LETTIE
— Piccolo, tem certeza de que este Ki pertence ao tal do Freeza?
Nós dois voávamos para a casa de Chi-chi, o mais rápido possível que uma mãe com uma bebê de oito meses no colo conseguia. Naíma se agarrava ao meu uniforme, presa no canguru. A pobrezinha já parecia entender a altura que estávamos.
— Sim, tenho certeza — respondeu Piccolo, soturno. — Eu reconheceria seu Ki a uma galáxia de distância.
Lá estava ele com aquela cara de preocupação outra vez; a mesma que esboçou desde o dia que retornou. Eu podia ver as veias pulsando em sua têmpora.
Meu coração doía penosamente ao vê-lo naquele estado. Desejei tocá-lo e dizer que tudo ficaria bem, mas não o fiz, o que só me causou mais dor.
— Acha que ele está vindo para a Terra? — perguntei para afastar meus pensamentos.
— Não sei… — Ele me olhou de soslaio. — E temo saber a resposta.
Permanecemos em silêncio até pousarmos no gramado da casa do meu irmão. Para nossa surpresa, tanto minha cunhada e sobrinho estavam lá, como se estivessem nos esperando.
— O que está acontecendo?! — indagou Chi-chi, aflita. — Gohan me disse que sentiu a presença de um Ki maligno. É aquele Freeza?
— Ao que tudo indica, sim — respondeu Piccolo.
— Precisamos investigar isso direito, Sr. Piccolo! — disse Gohan, o qual já usava um uniforme Saiyajin que havia ganhado quando foi a Namekusei; um macacão azul com uma armadura branca no peito e ombreiras amarelas. Eu não gostava muito daquele uniforme, pois Vegeta usara um parecido em nossa batalha, e não me trazia boas lembranças.
— Concordo com você, Gohan. — Tirei Naíma do canguru e a entreguei para Chi-chi. — Você faria a gentileza de ficar com ela enquanto investigamos? Não quero levá-la para um… possível conflito.
— C-Claro — replicou Chi-chi, ainda insegura com toda a notícia. — Mas, e suas aulas, Lettie? Estamos no meio da semana.
— Não se preocupe. Já avisei os alunos que tive uma emergência. — Suspirei e coloquei as mãos na cintura. — Porém, não nego de que já está na hora de eu contratar um professor substituto.
— Precisamos ir — disse Piccolo. — Não há tempo a perder.
— Certo. — Chi-chi virou-se para Gohan. — Tome cuidado, meu filho. Não saia de perto da sua tia e do Piccolo.
Os dois se abraçaram e esbocei um pequeno sorriso. Em outras circunstâncias, duvido que Chi-chi permitiria que Gohan largasse os estudos para lutar. Aposto que ele teria que fugir de casa para conseguir sair. Mas agora, ela o deixava ir por livre e espontânea vontade.
— Tchau, meu amor. — Beijei a bochecha da minha filha, me contendo para não demonstrar o quanto eu detestava me despedir dela. — A mamãe já volta.
Os olhos de Naíma se encheram de lágrimas e ela fez um bico tão grande que quase desmaiei. Tive que pegá-la no colo para um abraço e mais inúmeros beijos. Antes de levantarmos voo, Piccolo afagou os cabelos negros dela. Eu sabia que ele sentia o mesmo que eu em deixá-la. Sua expressão não mentia.
Enfim partimos, deixando Chi-chi e Naíma para trás. Eu só esperava que, qualquer que fosse a ameaça daquele Freeza, não as alcançasse. Voamos por um bom tempo até chegarmos numa área inóspita coberta por grama e repleta de pequenos morros ao redor.
— Muita atenção, vocês dois — alertou Piccolo. — Diminuam seus Kis ao máximo. Precisamos nos camuflar.
Apesar da região ser inóspita, não estava inabitada. Os outros guerreiros estavam lá; Yamcha, Tenshinhan, Chaos, Kuririn… e até Bulma, com um gatinho azul chamado Pual. Entretanto, o clima entre eles não era nada cordial, porque, além deles, outra pessoa estava lá: Vegeta.
Pelo visto, eu não era a única que não ia com sua cara. Tenho certeza de que os outros guerreiros não esqueceram como foram brutalmente assassinados por sua causa. Não era nada agradável para mim, rever o responsável pelo pior dia da minha vida; o dia que perdi o homem que amo. Percebi como Piccolo ficou na defensiva quando o viu, se posicionando ao meu lado de um modo protetor. Ele era o único que me fazia me sentir segura perto de Vegeta.
Mas, Vegeta não estava com toda aquela pompa que exibia antes. Na verdade, parecia até meio constrangido, ainda mais com o modelito brega que usava: uma camisa rosa choque com calças amarelas. Que horror.
Chegamos num momento em que Yamcha tentava apaziguar um conflito entre Tenshinhan e Vegeta. No entanto, a ameaça de Freeza falou mais alto. Ao longe, entrecortando as densas nuvens brancas, uma gigantesca espaçonave redonda e achatada passou acima de nossas cabeças, trazendo uma onda fortíssima de vento, tão intensa que Piccolo trouxe eu e Gohan para perto de si e nos cobriu com sua capa.
Todos ficaram em completo choque e estupefação. A espaçonave continuou num rasante até pousar quilômetros a frente, atrás de diversas elevações, oculta aos nossos olhos.
Então, fez-se silêncio.
O único som era o de nossas respirações nervosas. Bulma desmontou no chão, tremendo de medo, abraçada a Pual.
— E-Eu… não posso acreditar! — exclamou Gohan. — Freeza ainda está vivo! Eu senti o seu Ki. Ele estava dentro da espaçonave!
— E também tem outro ser poderoso com ele — completou Kuririn; seus olhos arregalados em pavor.
Eu e Piccolo trocamos semblantes aflitos. Eu poderia não conhecer Freeza pessoalmente, mas sua terrível fama chegou até mim através dos relatos de Piccolo de quando lutaram em Namekusei. E agora, essa ameaça chegou à Terra.
Temi profundamente pela vida da minha bebê.
Me sobressaltei ao ouvir a voz autoritária de Vegeta:
— Escutem! Nem se atrevam a se aproximar daquela espaçonave voando! Temos que ir andando, para eles não nos detectarem com seus rastreadores.
Virei-me para Piccolo. Seu olhar estava cada vez mais preocupado e sombrio. Uma gota de suor escorreu pela lateral de sua cabeça. Por fim, fiz o que desejava antes e toquei seu braço para acalmá-lo. Pareceu resolver um pouco, pois ele me deu um meio sorriso tranquilizador.
— Vamos? — Piccolo olhou para mim e Gohan, apertando nossos ombros, e concordamos com a cabeça, determinados.
Tive uma sensação de déjà vu. Era como se retornássemos para o campo de batalha contra os Saiyajins, na espera ansiosa pelo nosso inimigo. Mas agora, não havia mais a perspectiva do meu irmão aparecer para vir ao nosso socorro.
Fizemos menção de começar a andar, mas Yamcha nos impediu:
— Esperem! A-Antes de mais nada, me digam, t-tem certeza de que é Freeza que está com esse Ki monstruoso?!
— Pior que é, sim — respondeu Gohan. — Mas esse não é todo o poder dele. Ainda falta muito para ele chegar ao limite.
— Como é que é?? — indaguei quando um calafrio percorreu minha espinha.
Tenshinhan também ficou tão embasbacado quanto eu:
— E vocês se atreveram a lutar contra um inimigo tão poderoso assim em Namekusei?!
— Isso só pode ser uma piada! — exclamou Yamcha, encarando todos com olhos arregalados e assustados. — Se formos até aquela espaçonave, o que poderemos fazer??? Ninguém será capaz de vencer essa besta! Ainda mais agora, sabendo que tem mais de um Ki nos esperando! NÃO VAMOS PODER FAZER NADA!!!
O clima estava carregadíssimo, e agora, a sensação de déjà vu se tornou mais forte. Todos estavam morrendo de medo! Não duvido de que eu não era a única que desenvolveu algum tipo de transtorno após tudo o que passamos contra Nappa e Vegeta.
Vegeta…
Pior do que tudo isso era vê-lo ali, literalmente ao nosso lado, com sua típica feição irritada. Me pergunto o que se passava na sua cabeça. Será que sabia o quanto era desprezado pelo nosso grupo?
A voz de Piccolo sobressaiu minhas indagações:
— E o que você fará, Yamcha? — Ele o olhava com uma expressão séria e fechada. — Vai ficar aqui? Faça como quiser. Todos sabemos que não podemos fazer nada.
O encarei, atônita. Como Piccolo, que sempre se mostrava esperançoso diante as ameaças, se tornara tão… pessimista?
Suas palavras não só atingiram a mim, mas todos os demais. Um silêncio quase palpável caiu sobre nós, o que só evidenciou o nosso pavor. Sem querer, olhei para as minhas mãos. Elas tremiam.
— Querem que eu diga a verdade? — Vegeta virou-se para nós com um sorriso sádico no rosto. — Este é o fim do planeta Terra!
Aquele sorriso… Era como se ele gostasse da possibilidade de sermos todos mortos por Freeza; como se esse novo inimigo estivesse fazendo o que ele e Nappa não conseguiram quando lutaram contra nós.
Diante sua declaração, minhas mãos não tremeram mais de medo, mas sim, de raiva. Dei um passo a frente e respondi:
— Diga isso por você mesmo! Enquanto eu estiver viva, lutarei para proteger este lugar. Não permitirei que um maníaco narcisista mate minha filha!
Vegeta bufou e revirou os olhos em tédio. Contudo, felizmente, pareceu que minhas palavras deram um pouco de coragem aos outros. Piccolo me deu um pequeno sorriso e foi o primeiro a puxar a fila para enfim começarmos a andar até a espaçonave de Freeza.
O terreno era muito irregular, com diversas rochas negras e formações que complicavam nossa passagem a pé. Por diversas vezes, Piccolo precisou me ajudar a escalar, me dando apoio e segurando minhas mãos, enquanto Gohan auxiliava Bulma mais atrás. Mesmo tendo escalado nosso Acampamento incontáveis vezes, depois que se aprende a voar, você perde um pouco a mão de algumas coisas.
— Você está bem? — perguntei baixinho para Piccolo em certo momento.
Ele abriu a boca para falar, mas a fechou e apenas assentiu sem dizer nada. Era nítido em seus olhos o quanto ele estava dolorosamente perturbado com toda a situação. Eu tinha certeza de que ele estava com uma baita dor de cabeça, pois suas têmporas latejavam.
Meus olhos arderam com as lágrimas que contive. Tudo o que eu mais queria era estar em casa, com ele e Naíma. Mas, pelo visto, isto agora era um luxo que não poderíamos ter.
De repente, todos pararam num sobressalto.
— Vocês sentiram isso??? — exclamei.
— O que foi? — replicou Bulma, assustada. — O que aconteceu? Por que vocês estão agindo assim?
— Mais um Ki apareceu — alertou Kuririn. — Um Ki… gigantesco!
— E este Ki eliminou vários outros — acrescentou Tenshinhan. — De uma vez só!
— Será o Ki de Freeza? — questionou Yamcha.
— Não — respondeu Piccolo, soturno. — Pertence a outra pessoa…
— Sim… — eu disse, devagar. Então, pela primeira vez desde que o enfrentei há cerca de um ano, virei-me para Vegeta e o olhei nos olhos.
Ele também me encarava, suando frio. Em uníssono, nós dois declaramos:
— Este Ki pertence a um Saiyajin, e não é Goku!