PICCOLO
A chegada de Goku elevou o ânimo de todos. Que droga, até eu fiquei feliz em vê-lo sair daquela cápsula, mostrando-se todo confuso com a inesperada recepção. Lettie e Gohan choraram de emoção enquanto ele flutuava para fora da cratera até nós.
— PAPAI!!! PAPAI!!! — Gohan pulou no lugar. — QUE SAUDADES!!!
Não sei o porquê, mas sua entonação emotiva ao reencontrar o pai mexeu comigo. Sem querer, a imagem de Naíma surgiu em minha cabeça.
— Olá, pessoal! — cumprimentou Goku. — Que surpresa encontrá-los aqui! Como ficaram sabendo que eu chegaria a este lugar?
— Foi este moço! — Lettie sorriu para o rapaz misterioso. — Ele sabia o lugar e a hora em que você ia pousar!
— Papai, você o conhece? — indagou Gohan.
— Não faço ideia. Quem é ele?
Ué? Goku não o conhecia? Ahhh, eu sabia, SABIA que tinha algo de estranho com aquele rapaz! Não fui o único a achar aquilo. Todos se mostraram perplexos com sua resposta negativa.
— Tem certeza? — questionou Bulma. — Você é meio esquecido, Goku.
— Eu juro. Nunca o vi na minha vida.
Eu e Lettie nos entreolhamos, conturbados, e nos viramos para o rapaz, que permanecia em um silêncio ansioso.
— Isso é mesmo um mistério! — alegou Bulma. — Porque ele parece saber TUDO sobre você, Goku.
— Sério? Isso é estranho. — Ele colocou a mão no queixo, pensativo. — Percebi que os homens de Freeza me localizaram e sabiam que horas eu chegaria na Terra, mas, eu só não entendo uma coisa. Quem foi que derrotou Freeza e todos os outros? Eu senti um Ki surpreendente! Hã… Foi algum de vocês, Piccolo ou Lettie? — Ele virou-se para nós. — Ou… talvez você, Vegeta?
— Não. — Minha voz ressoou. — Foi este garoto aqui. Ele acabou com Freeza e todo o seu exército em poucos segundos. Além disso, também pode se transformar em um Super Saiyajin, como você.
— O QUÊ?? — Goku arregalou os olhos. — Um Super Saiyajin?!
Ele e o rapaz se encararam por longos segundos. Ninguém disse nada.
— Caramba!!! — alegrou-se Goku. — Isso é fantástico! E ele é tão novo! É uma surpresa saber que existe outro Saiyajin além de nós quatro, não é, Gohan, Lettie, Vegeta?
— De fato, é surpreendente… — começou Lettie.
— ESTÁ ERRADO, KAKAROTTO! — cortou Vegeta. — Somos os únicos Saiyajins que existem! Isso é um absurdo!!!
Deu pra ver que Lettie reuniu toda a sua paciência para evitar a dor de cabeça de rebater Vegeta. Goku, no entanto, prosseguiu sorrindo:
— Bom, isso não faz diferença para mim. De qualquer modo, você é um Saiyajin, não é mesmo, garoto?
— Ora, é claro que faz diferença! — Bulma colocou as mãos na cintura. — Ah, Goku! Você, como sempre, não leva nada a sério!
O pobrezinho do Gohan olhava de um para o outro, perplexo e confuso, ao lado de sua tia. Acredito que, na sua mente, todo aquele assunto era irrelevante. A única coisa que importava era que seu pai estava de volta. E não o culpo.
Ele abriu a boca para dizer algo, mas o rapaz falou primeiro:
— Goku, eu gostaria de conversar com o senhor. Em particular, por favor.
O clima esquisito em nosso grupo só aumentou. Porém, Goku concordou e os dois saíram voando até pousarem a alguns metros de distância além da cratera. Gohan ficou bem desapontado e abatido, e abraçou a perna de Lettie.
— O que foi, querido? — Ela acariciou seus cabelos.
— Meu pai… — fungou Gohan. — Meu pai nem sequer me abraçou…
Um tiro teria doído menos. Lettie ficou muito sem graça com a constatação do sobrinho, e abriu a boca na tentativa de dizer algo, mas, pelo visto, não encontrou palavras de consolo para tal. Lhe restou apenas o abraçar de volta e afagar suas costas. Os demais também não pareceram felizes com todos aqueles segredos e resmungaram.
Disfarçadamente, me pus a caminhar.
— Aonde você vai? — indagou Lettie, sem me olhar. Eu deveria saber que ela não perdia um único movimento meu.
— Colocar minha super audição em prática. — Dei-lhe uma piscadela.
— Ohhh! — sussurrou ela. — Depois, quero saber tudo, hein?
Trocamos um sorriso, como se fôssemos duas velhas fofoqueiras e, por fim, me distanciei alguns passos e me concentrei para escutar a conversa entre Goku e o rapaz.
— Olha, eu tenho que te agradecer, sério — começou Goku. — Obrigado por derrotar Freeza e os outros. Acho que peguei leve em nossa luta. Eu deveria ter acabado com ele lá em Namekusei.
— Sim, talvez você pudesse ter mesmo derrotado Freeza e seus homens — replicou o rapaz. — Mas não deu por causa do tempo. Então, me vi forçado a intervir na batalha para eliminá-lo.
— Pois é. A nave do Freeza era mais rápida que a minha e chegou aqui antes. Eu já tinha me decidido em acabar com ele por não ter aprendido a lição, mas não foi necessário porque você já fez isto por mim. Agradeço, de verdade.
— Sem problema, Sr. Goku. Seria impossível para você salvar o planeta Terra, afinal, você chegou três horas depois, não é mesmo?
— Não. Não acho. — Riu Goku. — Porque eu aprendi uma técnica nova!
— U-Uma… Uma técnica nova?? — exclamou o rapaz. Aquilo também me deixou bem surpreso, e estreitei os olhos para me concentrar melhor.
— Sim! — respondeu Goku. — Eu aprendi o Teletransporte!
— Teletransporte?! — repetiu o rapaz.
— Foram os habitantes do planeta Yardrat que me ensinaram. Minha nave caiu lá, após minha fuga na batalha contra Freeza. Eles são bem esquisitos, não têm força, mas conhecem muitas técnicas especiais. Eu poderia me teletransportar para a nave de Freeza ou aqui para a Terra em apenas alguns segundos. É fantástico!
Então, quer dizer que agora Goku era capaz de se locomover de uma galáxia para outra num piscar de olhos? Confesso que aquilo era mesmo impressionante. No entanto, senti um incômodo no meu âmago e me surpreendi quando o rapaz externalizou uma questão que rondou meus pensamentos:
— Ora, Sr. Goku… — Ele soava nervoso. — Desculpe minha audácia em perguntar, mas, se podia teletransportar-se a qualquer momento e de qualquer lugar, por que não voltou para a Terra antes? Por que ficou tanto tempo fora?
Fez-se silêncio. Então, Goku respondeu:
— Ah, sei lá! Eu queria ficar treinando mais um pouco! — E riu, como se fosse a resposta mais inocente do mundo.
Olhei de esguelha para Gohan. Seus olhos ainda estavam inchados após ter chorado em silêncio nos braços de sua tia. Li seus sentimentos: decepção e tristeza. Ao me dar conta deles, minha felicidade de ter reencontrado Goku deu lugar a uma leve onda de raiva. Acho que ele não acharia tanta graça se soubesse o quanto sua ausência paterna estava destruindo seu filho de apenas seis anos.
Meus pensamentos foram interrompidos pelas palavras do rapaz:
— Puxa… Eu… Eu não sabia que você tinha aprendido a se teletransportar. Por isso programei a minha nave com três horas de antecedência. — Sua voz se tornou grave e carregada de preocupação. — Acabo de cometer um grande erro. Mudei a História sem motivo algum. E, ao invés de encontrar apenas você, Sr. Goku, encontrei todos os outros. Inclusive, pessoas as quais não deveriam me ver.
Goku ficou tão transtornado quanto eu com todo esse papo de "mudar a História". O que aquele rapaz quis dizer com programar sua nave com três horas de antecedência? Por que falava em enigmas?
Era tudo muito estranho e, confesso, assustador para mim. Quando senti o Ki de Freeza se aproximando da Terra, quase surtei. Toda a destruição que presenciei em meu sonho ameaçou se concretizar com a iminente chegada daquele lagarto psicopata. A presença de Freeza poderia significar a morte de Lettie, Naíma e Gohan. Meu sonho poderia se realizar a qualquer instante! Mas então, este rapaz apareceu, derrotou Freeza como se ele fosse um mero inseto, e deixou mais dúvidas do que respostas em minha mente.
— Bom, Sr. Goku — continuou ele. — De qualquer modo, tenho outra pergunta. Você pode se transformar em um Super Saiyajin conforme sua vontade ou tem alguma dificuldade para isso?
— Olha, no começo era impossível para mim, mas depois que treinei bastante, agora, consigo me transformar sem problemas.
— Poderia me fazer a gentileza de se transformar num Super Saiyajin?
— Hã?! — indagou Goku. — Sério?!
— Por favor.
Eles ficaram quietos por um momento. Eu não entendia nada. De repente, o Ki de Goku se elevou a níveis exorbitantes. Todos se alarmaram ao meu lado da cratera. Então, uma aura cresceu em volta dele, seus olhos se iluminaram num tom de azul-claro, e seus cabelos se tornaram amarelos, flamejantes como um fogo vivo.
Lettie arquejou, num misto de incredulidade e estupefação. Não só ela, mas também alguns dos outros, pois era a primeira vez que viam Goku se transformar em Super Saiyajin.
— I-I-Isso é… Isso é… — gaguejou ela, cobrindo a boca com as mãos. — Magnífico! Nunca vi algo tão… esplendoroso!
— Então, essa é a aparência de um Super Saiyajin?! — exclamou Tenshinhan.
— É um Ki impressionante! — completou Yamcha. — E ele nem está lutando!
De fato, Goku parecia até um ser celestial. Foi impossível não demonstrar o quanto eu também estava deslumbrado, ao testemunhar sua transformação.
— Bom, fiz o que me pediu — disse Goku.
— Agradeço muito, senhor — respondeu o rapaz. — Estou surpreso! Você se parece muito comigo quando me transformo num Super Saiyajin.
— Certo. E agora? O que quer que eu faça?
— Eu também vou me transformar.
Do mesmo modo que Goku, o rapaz se transformou em um Super Saiyajin. Nosso grupo ficou ainda mais abismado. Vegeta até os xingou de cretinos, tamanha deveria ser a sua inveja. Porém, acima disso, senti Goku também ficar perplexo. Afinal, ele não tinha visto o jovem misterioso derrotar Freeza.
— Olha só! — exclamou ele. — A gente se parece mesmo!
— Sim. Agora, se me permite… — O rapaz tirou sua espada num movimento rápido e, sem mais nem menos, saltou pra cima de Goku, pronto para fatiá-lo como fez com Freeza.
Todos gritaram.
Mas o rapaz parou.
Silêncio.
— O que está acontecendo, Piccolo??? — Lettie me cutucou, desesperada. — O que eles estão fazendo?! Por que o garoto atacou meu irmão?!
— Calma! — respondi. — Deixe-me terminar de escutar tudo e já te falo!
Lettie não gostou muito da minha resposta, mas voltou a se posicionar ao lado de um Gohan aterrorizado com a possibilidade de perder o pai pela terceira vez.
Lá de longe, o rapaz indagou a Goku:
— Por que não fugiu do meu ataque?
— Porque não senti más intenções em você. Eu sabia que você ia parar.
O rapaz baixou a espada e, após um momento de silêncio, prosseguiu:
— Entendi, mas desta vez, não vou parar. — Ele firmou as mãos no punho de sua espada e se posicionou. — Está pronto?
— Manda bala! — Goku levantou o dedo indicador direito na frente do rosto e sua mão se iluminou em sua aura Super Saiyajin.
Uma luta começou. Como dois raios amarelos, o rapaz investia com sua espada contra Goku, o qual bloqueava todos os golpes só com o dedo, numa facilidade e destreza que nunca vi igual. Era incrível!
— Ah!!! Eu não aguento mais! — Lettie brotou do meu lado de novo. — Me diga o que está acontecendo, Piccolo! Por favor!
— Está tudo bem. — Procurei tranquilizá-la. — O garoto está apenas testando as habilidades de Goku. Só isso. Seu irmão não corre perigo.
Lettie resmungou, mas aceitou minha explicação. Entretanto, confirmando minhas palavras, o rapaz voltou à sua forma normal e guardou a espada, voltando a conversar:
— Excepcional, Sr. Goku! As histórias que me contaram sobre você são verdadeiras. Não, são ainda melhores!
— Obrigado. — Goku também voltou ao normal. Este ato pelo menos fez Lettie e Gohan suspirarem de alívio.
— Pois bem, então — disse o rapaz. — Agora vejo que posso confiar em você. Irei te contar tudo, mas, por favor, mantenha em segredo absoluto.
— Pode contar, sem medo. Minha boca é um túmulo.
Li os sentimentos do rapaz e exalavam preocupação e receio. Ele respirou fundo por um instante e, por fim, revelou:
— Vai parecer loucura, mas eu vim de cerca de vinte anos do futuro. Cheguei aqui através de uma máquina do tempo.
Oi?
Futuro?
Máquina do tempo?
Ora, que porcaria de conversa era aquela?! Estávamos, por acaso, em um filme de ficção científica?
O problema foi que os sentimentos daquele rapaz eram verdadeiros. Minhas habilidades de leitura detectaram a sua honestidade.
Ele não estava mentindo.
Um calafrio percorreu minha espinha ao me dar conta daquilo.
— Como é que é?? — exclamou Goku. — Você veio de vinte anos do futuro??
— Sim. Meu nome é Trunks. Agora, deve estar se perguntando o porquê tenho sangue Saiyajin. A resposta é simples: Vegeta é meu pai.
QUÊ???????????
E-Espere um pouco aí! Aquele garoto… Aquele… Trunks… era filho… do Vegeta???
Isso quer dizer que… AH, NÃO! Essa não!!!
Será que… ele é filho do Vegeta com a… Lettie?! Aquele desgraçado a forçou a fazer o que ele tinha em mente quando nos enfrentou???
NÃO, NÃO, NÃO, NÃO, NÃO, NÃO, NÃO, NÃO, NÃO, NÃO, NÃO, NÃO, NÃO, NÃO, NÃO, NÃO, NÃO, NÃO, NÃO, NÃO, NÃO, NÃO, NÃO, NÃO, NÃO, NÃO, NÃO, NÃO, NÃO, NÃO, NÃO, NÃO, NÃO, NÃO, NÃO, NÃO, NÃO, NÃO, NÃO, NÃO, NÃO, NÃO, NÃO, NÃO, NÃO, NÃO, NÃO, NÃO, NÃO, NÃO, NÃO, NÃO, NÃO, NÃO, NÃO, NÃO, NÃO, NÃO, NÃO, NÃO, NÃO, NÃO, NÃO, NÃO, NÃO, NÃO, NÃO, NÃO, NÃO!!!!!!
— Piccolo? Você está bem? — Lettie tocou no meu braço. — Está pálido como uma folha de papel. Sobre o quê eles estão conversando agora?
— E-E-Estou bem! — Menti, suando frio. — É-É o calor! Está muito quente. Não se preocupe. — E me virei para disfarçar meu completo desespero e voltar a escutar a conversa.
— Caraca! — guinchou Goku. — Vegeta é mesmo o seu pai?! Espere aí, então, EITAAAAAAAAAA, q-quer dizer que ele se casou com… A MINHA IRMÃ?!?! Você é filho da Lettie??? É meu sobrinho???
Sabe-se lá como não infartei ouvindo Goku dizendo em voz alta um dos meus piores pesadelos.
— Não, não — respondeu Trunks. — Lettie não é minha mãe.
AH, QUE ALÍVIO!!! Agora, posso respirar!
— A Sra. Lettie — prosseguiu Trunks — tem uma filha adotiva chamada Naíma, que é como uma irmã mais velha para mim. Naíma me contou que sua mãe tinha um relacionamento amoroso complicado com o Sr. Piccolo, o qual ela considerava como seu pai.
Eu juro, juro que quase desabei ao ouvir o relato de Trunks sobre a minha vida amorosa com Lettie e minha paternidade com Naíma.
— COMO É QUE É?!?!? — O tom de Goku era alegre e surpreso. — Lettie e Piccolo??? Que casal mais… improvável! HAHAHA! Ora essa, nunca imaginei que Piccolo se deixaria levar por romantismo! As pessoas mudam mesmo! Explica essa história direito!
Relevei o comentário idiota de Goku, pois Trunks o respondeu:
— Naíma também não se lembra muito bem, pois era pequena na época. A única coisa que se lembra é que a Sra. Lettie e o Sr. Piccolo se amavam muito, mas só assumiram seus sentimentos quando… — Trunks pausou por um momento, e percebi tristeza em sua voz: — Quando já era tarde demais.
Senti um arrepio por todo o meu corpo.
O que ele quis dizer com "tarde demais"? O que houve comigo e com Lettie no futuro?
Goku também se mostrou confuso. Os sentimentos ansiosos de Trunks ficavam cada vez mais fortes e, então, ele pausou outra vez, respirou fundo e revelou:
— Sr. Goku, preste atenção, pois lhe contarei algo muito importante. Daqui a três anos, no dia 12 de maio, por volta das dez da manhã, em uma ilha que fica a nove quilômetros da Capital do Sul, dois seres poderosos vão aparecer. Serão monstros terríveis que ninguém dominará, e todos pensarão que não são deste planeta.
— Nossa. — A entonação de Goku era soturna. — E quem são eles? Alienígenas?
— Não. São Androides superdotados, feitos aqui na Terra, mesmo. Também conhecidos como ciborgues ou humanos cibernéticos. Seu criador é um dos cientistas loucos da famosa Red Ribbon, o Dr. Gero.
Goku ficou bem perplexo ao saber que um de seus inimigos da infância retornaria, com força total. Pelo que entendi, o Dr. Gero sobreviveu aos ataques de Goku há muitos anos e continuou suas pesquisas.
— Mas, pra quê essa bobagem?! — indagou Goku. — Ele ainda está com aquela ideia idiota de dominar o mundo? Que clichê!
— Foi o que a Sra. Lettie disse quando também soube. — Riu Trunks. — Eu não sei qual era o objetivo real do Dr. Gero, mas acho que queria satisfazer essa ambição.
Apesar do meu espírito conturbado com todas aquelas informações, ri internamente e também senti uma pontada de vergonha ao me dar conta que todo aquele papo de "vilão-clichê-que-quer-dominar-o-mundo" começou comigo, quando conheci Lettie na ilha do Mestre Kame.
Bom, como Goku disse… As pessoas mudam. Ainda bem.
— Entretanto… — prosseguiu Trunks. — Os Androides que o Dr. Gero construiu durante tantos anos o mataram. Se voltaram contra o próprio criador.
Fez-se silêncio.
— Resumindo — concluiu Trunks —, esses Androides, que só sabem dizimar pessoas e cidades inteiras, ainda estão vivos e muito fortes.
— Olha… — suspirou Goku. — Se um garoto como você, que foi capaz de derrotar Freeza e seus homens na forma de Super Saiyajin, vem aqui e me diz que esses inimigos do futuro são uns monstros, então, se trata de um assunto gravíssimo!
— Sim, senhor. — A voz de Trunks estremeceu com nítido pesar. — Eu tentei lutar contra eles, mas eram dois adversários invencíveis e não pude fazer nada! Como só tinha eu, não tive outra opção a não ser fugir e se esconder.
— E-Espere aí! — exclamou Goku. — Como assim, só você lutou? E quanto aos outros guerreiros?! Não tinha ninguém para lhe ajudar?!
— Não, senhor — respondeu Trunks de um modo sombrio. — Lamento dizer, mas sou o único guerreiro que restou após vinte anos.
Goku arquejou em horror e meu coração disparou em pânico. O que aconteceu comigo e com Lettie??? E Naíma?!
— É isso mesmo que ouviu, Sr. Goku! — Trunks conteve um choro. — Na luta que vai acontecer daqui a três anos, meu pai Vegeta, Kuririn, Yamcha, Tenshinhan, Chaos, Piccolo e sua irmã Lettie… todos serão assassinados por esses Androides! — Ele pausou para recuperar o fôlego. — Além de mim, Gohan foi o único que sobreviveu, e por pouco! Ele se tornou o meu Mestre e me ensinou tudo o que sei, mas, infelizmente… e-ele morreu após alguns anos.
Assim como eu, Goku ficou estupefato. Seus sentimentos eram de profunda desolação. Sendo honesto, não sei dizer como consegui disfarçar todas as minhas reações para Lettie parada ao meu lado, ainda observando compenetrada aquele rapaz misterioso e seu irmão conversarem sabe-se-lá o quê.
— Contudo, Sr. Goku — continuou Trunks — você sabe muito bem que, se o Sr. Piccolo morre, as Esferas do Dragão desaparecem, por isso não conseguimos ressuscitar ninguém.
"Está vendo, Piccolo?" ameaçou meu Inimigo. "Vê como a morte te persegue em qualquer lugar, tempo ou espaço? Não há escapatória para você, nem para aqueles que ama. Lettie morreu e vocês deixaram Naíma órfã."
Minha cabeça latejou de dor e angústia. Não… Aquilo não podia estar acontecendo…
Meu sonho estava se concretizando no futuro de Trunks. Lettie e eu estávamos mortos, e pelo visto, Naíma corria grande perigo! Será que ela estava bem ou… também já tinha perecido?
— M-M-Mas, Trunks… — Goku estava tão nervoso quanto eu. — Vocês não tentaram impedir toda essa desgraça com as Esferas do Dragão, antes de Piccolo morrer? Por que não pediram para Shenlong destruir estes Androides maníacos?
— Desculpe meu tom, Sr. Goku, mas, acha mesmo que não foi a primeira coisa que passou pela nossa cabeça quando nos vimos diante tal ameaça? Porém, quando invocamos Shenlong e fizemos o pedido, ele recusou. Disse que a aparição dos Androides é um evento canônico e não pode ser impedido. A única coisa que podemos fazer é alterar as consequências deste evento. E é o que estou fazendo aqui e agora com o senhor. Veja bem, a medida que o tempo foi passando, os Androides foram assassinando as pessoas como se fosse uma diversão. E por culpa deles, o futuro deste mundo virou um terrível inferno. Eles são muito fortes!!! Mais do que podemos calcular!!!
— CALMA, CALMA AÍ! — exaltou-se Goku. — E quanto a mim??? O que aconteceu comigo? Eu também morri na luta?!
— Não, senhor. Você nem sequer chegou a lutar. Em breve, você vai pegar uma doença muito grave e morrerá por causa dela.
— QUÊ??????? — retrucou Goku.
— Você terá uma doença séria no coração, proveniente de um vírus raro e poderoso. E, mesmo sendo um Super Saiyajin, não será capaz de vencer a doença.
Caramba. Aquilo me pegou de surpresa. Goku irá morrer por causa de… uma doença? E não em uma luta ferrenha contra um adversário?
— Eu não posso acreditar! — replicou Goku. — Achei que as Sementes dos Deuses curassem as doenças! — Sua voz então ficou receosa. — Escuta, por acaso Gohan ou Lettie também ficarão doentes? Afinal, compartilhamos do mesmo sangue.
— Não — garantiu Trunks. — Fique tranquilo em relação a isso. Não é uma doença genética. Por se tratar de um vírus, qualquer pessoa pode pegar e, infelizmente, o senhor pegou.
Ufa. Um peso a menos pra minha cabeça. Seria terrível eu ter que me preocupar que Lettie poderia ter um infarto ou Gohan ficar super doente a qualquer momento. No entanto, os sentimentos de Goku eram de pura indignação.
— AH, QUE DROGA! Então, eu vou morrer?? — esbravejou ele. — É tão injusto, eu queria tanto lutar contra esses Androides!!!
— O senhor está mais preocupado em não lutar do que com a doença no coração? — inquiriu Trunks. — Não teme a morte?
— Claro que temo! Mas esses caras parecem ser muito fortes, e eu queria muito uma chance de enfrentá-los numa batalha!
Trunks riu.
— Sem dúvidas, você é um verdadeiro guerreiro Saiyajin. Tudo o que me contaram sobre o senhor era verdade. É uma pessoa digna de confiança. Ainda bem que vim para esta linha do tempo. — De longe, vi Trunks tirar algo do bolso da jaqueta e entregar a Goku. — Escute, caso se sinta mal do coração, tome isto. É o seu remédio. Atualmente, sua doença é incurável, mas daqui a vinte anos, já terão desenvolvido uma cura. Se tomar direitinho, o vírus será exterminado e viverá por muito tempo.
— Ahhh, tá brincando?! — alegrou-se Goku. — Por que não disse antes?
— Preste atenção, senhor. O que estou fazendo não é correto. Acabo de mudar a História ao vir aqui e te alertar de todos estes perigos. Mas, é melhor do que vocês passarem por todas as dificuldades que enfrentei. Tenho plena confiança de que poderá fazer algo para salvar este planeta. — A voz de Trunks carregou-se de emoção. — Sabe… Antes de morrer na luta contra os Androides, a Sra. Lettie disse a Naíma que, mesmo que tudo parecesse perdido, mesmo que não conseguíssemos ver mais nenhuma saída, ainda havia esperanças. Confesso que, até agora, não consigo ver tal esperança para o meu futuro. Mas, a minha mãe também acredita no que a Sra. Lettie disse, por isso ela se esforçou ao máximo e construiu a máquina do tempo com a ajuda de Naíma. A sua sobrinha desistiu do sonho de se tornar uma bailarina e se dedicou inteiramente em ser a ajudante da minha mãe, afinal, as pessoas não têm tempo para apreciar a arte num mundo onde o caos impera. Foi Naíma quem construiu esta espada que matou Freeza.
Oh!!! Então, foi isso o que aconteceu com a minha filha no futuro de Trunks?!
Quem diria… Minha pequena Naíma, a bebezinha que agora estava com Chi-chi, se tornaria uma bailarina se não fossem as desgraças que caíram em nosso mundo? Era por isso que ela gostava tanto de música clássica e de dançar! Bem que me recordo de no meu sonho vê-la assistindo a um filme com bailarinas.
Mas, será que ela teria essa mesma chance na nossa linha do tempo?
— E-Espera aí, Trunks — gaguejou Goku num súbito nervosismo. — Agora me dei conta de algo! Se Lettie não é sua mãe, e a sua mãe construiu a máquina do tempo… E-E-Então… E-E-Ela é a… é a…!!!
— Isso mesmo. — Trunks apontou em nossa direção. — É a Bulma.
Quase tive a mesma reação de Goku, que foi a de quase cair no chão em perplexidade.
— Olha só… — disse Bulma a uma distância de mim. — Parece que alguma coisa surpreendeu Goku…
— Argh! — reclamou Vegeta. — Quanta enrolação essa conversa! Já estou ficando impaciente!
Caramba…! Quer dizer que Trunks era filho de… Bulma e Vegeta? Realmente, era uma notícia e tanto. Só me pergunto como foi que esses dois conseguiram fazer um filho com um temperamento tão manso, e que parecia possuir um coração reto e justo. Deve ter puxado a família da Bulma…
— Ai, ai… — Goku ria como um bobo alegre. — Que barato! E eu pensava que Bulma se casaria com Yamcha, mas no fim, ficou com o resmungão do Vegeta! Coitadinha, hahaha!
— Bom — respondeu Trunks —, pelo que fiquei sabendo, Yamcha era muito galinha, o que deixou minha mãe brava, e eles terminaram. Ela então reparou como o meu pai era solitário e, quando menos percebeu, estava apaixonada. Mas eles nunca se casaram. Sabe como é minha mãe.
— Pior é que sei. — Goku deu uma olhadela na direção de Bulma. — Ela não toma jeito mesmo!
— Meu pai morreu quando eu também era muito pequeno — disse Trunks. — Portanto, eu não tenho memórias dele. Confesso que o reencontrar aqui me deixou muito emocionado. Aposto que Naíma também ficaria muito feliz em ver a mãe e o pai outra vez.
Dito isso, Trunks olhou para nós, e meu coração falhou.
Devo estar ficando velho, ou maluco, mas suas palavras me tocaram. Por meio dos seus sentimentos, percebi o quanto ele de fato sentia um profundo carinho pelo pai. E pensar que Vegeta o esculachou tanto agora há pouco, chegando a deixá-lo envergonhado.
É verdade que eu não tinha nenhum apreço ou consideração pelo canalha do Vegeta diante tudo o que ele fez eu, Lettie, Gohan e os outros guerreiros sofrerem, e pelo que ainda nos fazia sofrer. Querendo ou não, a presença de Vegeta causava gatilhos no TEPT de Lettie. E, quando você está perto do homem que faz sua preciosa amada sentir medo, não é nada agradável de vivenciar.
Porém, ao observar Trunks e ouvi-lo falar do seu pai com tanto apreço, me peguei pensando: se eu, filho do abominável Piccolo Daimaoh, fui capaz de mudar e transformar meu caráter, será que… Vegeta também não podia?
Olhei de relance para Bulma e Vegeta. Cara… Era muito difícil imaginá-los tendo algum envolvimento, sobretudo romântico.
Entretanto, acima disso tudo, ouvir sobre como Naíma se emocionaria ao reencontrar seus pais tocou nas profundezas da minha alma. Então, quer dizer que, no futuro de Trunks, mesmo que por um curto período antes da nossa morte, eu e Lettie ficamos juntos?
Mas, a pergunta que fica é: o que aconteceu para eu finalmente assumir meus sentimentos para com a mulher que amo? Como foi que a voz do meu Inimigo deixou de me dominar?
Quem foi o responsável por tirar todo o medo que habita em mim?
— Sr. Goku, por favor — pediu Trunks. — Eu suplico, mantenha tudo o que eu disse em segredo! Se meus pais souberem de alguma coisa, pode acontecer de não se gostarem e aí, minha existência correrá um grande risco! Posso até desaparecer deste mundo!
Após suas palavras, pensei melhor e cheguei à conclusão de que nem mesmo eu contaria tudo o que ouvi para Lettie, a qual continuava bem ansiosa ao meu lado, ávida para saber o que conversavam. Ela não poderia descobrir sobre nós dois ou o futuro horrível de Naíma na linha do tempo de Trunks. Eu só esperava que Goku também mantivesse sua boca fechada.
Ele tranquilizou Trunks, e, por fim, ambos encerraram a conversa. Trunks alegou que precisava voltar para passar o relatório de sua viagem no tempo para a mãe e Naíma, e Goku agradeceu pelo remédio e por todas as informações.
— Se eu ainda estiver vivo daqui a três anos — concluiu Trunks —, volto para ajudá-los a enfrentar os Androides. Adeus!
— Adeus! — Goku acenou de volta. — Nós também treinaremos bastante durante os próximos três anos. Não se preocupe. Tudo ficará bem!
Dito isso, Trunks saiu voando, deixando um Goku muito, muito perturbado.