"Humph, nada a comentar? Todos os Soberanos estão sobre o julgo Dele, é mais do que natural nos unir numa causa onde o benefício é mútuo entre os Soberanos, ainda assim, naquela guerra, tirando esse Mestre, nenhum de vocês apareceu para dar assistência. Se tivessem, talvez o resultado teria sido bem diferente." O homem acorrentado demonstrava uma insatisfação clara em relação às ações dos outros Soberanos, no entanto, todos eles ocupavam a mesma posição em poder e principalmente, suas Legiões não tinham tanta diferença entre si, então ter as suas contribuições à força não foi algo possível naquela Era.
"Não precisa dizer mais nada, no momento em que Gabriel apareceu com os Skheruvim, você deveria ter recuado, é tão tolo ao ponto de não saber o quão aterrorizante é a Nona Ordem? Agora, se concordar com nosso acordo traga-o, se não, entenderei o contrário e estarei de saída." A mulher de manto transbordava impaciência com todo o papo furado de Eras passada que não levaria a nenhum lugar.
"Humph." O homem deu um bufo e uma luz estranha brilhou em seus olhos vermelhos como sangue.
Alguns segundos depois, a porta da pequena sala se abriu e uma armadura vermelha bem maior do que as anteriores entrou. Em suas costas, uma majestosa espada de duas mãos que ia da cabeça ao tornozelo repousava, como se por um simples comando do homem de armadura, ela pulasse sozinha para decapitar um exército todo.
"Plop"
A pessoa na armadura caiu de joelhos em um instante.
"Esse subordinado presta respeito ao Mestre, por favor, me instrua." O homem de joelhos não demonstrava um pingo sequer de arrogância. Com um simples comando do homem no trono, essa pessoa entraria num mar de chamas ou uma montanha de lâminas, até mesmo dar sua própria vida era apenas um pequeno ato.
"Ordouer está neste momento com uma companhia no Nono Nível, me traga aquele pedaço de existência o mais rápido possível." Pelo que parece, Ordouer é o nome daquele homem serpente que aplicava o último resquício de punição naquela alma.
"Imediatamente, Mestre." Recebendo sua ordem, o homem na armadura se levantou em um flash e fazendo um cumprimento ao seu Mestre, ele se virou e saiu. Ao passar pela figura de manto negro, o homem não parou nem por um segundo, como se essa mulher na sua frente não representasse nada para ele, tanto sua aparência que poderia dar fim a um império ou sua aura sufocante.
"Keke, subordinado bom você tem aí." Com as minúsculas mãos cobrindo a boca, a mulher zombou. Afinal, mesmo sobre a pressão de sua aura, aquele homem nem tremeu.
"Bang"
"Plop"
As portas se fecharam mais uma vez. Neste momento, aquele homem que acabou de sair da sala caiu de joelho mais uma vez, buscando ar apressadamente, rios de suor gelado escorrendo dentro da armadura. Os poucos segundos que passou naquela sala talvez tivessem sido os piores de sua existência. A aura daquela mulher não é algo que deveria existir. Por um segundo sequer ele chegou a pensar que a aura daquela mulher ainda era mais sufocante do que a do seu Mestre. E tamanha blasfêmia ele não poderia exibir em frente ao seu Mestre, e muito menos fraqueza, então até o último segundo ele suportou toda aquela pressão, podendo se aliviar somente no momento em que as portas se fecharam nas suas costas.
"Suspiro"
Soltando um suspiro de pesar, aquele homem desapareceu em uma sombra vermelha.
"Rangido"
Cerca de um quarto de hora depois a porta se abriu novamente. Mas neste momento, aquele homem de armadura vermelha não entrou sozinho. Em suas mãos, pendia uma corrente preta, essa corrente estava ligada ao pescoço daquela alma e a seus dois pulsos.
"Plop"
"Reportando ao Mestre, sua ordem foi cumprida sem nenhum contratempo." O homem de joelhos mais uma vez trouxe de volta a alma que seu Mestre havia solicitado. Assim que essas palavras deixaram sua boca, ele jogou o braço direito pra frente, que segurava a alma e essa alma voou e com um baque, caiu no chão até os pés do trono do homem lá sentado.
"Bom, bom, muito bom. Sekiei, você pode voltar a seus afazeres, esse Mestre te recompensará mais tarde." Ouvindo de seu Mestre que ele receberá uma recompensa, os olhos de Sekiei brilharam, afinal, essa recompensa viria de seu próprio Mestre e não de seus Comandantes de Legião, então imagina-se o quão generosa seria. Para ele, que ocupava o cargo de General de Miryade, ficar feliz não era um equívoco.
"Esse General obedece. Mestre, por favor, cuide-se". Um brilho estranho passou pelos olhos de Sekiei quando essas palavras voaram, dirigindo um olhar a mulher de manto negro. Então, ele mais uma vez fez um cumprimento a seu Mestre e deixou a sala a passos medidos.
"Rangido"
A porta se fechou mais uma vez e agora somente os três estavam presentes na sala. O olhar do homem acorrentado corria por toda aquela sala procurando saber o motivo de ter vindo parar naquele lugar. Ele não conhecia o homem cheio de correntes brancas dos pés a cabeça e muito menos aquela pessoa que vestia aquele manto preto que cobria o corpo todo. Em algum momento entre a saída e volta de Sekiei, Suanluan colocou o capuz mais uma vez e agora ela parecia realmente uma estátua negra com aquele manto.
Por incrível que pareça, o primeiro a falar foi aquela alma sofrida. Seus olhos azuis como duas gemas vagaram entre a pessoa de manto negro e o homem acorrentado antes de dizer:
"Posso saber porque estou aqui?" Questionou.
"Hehehe, realmente ousado. Mesmo em suas condições, se atreve a questionar esse Mestre." O homem no trono ficou insatisfeito por ser questionado e com um brilho nos olhos, aquela alma começou a se contorcer como se seu corpo estivesse sofrendo uma dor inimaginável. No entanto, apesar de tamanha dor, nem um murmúrio saiu da boca daquela alma.
"Hoo, parece que ele tem alguma habilidade afinal". Um raro sorriso apareceu no rosto daquele homem no trono.
"Chega de seus jogos, ele já passou pelo suficiente." A voz da mulher veio de dentro do manto, apesar de esconder seu rosto, sua voz não foi alterada dessa vez. E esse fato fez com que a alma em dor se contorcer ainda mais, no entanto, foi por um motivo completamente diferente, pois tal voz parecia fazer qualquer um cair num sonho de prazer para nunca mais acordar.
"Humph." Com um bufo do homem no trono, aquela onda de dor se foi tão rápido como veio.
"Tap tap"
Com sons de passos leves à figura de manto foi até a alma que agora estava no meio da sala de tanto rolar de dor. Com um aceno de sua mão, um vento gentil o levantou e colocou sentado. A mulher se aproximou até ficar a poucos centímetros daquela alma sofrida e com um movimento da mão direita, seu dedo indicador encostou naquela corrente que prendia a alma.
"Crak crak"
O ponto de contato entre o dedo e a corrente se transformou em pó no mesmo segundo, e como um efeito em cadeia, toda a corrente se desintegrou até que o pó foi levado embora pelo mesmo vento de antes.
A partir desse momento, aquela alma começou a compreender um pouco as coisas, apesar daquele homem o torturar, aquela mulher, a alma julgou que fosse uma mulher, pois sua voz em conjunto com aquela mão delicada e branca como um cristal só o permitia chegar nessa conclusão, o ajudou de alguma forma, principalmente agora que destruiu aquela corrente que lhe causava uma coceira em toda a alma.
"Athar, certo?" A mulher no manto perguntou com uma voz delicada, que não exigia nem um pouco de respeito, pelo contrário, parecia uma voz apenas um pouco ansiosa.
"Porque perguntar o que já sabe a resposta? Não tenho muito tempo sobrando, então diga logo o que quer e me deixe." Aquela alma, que agora descobriu-se se chamar Athar, demonstrava um pouco de arrogância e falta de vontade, afinal, desde o momento em que chegou nesse lugar maldito, sofreu por todo o caminho, então, em sua perspectiva, todos aqueles que ali habitam são da mesma raça.
"Realmente, você não tem muito tempo sobrando, e o que vem a seguir para você é o Abismo, diga-me Athar, o que você pensa sobre isso? Já sabe o resultado de cair naquele lugar, sim?" A mulher questionou com um semblante diferente, como se esperasse há muito tempo por essa resposta, afinal, o que ela precisa é de um alguém com uma determinação de aço e lealdade absoluta e não alguém que faz apenas o que é mandado sem ter vontade própria, isso seria apenas um fantoche, e um fantoche ela teria a qualquer momento. Um fantoche não pensa, e consequentemente, não cresce e nem aprende com as dificuldades.
Lembrando que toda sua existência seria apagada e que todos aqueles que cultivaram algum memória com ele acabariam por esquecê-lo, Athar revelou uma expressão de dor extrema e enorme falta de vontade, ele não podia permitir que isso aconteça, afinal, mesmo tendo morrido, Athar sabia que tinha um assunto no mundo dos vivos que nunca poderia ser deixado passar. Mesmo que ele tenha que rastejar de volta como um verme maldito, ele voltaria ao mundo dos vivos e comeria a carne daquela maldita e faria suco com seu sangue.
"Diga o que você quer." Athar disse enquanto seus dentes tremiam de ódio ao lembrar de seu passado.
Um olhar de felicidade difícil de se esconder passou pelo rosto encoberto daquela mulher.
"Bom. Athar, primeiro de tudo, preciso que você entenda que seu estado atual não é definitivo. Apesar de sua pouca idade quando ainda estava no mundo dos vivos, sei que você conhece muito bem o mundo do cultivo e sabe que as possibilidades não tem limite, desde que se tenha força o suficiente, tudo pode acontecer." A mulher disse em um tom lento e acentuando cada palavra.
"E?" Com as sobrancelhas levantadas, Athar questionou mais uma vez.
"Apenas entenda que eu e o homem no trono podemos te tirar daqui e, pagando um preço adequado, posso permitir que você volte ao mundo dos vivos, agora diga, isso te interessa?" Com um sorriso que esconde mil significados, a mulher questionou, não deixando espaço para Athar sequer ter tempo de se assustar.
Athar quase deu um pulo de susto, dentre todas as incontáveis almas que aqui sofrem, essas duas pessoas o escolheram entre todas, ou seja, tem algo muito importante que eles querem que faça, afinal, voltar ao mundo dos vivos não é algo simples, e não existe nada grátis, portanto, o preço que cobrariam dele seria exorbitante.
"Não precisa fazer uma pergunta tão idiota, quem está morto e não quer voltar a estar vivo? Apenas me diga isso... Porque eu?" Finalmente, Athar conseguiu perguntar a questão principal.
A mulher de manto obviamente já esperava tal reação, então sua resposta foi simples.
"Antes de te responder, esse Soberano tem que confirmar uma coisa pessoalmente, portanto, não resista." Isso foi pura formalidade, afinal, se Suanluan decidisse fazer algo com Athar, quem poderia impedir?
"Tap"
Mais um passo e então á figura de manto ficou na frente de Athar. Com um aceno de sua mão, um vento gentil o levantou, colocando-o de pé. Então, Suanluan levantou a mão direita e com o dedo indicador tocou sua testa. Nesse momento, os olhos azuis de Athar se contraíram e então, perderam todo o foco, seu corpo estremeceu e se não fosse por Suanluan, ele teria desabado.
Nesse momento, Suanluan também fechou os olhos.
"Swooooshhhh"
Numa pequena cidade no Império de Cristal.
Uma pequena figura se agachava no canto da rua, bebendo água de uma poça da chuva que caiu na noite anterior. Essa figura era um menino de aproximadamente 6 a 8 anos, todo seu corpo estava uma bagunça, roupas rasgadas, cabelos batendo nos ombros de tanto tempo sem cuidado, pés completamente sujos e com feridas entre os minúsculos dedos, demonstrando que há muito tempo não usava um calçado adequado. Se é que já usou alguma vez. No entanto, um fato tem que ser pautado, essa criança tinha uma beleza indescritível.
Todo seu ser estava uma bagunça enorme, tirando o brilho cintilante em seus olhos azuis, mostrando que apesar de toda sua decadência, ainda compreendia tudo que passava ao seu redor.
Esse menino é com certeza Athar quando jovem. Desde quando conseguia se lembrar ele foi órfão, nunca teve alguém para ajudar, um calor de mãe ou um ombro de pai para chamar de lar. Para comer tinha que roubar em tão pouca idade e para beber água, bem, isso ficou óbvio.
Os dias iam passando e a rotina de beber água de rua e roubar comida se repetiam. Para dormir, qualquer lugar que fosse um pouco quente em céu aberto seria o suficiente. Dormir numa cama quente era um luxo que ele nunca se lembrava de ter experimentado.
Até que um dia enquanto perambulava pela rua procurando algo para roubar, viu uma barraca nova de frutas, e seus olhos brilhavam quando percebeu que maçãs do tamanho de seu punho e tão brilhantes estavam à mostra. E então, ele não pensou duas vezes e se esgueirou para ao lado da barraca e quando viu que o vendedor se distraiu por um minuto, pegou duas maçãs e começou a correr, no entanto, esse ato não escapou dos olhos do vendedor.
"Ladrão, pegue-o." O vendedor gritou algo enquanto apontava para o menino que se esgueirou entre a multidão de pessoas.
Nesse momento, vários pares de olhos com curiosidade se viraram e viram uma pequena sombra passar pela rua de terra e cheia de lama. Quando Athar achou que tinha escapado, uma mão de ferro agarrou seu braço, as maçãs caíram e ele olhou assustado para um homem um pouco robusto que olhava para ele.
"Numa idade tão jovem e ainda assim em tal profissão, moleque, melhor parar com isso antes que algo ruim aconteça com você." O homem olhava para Athar com olhos estranhos, medindo o tamanho de seu minúsculo corpo enquanto uma língua nojenta lambia os próprios lábios.
E nesse momento, um sentimento agourento passou pelo corpo de Athar, ele sabia que se não se libertasse imediatamente, seu futuro seria uma desgraça. Enquanto procurava uma forma de se soltar, Athar vislumbrou um brilho fraco na cintura do homem. Uma adaga.
E com uma velocidade que ele não sabia que tinha, com a mão que estava solta, Athar pegou aquela adaga e cravou na perna daquele homem.
"Ahhh, seu bastardo." O homem gemeu de dor enquanto observava o sangue jorrar de sua perna. No entanto, seu aperto ficou ainda mais forte. Levantando Athar pelo braço, o homem se preparou para desferir um soco de cima para baixo na cabeça da criança. Se esse soco encaixar, caso Athar não morra, virar um aleijado seria o mínimo.
A mão do homem subiu e no momento que descer, seria o fim.
"Espere." No entanto, pouco antes do homem desferir o soco, sons de cascos soaram enquanto a multidão abria caminho na rua. Alguns segundos depois, vários homens a cavalos e alguns a pé usando armaduras azuis brilhantes apareceram na linha de visão do povo. Os homens a pé vestiam armadura mais leves comparadas com os que estavam montados.
O homem que se destacava do grupo olhou para aquele homem que estava com o menino na mão. Um capacete deixava apenas seus olhos livres, e naquele olhar, alguém poderia sentir uma segue de sangue sem limites, e tal olhar, fez aquele homem tremer.
"Essa criança, vou ficar com ela."
"Swooooshhhh"
A cena mudou mais um vez. E agora, Athar tinha aproximadamente 15 anos e seu rosto já demonstrava a face de um homem e todo aquele olhar infantil não existia mais. Nesse momento, ele participava de uma troca de habilidades com aquele homem que o recrutou quando ainda era uma criança.
"Clang Clang"
Sons de espadas se chocando reverberam pelo pequeno Centro de Treinamento do Exército do Império de Cristal. As espadas se cruzavam numa velocidade quase impossível de enxergar a olho nu. A espada de Athar fez um corte lateral e o homem deu um passo para recuar, no entanto, quando ele achou que tinha conseguido sair do espaço da técnica, Athar pegou uma pequena adaga e arremessou em direção ao peito do homem.
Visto que agora ele tinha que desviar da espada e ainda da adaga em movimento, o homem não conseguiu chegar a uma resposta a tempo até que a adaga estava a menos de meio metro de seu peito. Quando achou que a adaga se cravaria ali, um som de algo se esticando foi ouvido e a adaga retornou, na verdade, essa adaga estava ligada a um fio de arame que foi puxado no último momento, afinal, não era uma arma de arremesso mas sim uma adaga de ataque surpresa, um item de assassinato.
"Athar, esse mestre não tem nada mais pra te ensinar, já estou velho e é hora de passar minha posição de General para alguém mais novo. No entanto, antes de aceitar, quero que você pense muito bem, pois nosso Império de Cristal não é mais o mesmo, os fogos da guerra se alastram para todo o lado e as águas estão ficando mais escuras e profundas a cada dia. Então pense bem antes de aceitar esse cargo." O homem demonstrava um olhar cansado de toda essa luta. Durante todos esses anos Athar o acompanhou em treinamento e desde os 12 anos, quando ele começou a cultivar, Athar o acompanha nas campanhas da guerra. Sangue, massacre, fogo e destruição é tudo que Athar presenciou nesses poucos anos. No entanto, esse homem é a única pessoa que ele poderia chamar de parente, e de forma alguma ele o iria desapontar. Se um General é o que ele queria que Athar se tornasse, então o melhor General do Império ele seria.