombros, tentando fazê-la se virar para mim, e repeti, firme: — Lettie, me escuta.
Ela parou de gritar e me fitou, seus olhos cheios de lágrimas e o peito subindo e descendo. Então, com a voz mais calma que consegui, eu disse:
— Se o Vegeta tivesse morrido com a Genki-dama, Trunks não teria nascido e, consequentemente, nunca saberíamos dos Androides.
Lettie murchou, seus ombros caindo após ouvir minhas palavras. Devagar, ela olhou para Trunks, que abraçava a si mesmo, cabisbaixo, com dor e com vergonha.
— Ah, Trunks…! — Minha noiva disparou para abraçá-lo apertado, chorando em seu pescoço.
Trunks ficou alguns segundos sem se mexer, com os seus sentimentos conflitantes sobre o seu pai. Entretanto, não demorou para ele devolver o abraço de Lettie na mesma intensidade e ser tomado pelo carinho materno que ela emanava. Permanecemos em silêncio.
Quando se separaram, Lettie soltou um longo suspiro e nos olhou, muito envergonhada:
— Me desculpem… E-Eu… Eu…
Não consegui ficar reticente ao ver minha noiva naquele estado. Fui até ela e afaguei suas costas. Os outros também demonstraram semblantes compreensivos.
— Está tudo bem, Sra. Lettie — disse Trunks, apesar de continuar abatido. — Agradeço muito a sua consideração. Pra ser sincero, eu também não sei como lidar com tudo isso. Minha mãe me alertou que seria difícil, só que eu não imaginava que seria tanto assim. — Seu rosto se tornou amedrontado. — Mas não posso me dar o luxo de pensar na relação com o meu pai agora. Precisamos impedi-lo! Por favor, vamos atrás dele! Não podemos deixá-lo agir sozinho antes de Goku se recuperar. — Ele então virou-se para mim. — Sr. Piccolo, talvez o senhor seja a nossa única esperança no momento, considerando sua fusão com Kami-sama.
Todos os olhares se voltaram para mim.
De repente, foi como se o peso do mundo caísse sobre as minhas costas.
Mas então, olhei para Lettie e vi Naíma e os nossos gêmeos em seus olhos.
— Certo — eu disse, procurando transparecer o máximo de confiança que consegui. — Vamos atrás dos Androides!
Lettie e os outros me responderam com uma expressão determinada. Juntos, elevamos o nosso Ki e disparamos pelos céus.
Nossos sentimentos pareciam uma espiral confusa e emaranhada: eu estava preocupado com Lettie; Lettie estava preocupada com Trunks; Trunks estava preocupado com Vegeta…
Além, é claro, da preocupação de todos para com Goku. Será que ele estava se recuperando bem da doença? Ou o vírus já havia se espalhado pelo seu coração?
Era tão estranho. Anos atrás, meu único objetivo era derrotá-lo, ser maior, mais forte e mais poderoso que ele. Mas agora, só de pensar na possibilidade de sua morte, uma grande angústia já me tomava.
Enquanto voávamos atrás de Vegeta e dos Androides, me recordei dos últimos três anos que treinamos juntos; das incontáveis manhãs, tardes ou noites das folgas do Dojô que lutamos em lugares ermos com Lettie e Gohan, para depois voltarmos para sua casa e comermos uma refeição deliciosa preparada por Chi-chi, para no dia seguinte repetirmos tudo de novo.
Foi só então que me dei conta de que Goku passara de meu nêmesis para o meu cunhado e melhor amigo.
— Ali! — Trunks apontou para uma estrada que entrecortava uma serra.
Aceleramos. O fato de ter um caminhão explodido e vários pontos de destruição por aquela estrada eram claros indícios da presença de Vegeta e dos Androides por lá.
Pousamos atrás da Androide 18, que estava parada ao lado de um grande buraco feito na parede rochosa na lateral da estrada. Seu irmão e o Androide 16 nos assistiam de um ponto mais distante.
Enquanto Trunks gritava pelo nome do pai, a Androide 18 lentamente virou-se para mim. Sustentamos nossos olhares por longos segundos. Era complicado ler os sentimentos dela. Por ser parte Androide e parte humana, tudo parecia se misturar. Contudo, naquele ínfimo momento que nos encaramos, detectei que, pelo menos, ela ficou bem desconfortável.
Logo, Vegeta saiu do buraco no meio da parede, brilhando em sua forma Super Saiyajin e com uma cara péssima. Trunks alegrou-se ao vê-lo, mas Vegeta replicou nossa chegada com um xingamento.
— Ei, pessoal! — chamou Lettie. — Se preparem. O Androide 17 está vindo para cá!
— Pai, por favor, vamos fugir! — implorou Trunks, nervoso. — Se continuar aqui, pode morrer! Tudo por causa desse seu orgulho!
— Está querendo apanhar de novo??? — rebateu Vegeta. — Você está me incomodando, SUMA DAQUI!
— Se vocês querem fugir, fujam. — A Androide 18 cruzou os braços. — Porque não estamos interessados nos covardes que fogem.
— Já chega de besteira! — enfureceu-se Vegeta. — Agora que estou para acabar com você, eu nunca abandonaria uma luta! Vou te dizer uma coisa, sua sucata loira: prefiro lutar sozinho e morrer do que lutar junto com esse Namekuseijin imbecil, ou com essa falsa mulher Saiyajin, ou com esse garoto frouxo irritante, ou com esses dois vermes terráqueos, ou até mesmo com o inútil do Kakarotto! EU NÃO QUERO ME MISTURAR COM ESSE BANDO DE INCOMPETENTES!!!
Todos ficaram tão embasbacados com as palavras de Vegeta que ninguém reagiu. Ficamos apenas um olhando para o outro, incrédulos.
No entanto, alguém aplaudiu.
O Androide 17.
— Foi um belo discurso — disse ele, parado atrás da gente. — Do jeito que luta, percebe-se que é o Príncipe dos Saiyajins.
Sua voz era carregada de ironia, e Vegeta percebeu.
— Eu não preciso ouvir isso de vocês, seus bonecos enferrujados! — Ele cuspiu no chão. — Não passam de crianças idiotas.
— Bom — continuou o Androide 17 —, como todos sabemos que vocês respeitam o código de ética de guerreiros das Artes Marciais, quero dizer uma coisa importante: espero que ninguém interfira na luta entre Vegeta e a Androide 18. Se alguém fizer isso, terei prazer em também participar da luta.
Silêncio.
— Ahhh, não se preocupe! — disse Vegeta. — Eu garanto que eles não irão atrapalhar.
— Assim espero — replicou o Androide 17.
— E aí, vamos continuar? — perguntou a Androide 18.
— É claro. — Vegeta sorriu.
— ENTÃO BORA!!! — A Androide 18 voou pra cima do Vegeta e meteu-lhe um soco bem no meio da cara, lançando-o para longe.
Arquejamos ao testemunhar tamanha velocidade. Vegeta conseguiu se recompor e deu uma cabeçada na barriga da Androide 18 em resposta. Em seguida, uniu as mãos no alto e as atingiu bem no meio da coluna dela, jogando a Androide 18 contra um paredão rochoso. Ele então ergueu a palma da mão e disparou uma grande bola de energia nela, que estava caída numa parte mais baixa da serra.
Um forte clarão e uma explosão seguiram-se. Vegeta disparou na direção da fumaça, que se dissipava, mas encontrou a Androide 18 de pé, com sua roupa toda suja e esfarrapada. Os dois trocaram indiretas e insultos, mas nada irritou mais Vegeta do que ser chamado de fraco.
Ele avançou, e ambos começaram um combate corpo a corpo, com chutes e socos muito próximos. Da beira da estrada, assistíamos à luta, e foi só então que percebi que estávamos todos ansiosos e compenetrados, torcendo por… Vegeta. Até Lettie murmurava incentivos para que ele acabasse logo com aquela robô.
Mas tinha algo de errado. Muito errado.
Fiz uma careta ao sentir um embrulho no estômago.
— Desse jeito, Vegeta… será morto — confessei.
Todos se viraram para mim, perplexos. O Androide 17 nos observava.
— Se prestarem atenção — prossegui—, ela está pressionando Vegeta cada vez mais, avançando em seu espaço pessoal e não dando tempo para ele contra-atacar. O poder dela não diminuiu, mas, por outro lado, quanto mais Vegeta luta, mais diminui suas energias.
— E-Está falando sério, Sr. Piccolo?? — inquiriu Trunks.
Eu apenas gesticulei para ele assistir à luta que ocorria logo abaixo. Vegeta tentou golpeá-la, mas a Androide 18 se esquivou, abaixou e deu-lhe uma rasteira que por pouco não o fez cair no chão. Só que Vegeta mal se recompôs e ela o socou no nariz, fazendo-o cambalear, hesitante.
Furioso, Vegeta tomou distância e enfim se lançou pra cima dela, pronto para dar-lhe um soco direto, mas a Androide 18 o parou com apenas uma mão. Depois, o segurou com a outra mão. Após prendê-lo, ela meteu uma joelhada bem na boca do seu estômago, fazendo Vegeta perder o fôlego, do mesmo modo que ele havia feito com Trunks, não muito tempo atrás.
Um soco de direita. Um chute lateral. Um gancho de esquerda. Uma bicuda no queixo.
Nada escapava das mãos impiedosas da Androide 18.
Até que, por fim, ela rodopiou, ergueu a perna e atingiu o braço esquerdo de Vegeta, quebrando-o no mesmo instante.
— NÃO!!!!!!!! — berrou Trunks.
Vegeta segurou o braço, agora numa posição torta e grotesca, caiu de joelhos no chão e gritou, extravasando toda sua indignação e raiva.
Tudo aconteceu muito rápido.
Desesperado, Trunks se transformou em Super Saiyajin e voou na direção do pai caído, sacando a sua espada para golpear a Androide 18, mas ela bloqueou sua investida com tamanho impacto, que a ponta de sua espada se despedaçou. Ao ver sua irmã sendo atacada, o Androide 17 também disparou pra cima de Trunks e, com os punhos fechados acima da cabeça, o atingiu no pescoço, fazendo o garoto desmaiar na hora.
Então, Lettie gritou pelo nome de Trunks e saiu voando para enfrentar os Androides, o que me fez gritar pelo seu nome e também sair voando atrás dela antes que a mesma desgraça de antes acontecesse de novo. Só sei que ouvi Tenshinhan soltando um xingamento e também vindo atrás de mim.
Para a minha surpresa, Lettie conseguiu desferir um soco em cheio na bochecha do Androide 17, mas ele logo se recompôs e a chutou para longe, fazendo-a atingir um paredão rochoso e ser soterrada pelas rochas. Nesse meio tempo, consegui distinguir a Androide 18 dando um mata-leão em Tenshinhan enquanto Vegeta disparava pra cima dela.
Virei-me para o Androide 17. Minha noiva não seria derrotada por algumas pedrinhas. Ela estaria bem. Meu foco era apenas aquele desgraçado à frente. Entretanto, Trunks conseguiu se levantar e voou até o pai. Ao ver sua irmã sendo atacada por ambos Trunks e Vegeta, o Androide 17 foi ajudá-la. A Androide 18 largou um desmaiado Tenshinhan para contra-atacar seus oponentes, contudo, fez a proeza de pegar Trunks pelo tornozelo, girá-lo e jogá-lo contra Vegeta. Pai e filho saíram voando por uma longa distância até atingirem outra formação rochosa e serem soterrados.
Um profundo silêncio caiu.
Olhei para os lados, mas só avistei os Androides 17 e 18.
Eu estava por conta própria.
Mesmo não havendo lutado nada, eu ofegava, encarando-os, rígido no meu lugar. O casal de irmãos também me encarava de volta.
O mesmo desconforto que emanava da Androide 18 agora também emanava do Androide 17 enquanto ele cuspia uma mistura de sangue e fluidos, provavelmente resultado do soco de Lettie.
— Você está forte, Namekuseijin. — Ele limpou a boca com a manga comprida. — Mais forte do que os meus registros calcularam. O que você fez? É alguma técnica especial?
Não respondi. Mantive-me firme, olho no olho. O Androide 17 trocou o peso de um pé para o outro.
— Quem é aquele garoto? — indagou ele. — O outro Saiyajin? Não o tenho nos meus registros.
Também não respondi. Percebi que o desconforto do Androide 17 aumentou. Sua irmã nos observava em silêncio.
— Ora essa, vamos lá! — Ele abanou as mãos. — Eu não gosto de monólogos e…
— O que vocês querem?! — Minha voz grossa ecoou ao redor.
Foi impressão minha, ou ele se encolheu um pouco? A Androide 18 arregalou os olhos, isso eu vi, tenho certeza.
— PICCOLO! CUIDADO COM ELES, HEIN? — Alguém gritou da estrada lá em cima.
Ah, era Kuririn. Só agora percebi que ele havia ficado para trás. Deve ter paralisado de medo.
O Androide 17 o ignorou e me respondeu com um meio sorriso:
— É um jogo.
Franzi o cenho, confuso. Ele continuou:
— Como Androides, fomos criados com o objetivo de matar Son Goku. Mas como humanos, queremos que seja divertido. Por isso se tornou um jogo para nós. Veja bem, nem vou perder meu tempo te perguntando onde fica a casa dele, pois será mais divertido nós procurarmos por conta própria e manter o "suspense" da nossa chegada surpresa. — Ele abriu os braços. — Vamos lá, Piccolo, por que não se junta a nós? Afinal, você também já desejou derrotar Goku um dia, não é? Ah, na verdade, você até conseguiu! Matou-o com suas próprias mãos. Meus mais sinceros parabéns!
Meu corpo formigou, e aquele mesmo sentimento implacável de culpa pela morte de Goku que por tantos anos me dilacerou, me atingiu de novo sem misericórdia.
Porém, também me lembrei dos incontáveis perdões que já recebi; de Lettie, de Gohan, de Kami-sama e, por fim, com a ajuda do meu Amigo, de mim mesmo.
— Você é um dissimulado — respondi ao Androide 17, entredentes.
— Nossa, Piccolo — replicou ele. — Assim você me ofende.
— Essa é a intenção.
O Androide 17 engoliu em seco.
— Bom… — disse ele, após limpar a garganta. — Como eu disse, é um jogo. E esta foi só a primeira fase. Ainda está cedo para eu te derrotar, portanto, deixarei você viver. — Seus olhos se escureceram ao miraram no fundo da minha alma. — Nos encontraremos de novo, tenho certeza. — Ele então voltou-se para a Androide 18. — Vamos, irmã.
— Ei! — Os chamei, e eles se viraram. — Só pra constar. — Mantive o meu tom firme. — Pode ser um jogo pra vocês, mas pra mim, não. E diferente de você, Androide 17, farei de tudo para que você suma da face dessa Terra.
As narinas dele se inflaram e a Androide 18 ficou branca. Finalmente consegui ler os seus sentimentos: medo. Eles desviaram o olhar e flutuaram até pousarem próximos a Kuririn na estrada acima (que pulou de susto), e começaram a andar até o Androide 16 que os aguardava a uma distância.
Após levantarem voo, foram embora.
Soltei um longo suspiro, enfim sentindo a tensão em meus ombros aliviar.
— Piccolo! — Outra pessoa me chamou logo atrás. Era Lettie. Ela vinha correndo do buraco na formação rochosa, toda suja, ofegante e com a roupa rasgada.
— Oi, amor. — Me dei o luxo de usar um apelido carinhoso, visto que Tenshinhan estava inconsciente e Kuririn ainda estava lá em cima na estrada. — Você está bem? Não se preocupe, Trunks também está soterrado por aí com Vegeta. Aliás, gostei do soco que você deu no Número 17.
— É… Foi um bom soco… — Ela girou o ombro com uma careta. — Ai… Mas aquele safado me acertou de jeito. — Ela então me olhou com um bico. — Pode trocar essa roupa de inverno, por favor? Aqui já está calor e estou só o bagaço.
Como todo homem são, fiz o que ela pediu e, de quebra, também troquei as roupas de Tenshinhan e de Kuririn para seus uniformes normais (Kuririn levou outro susto ao ver suas roupas mudarem do nada).
Minutos depois, todos nós nos reunimos e demos uma Semente dos Deuses para Vegeta e Tenshinhan, pois eles estavam no pior estado. Trunks ficou chateado por ter quebrado a ponta de sua espada.
— Foi Naíma quem fez para mim… — Ele esboçou um sorriso triste.
Minha noiva cobriu a boca enquanto trocava olhares atônitos comigo. Nossa filha construiu a espada que cortou Freeza no meio?! Uau…
— E agora? — perguntou Kuririn. — O que iremos fazer? Os Androides foram embora e… EI, VEGETA, ESPERE!!!
Vegeta simplesmente havia saído voando em alta velocidade. Ninguém entendeu nada. Trunks tomou impulso para também voar, mas eu o impedi.
— Pare! Não vá atrás dele! — exclamei. — Deixe-o sozinho.
— M-Mas por quê? — replicou ele. — Não é melhor impedi-lo de fazer outra besteira??
Eu e Lettie nos entreolhamos, decerto pensando a mesma coisa.
— Trunks, querido… — começou ela, usando a mesma entonação materna que usava quando explicava algo para Naíma ou Gohan. — Veja bem, quando Vegeta conseguiu se transformar em um Super Saiyajin, ele recuperou sua autoconfiança, e ela se elevou a níveis exorbitantes. E, infelizmente, na cabeça de um homem… hã… de um homem como o seu pai, mesmo sendo uma Androide, ele… ele apanhou de uma mulher.
Pesarosos, todos concordaram, e então, eu completei:
— E isso, com toda a certeza, foi um grande golpe no orgulho de Vegeta.