Aconchego. Se eu precisasse descrever a sensação, essa seria a melhor palavra. Sinto o rosto quentinho. Por mais que não me lembre bem o que seria um rosto. Minhas mãos estão frias, sempre foram. Ainda assim, não me lembro o que seriam mãos. Tem um pano quente com um cheiro ótimo em minha testa. Não lembro bem o que é um cheiro, muito menos um pano.
Não tenho nada a fazer. Vou apenas dormir então. Mas como posso dormir por aqui? Por falar nisso, onde é aqui?
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Acalma minh'alma
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— Você sabe pra onde está indo, certo?
— Claro, conheço esse lugar como a palma da minha mão.
— Por falar em conhecer, nós ainda não nos conhecemos. Qual seu nome?
— Que falta de educação a sua! Pedindo pra outra pessoa se apresentar primeiro.
— Claro — Falou revirando os olhos — Me chamo Marck.
— Giovannya, mas pode me chamar só de Vanny. A propósito, a partir daqui você vai ter que usar uma venda. Esse território é extremamente secreto.
"Consigo revidar facilmente caso ela tente qualquer coisa" — pensou.
— Certo, mas como garantia eu vou usar
— Ok, senhor precaução. A propósito, seguindo essa onda de apresentações, quem é essa garota? Você parecia muito preocupado com ela quando a coisa toda aconteceu.
Marck por um momento olhou para ela em seus braços e uma lágrima se esforçava para escorrer.
— Essa é Anja Berith, filha do digníssimo rei Berith.
— Hmm. Não sei quem é esse aí.
— Acho que todos deveriam saber quem ele é. Não ouviu as suas gloriosas histórias?
— Ninguém da minha vila deve conhecer.
Seguiram, Marck e Vanny, até um velho salgueiro. Lá os dois pararam por um momento. Vanny admirou a paisagem, dando passos largos e com os braços jogados para trás e um grande sorriso no rosto. Coberto por uma máscara, claro. Por um momento todas as suas preocupações haviam sumido, sua alma estava na mais plena paz.
— Você deve estender sua causa, no seu caso é a garota. Você será julgado e, se for digno, poderá entrar.
Marck não esperou muito e logo já andava em direção ao salgueiro. De repente as folhagens e a grama se agitaram, mesmo que não houvesse vento elas permaneciam no mesmo ritmo. Era como uma coreografia.
— Nunca tinha visto essa dança. Parabéns, você pode entrar.
— Então vamos o mais rápido possível!
— Claro. Nossos únicos obstáculos agora seriam os grandes anciões, eles não gostam de estrangeiros.
— Para que serve o teste de causa então?
— Ah, isso é para nossos irmãos de outras tribos, eles não viriam até nós sem motivo. Hoje em dia não é tão necessário. São reflexos de uma época de trevas. — Falou enquanto tirava sua máscara.
Marck fitou os olhos em seu rosto rapidamente e percebeu que seus olhos eram quase brancos. De uma certa forma eram bonitos.
Eles entraram nos domínios do Cacique Patyr, e logo que entraram foram detectados pela barreira que protegia o povo élfico da tribo Mane-Patyr de qualquer ameaça.
Rapidamente os anciãos foram de encontro à causa da perturbação na barreira.
— Por quê esse humano está aqui. Você conhece as regras, é uma garota inteligente. Devo duvidar disso, Gio?
— Tenha certeza de que não. Sei bem das regras e sei que se o grande salgueiro o permitiu, ele é bem vindo!
— Façam como quiserem, mas vou observar os estrangeiros. Se mesmo por um segundo algum deles trair a minha confiança, eles já podem ser considerados mortos.
Andando até o local, Marck percebeu o olhar das criancinhas. Elas olhavam admiradas para Anja.
— Essa boneca parece tão real, moço. É tão grande!
— Não é uma boneca, sua boba! — Disse sua amiga.
— Mas que linda!
Um olhar brilhante e colorido de repente se voltou para eles. Decidiu os acompanhar.
No meio do caminho eles contemplam um limoeiro, que era banhado pelas águas cristalinas de uma lagoa. Não se podia beber daquela água pois era azeda.
Tudo estava pronto, num espaço com palha estava Anja deitada. Ela parecia sorrir.
— Marck — Por um momento desviou o olhar — Sabe aquele lago?
— O que tem ele?
— Você pode ir até lá? Preciso de um pouco de água.
Marck olhou para ela, logo após olhou para Anja.
— Se você tentar alguma coisa—
— Tá, tá. Vai logo, assim eu já posso começar.
Ao sair da cabana, Marck estalou os dedos e uma zona de energia rodeou a mesma. De repente ele conseguia mapear com precisão cada movimento de Vanny, assim poderia ir tranquilo.
Ele foi e voltou num só passo.
— Você estava me vigiando?
— Claro, acabei de te conhecer.
— Ela deve ser muito importante para você, não é?
Para encerrar o assunto, ele estendeu o frasco com a água para que ela o pegasse.
Rapidamente ela começou um processo de restauração mental usando seu controle sobre a água do lago.
— Como ela está?
— Está muito mal, mas nada fatal. Ela vai sobreviver, não se preocupe.
— Que alívio!
Marck finalmente se sentou. Quando o fez percebeu um olhar brilhante e colorido vindo da porta.
Rapidamente, Vanny foi até a porta e a fechou.
— Que grosseria a sua, Vanny!
— Vá embora, Aurora!
— Quem é essa agora? — Perguntou Marck já impaciente.
— É só um inconveniente, não se importe com ela.
— Que jeito mais estranho de se apresentar uma amiga. Sua "melhor amiga". — Falou Aurora com tom de ironia.
Aurora abriu a cortina, que estava fechada como uma porta, e seus olhos foram direto em direção ao belo e grande rapaz que estava em pé ao lado de uma bela moça com um cabelo estranho à primeira vista.
— Quem é esse bonitão que você esconde aqui hein, Nyny?
— Pode por favor sair daqui? A garota está com problemas.
— O que houve?
— A gente achou ela na tumma loula. — Falou a encarando com um olhar autoexplicativo.
Mas ela não entendeu.
— Oh, então ela vai morrer, certo?. — Disse na maior inocência.
Marck Fitou um olhar penetrante em Aurora, que respirou fundo, mas quase não o podia fazer.
— Como assim morrer !? — Perguntou Marck, ainda com o rosto fechado e agora se aproximando.
Aurora se virou e começou a abanar o rosto, que estava avermelhado.
— Que amigo vc arrumou hein, Nyny. — Sussurrou.
— Olha Marck, calma! Ela vai ficar bem. — disse Vanny o tentando acalmar.
— Claro que não, você sabe o que acontece com quem entra lá: A pessoa morre ou perde a sanidade.
Vanny cerrou os olhos e a puxou para fora da cabana pelo braço.
— Você está louca? Não vê que ele está preocupado!? Aquela garota é importante para ele de alguma forma. A gente vai voltar lá pra dentro e você vai pedir desculpas pra ele.
— Sim senhora. — Disse enquanto dava dois tapinhas em sua cabeça.
Mas Vanny segurou forte seu braço e a olhou com um olhar que já falava tudo: "Eu falo sério".
Elas entraram de volta na cabana e para a sua surpresa Marck não estava lá.
— Espera aqui. — disse Vanny
Então vanny foi até os fundos da casa. Lá estava Marck, sentado olhando o horizonte. Para o confortar, vanny se sentou ao seu lado.
— Olha, me desc —
— Eu a conheci debaixo de uma árvore…
Vanny apenas escutou.
— Algumas crianças estavam a incomodando. Parecia que iam cortar seu cabelo. Na hora eu estava dormindo, mas por sorte acordei com seus gritos. Me senti muito culpado pois me descontrolei por um segundo e os envolvi em minha magia. Resumidamente eu criei um domo sem ar em volta deles. Mas quando olhei para trás de mim, Anja estava com medo, então eu os soltei e fui dar atenção a ela.
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— Você está bem? Se machucou?
— Estou ótima, obrigada mesmo.
Anja ficou um pouco envergonhada, mas logo venceu a timidez e o perguntou a que livro ele lia.
— Ah, isso? Eu não estava lendo, até porque ainda não aprendi, mas é o último livro do Artie Lyra que eu pegu —
— V-você conhece o Artie Lyra!?
— Sim eu sou muito fã do trab —
— Que legal!!! Nunca tinha conhecido alguém que conhecia o Lyra.
— Sim, seus livros são bem legais mesmo, principalmente os ení —
— Onde você lê? É uma biblioteca? Quer ir comigo amanhã?
— Você é bem energética hahaha —
— Combinado então! Te vejo amanhã! — Falou sorridente enquanto corria de volta para casa.
Marck se sentiu um pouco estranho, não sabia sequer descrever o que sentia, ele acabara de fazer… Uma amiga?
Nada podia fazer, então voltou a ver o livro.
No outro dia, Marck foi até a biblioteca bem cedo. Comprimentou Srta Astra e seguiu para as mesas de leitura. Claro, ele não sabia ler. Seu maior passatempo era admirar as artes que acompanhavam as incríveis histórias de ferozes dragões e… Corujas gigantes?!
Ele tentava copiar aquelas ilustrações em um caderno.
Anja chegou nas mesas. Ela viu Marck em sua mesa, mas não conseguiu falar com ele. Por um tempo ela apenas ficou o encarando pelas costas.
— É esse o garoto? Eu o conheço. — Sarah, que a acompanhava, falou despreocupada.
Num ato de desespero, Anja a calou com suas mãos.
Afastando suas mãos, continuou:
— O que tem demais nisso?
— Por fav—
— Ei você, seu nome é Marck certo?
— Sarah! — Gritou Anja frustrada.
Marck sorriu e inclinou a cabeça.
— É você. Que bom que veio. Olá pra você também, Sarah.
— Vocês já se conheciam?! — Falou Anja curiosa.
— Lembro de que ele me ajudou um dia. Tinha um livro bem alto que eu não alcancei. — Pontuou Sarah.
Sarah se pôs ao lado de Anja e a deu um toque em seu ombro. Era óbvio o que ela queria dizer: "Fale com ele". Era quase como se ela falasse em alto e bom tom.
Ela juntou forças:
— Que livro é esse que você lê?
— Ah, bom… Esse é o mesmo de ontem.
— Artie Lyra!? Eu amo seus livros, você sempre lê?
— Acho que já tivemos essa conversa… — Disse Marck um pouco risonho.
— Agora me lembro. Você disse que não sabia ler, não é? Então por que você vem tanto aqu—
— Crianças, vocês devem fazer silêncio, estamos numa biblioteca! — Falou a bibliotecária, que já estava farta do tédio.
As crianças se desculparam. Os três se sentaram na mesma mesa e apenas observavam a capa do livro fechado.
— Esse livro é bem difícil de entender, crianças. Não querem um livro mais leve?
Anja suspirou forte.
— Você sabe ler, tia?
— Claro, querem que eu leia para vocês?
Um sorriso encheu o rosto dos três. Ela não podia voltar atrás.
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— Aquele dia foi bastante eufórico. Junto de Srta Astra descobrimos, enfim, um dos grandes enigmas do livro número 1 de Artie. Ele é um gênio. O gênio que aprendeu a magia de enigma apenas por observar. E de acordo com os relatos, ele teve muito tempo para observar.
— Está desfocando — Alertou Vanny
— Depois falamos sobre Artie Lyra… Após um certo tempo, eu e Anja passamos a nos encontrar na biblioteca apenas para ver as ilustrações dos livros. Às vezes, quando Sarah estava conosco, pedíamos à Srta Astra para ler para nós.
— Parecia divertido.
— E realmente era… Com o passar dos anos e o estourar da guerra, Sarah foi com seus pais para as terras do norte. Eu e Anja líamos juntamente de Srta Astra, compartilhávamos teorias e desvendávamos enigmas. Isso até dado momento. Porque em dado momento tive que partir. As conversas, as interrupções, as risadas, tudo isso se tornaria memória. A partir daquele ponto eu não veria mais a Anja… Nem seus lindos olhos… Nem seu lindo cabelo.
— Que legal da sua parte falar isso… Por mais que seja um pouco estranho.
— Eu estava a ponto de sair da cidade. Me pus em cima de uma carroça e já era dada a ordem para que os cavalos marchassem.
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De repente pude ouvir um clamor:
— Marck! Por favor, não vá!
— Vai ficar tudo bem, não se preocupe.
O carroceiro decidiu parar a carroça.
— Mais cedo eu senti uma distorção na visão, estou com um mal pressentimento.
Anja implorou que eles o deixassem ir, mas sem resultados. Uma ordem do rei não pode ser desobedecida.
— Por favor, Marck, volte em segurança. Marck eu… eu te—
— Eu te amo… Pra ser sincero eu queria poder passar bem mais tempo ao seu lado, lendo, sorrindo e desvendando enigmas. Não consigo nem imaginar o quão triste seria viver uma vida longe de você. Assim, Anja Berith, se eu voltar. Se por acaso um dia eu voltar, você me concederia a honra de me casar contigo?
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Ao se lembrar de todas as juras de amor, o desespero tomou conta de seu coração. Pensar que tudo aquilo poderia acabar alí mesmo, naquele instante…
— Olha, desculpa. Eu não sabia que ela era tão importante para você. Vou me esforçar ao máximo para curá-la.
Ela pegou em sua mão e o levou para dentro da cabana novamente.
— Aurora, chega de brincadeiras. Essa garota não tem muito tempo. Vá chamar a anciã Ayra, agora!
Aurora percebeu que seu semblante havia mudado. Ela estava séria. Dessa vez não houve nenhuma brincadeira ou algo do tipo, ela apenas obedeceu.