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Chapter 62 - Levítico

"Então de qualquer forma, eu não te convidei só para falar sobre velhos tempos. A verdade é que eu queria te perguntar algo."

"Ah?" Ves arqueou a sobrancelha. "O que seria?"

Carlos parou de prestar atenção na partida completamente e se virou para encarar Ves com a expressão mais séria que ele já tinha visto no seu amigo.

"Você sabe o trabalho que eu tenho agora. Mesmo se você disser que eu provavelmente vou sair do meu cargo atual, vai levar muitos anos, talvez até décadas, antes de eu chegar perto do processo de desenvolvimento de um novo design. E isso só se eu pedisse demissão e mudasse de empresa, já que a atual que eu trabalho é apenas uma atacadista que compra mechs prontos de outras fabricantes."

"Você não pode acelerar uma carreira, Carlos. Eu vi você estudando noites a fio na faculdade. Você tem uma cabeça boa nos seus ombros. Qualquer empregador valorizaria seus talentos."

"Mas eu não posso esperar tanto." Carlos balançou a cabeça. "Um designer de mechs bem-sucedido sempre começa sua carreira quando é jovem, nós dois sabemos disso. Então, o que adianta esperar até os 80 ou 90 anos até uma empresa ver razão em me incluir no seu departamento de pesquisa e desenvolvimento? Eu estaria ocupando um cargo secundário em relação a alguém de 30 ou 40 anos que seja um gênio ou que tenha os contatos certos para o trabalho. Eu não quero ser apenas uma pequena engrenagem na máquina."

Ves tinha uma ideia do que Carlos estava sugerindo com seu pequeno desabafo. Ele não estava certo se gostava disso. "Esse é o jeito que o mundo funciona. Aqueles que já nasceram com uma colher de prata na boca já têm um pé na porta. Nós, pessoas comuns, precisamos correr riscos ou apenas continuar trabalhando duro para diminuir a disparidade entre nós e eles. Não existem atalhos."

Os olhos de Carlos queimavam. "Eu admiro você, Ves. Eu já disse isso, mas vale a pena repetir. Você deu esse salto. Você olhou para aquela montanha imensamente alta e conseguiu escalar até o topo. Desde reunir o equipamento até receber algumas licenças de produção como concessões, você superou todos os obstáculos no caminho para começar seu próprio negócio de mechs. Eu não sou como você. Eu não posso seguir seus passos. Mas..."

"Você quer trabalhar para mim. Aceitar um cargo menor sob minha gestão e crescer junto comigo."

A dupla permaneceu em silêncio por um tempo. Então, Carlos assentiu, parecendo um pouco dolorido por ter que aceitar um status que era inferior ao de Ves. "Eu não posso escalar a montanha sozinho, mas se você atirar uma corda, eu posso me puxar para cima."

"Eu tenho me saído bem por conta própria até agora. O que te faz pensar que eu preciso de uma mão extra?" Ves perguntou com um pouco de hesitação em sua voz.

"Tendo trabalhado com muitas fabricantes de mechs entregando mechs de péssima qualidade, eu sei um pouco de como eles funcionam. Uma pessoa como você não pode lidar sozinha com todos os trabalhos para administrar um estúdio independente de design e fabricação de mechs. Você precisa de alguém para fazer o trabalho pesado de fabricação de mechs, no mínimo."

Ves soltou um suspiro. Ele de fato tinha pensando em contratar um fabricante. "Eu agradeço sua honestidade em me dizer sua ambição. Mas será desconfortável se eu for o seu chefe. Eu estou procurando alguém para o futuro para ocupar o cargo de fabricante na minha oficina, mas, como trata de certos segredos de negócio, eu sou reticente em permitir que outras pessoas trabalhem sob minha direção."

"Então esse é um motivo ainda melhor para considerar me trazer para a sua equipe. Você me conhece e eu te conheço. Somos amigos há anos. Tenho 100% de certeza de que você não confia em mais ninguém quando se trata de lidar com mechs."

Ele tinha um ponto. Ves realmente não tinha muitos amigos nos círculos de mechs. Contratar um desconhecido era um verdadeiro jogo de azar, a seu ver. Ele poderia gastar muito tempo avaliando candidatos em potencial e mesmo assim ser traído por eles. Claro, com as leis atuais, ele tinha muitos meios para fazer rogados pagarem por isso, mas a aplicação de uma punição depois que o ato foi consumado não o ajudaria a longo prazo se certos segredos fossem revelados.

Neste momento, Ves confiava em duas vantagens para crescer seu negócio nascente. A implementação do Fator X era um segredo delicado que, se fosse exposto, poderia mudar substancialmente a indústria de mechs se outros designers pudessem ser convencidos de sua existência. No entanto, esse progresso viria a custo de sua própria competitividade. Ele não era tão bondoso a ponto de expor os segredos do Fator X ao público.

Além disso, talvez exista um pequeno, mas altamente posicionado círculo por aí que conheça o Fator X, mas que o mantém entre eles. Se Ves por acaso vazasse detalhes de sua galinha dos ovos de ouro, eles poderiam decidir fazer dele um exemplo. Ves queria evitar atrair tal atenção de alto perfil.

Quanto à outra vantagem, o Sistema não podia ser exposto de maneira nenhuma. Ele passou por todos os cenários possíveis centenas de vezes, e nenhum deles lhe deu um bom final.

"Eu preciso pensar a respeito. Ainda estou trabalhando na minha segunda venda. Ainda é muito cedo para eu considerar uma contratação. Vou reconsiderar sua proposta uma vez que as vendas do meu negócio de mechs aumentem."

Isso deu a Ves uma desculpa para enrolar Carlos. Ele não queria rejeitá-lo diretamente, mas também não queria levar Carlos de volta à Cortina Nublada imediatamente.

Sem outra escolha, Carlos sentou-se e assentiu com a cabeça. "Ok. Vou esperar sua resposta. Não é como se minha carreira atual fosse para algum lugar enquanto isso."

Após transpor essa conversa, Ves tentou levantar o astral e começou a comentar sobre o que estava acontecendo no ringue amador. À medida que as partidas passavam, ele notou um padrão nos pilotos que escolhiam exibir suas habilidades de combate no ringue de menor nível.

Metade dos pilotos de mechs que atuavam no ringue amador eram frequentemente jovens ricaços com muito dinheiro e pouca noção. Portanto, os pilotos mais jovens frequentemente corriam riscos ousados, já que os bezerros recém-nascidos não temem os tigres.

Ves achou os mechs deles interessantes. Eles cobriam quase todo o espectro de mechs de close a médio alcance. Como esta arena era bastante pequena, atiradores e mechs de artilharia não tinham lugar neste ambiente. Ainda assim, com seus mechs superturbinados adornados com vários adesivos holográficos de tigres ou garotas pinup, esses pilotos se comportavam como se fossem estrelas.

No entanto, gengibre velho é mais picante. A outra metade dos pilotos no palco geralmente era composta de veteranos muito debilitados para servir em campo. Sofrendo de várias feridas, esses pilotos experientes não estavam dispostos a passar o resto dos seus dias na aposentadoria.

Enquanto seus mechs costumavam ser mais baratos comparados aos dos filhos de papai, sua extensa proficiência e experiência em batalha compensavam seu equipamento. Como eles tinham mais a perder, geralmente lutavam de forma muito conservadora, ao ponto de desistir da partida antes que estivessem prestes a sofrer danos catastróficos.

O contraste entre os dois tipos de pilotos geralmente resultava nas partidas mais emocionantes. A ultra-agressão da geração mais jovem costumava pressionar a geração mais velha e mais cautelosa a se defender contra um ataque. Tanto o atacante quanto o defensor se apoiavam em habilidades diferentes para capitalizar qualquer erro que seus adversários cometessem.

"É o Levítico entrando no palco!" Carlos gritou enquanto se levantava de seu assento. "Ele é meu piloto favorito no ringue amador."

Ves observou o piloto e o mech que chamaram a atenção do seu amigo. Mesmo sem sua especialização em mechs, ele podia dizer que a velha máquina estava em seus últimos dias. A armadura era uma composição tão louca de placas que era difícil dizer se sobrou alguma placa original. A marcha do mech também parecia desigual, como se a perna esquerda tivesse uma fração a menos de força do que a direita. Quanto às suas armas, era óbvio que costumava segurar montagens de ombro, mas apenas buracos toscos permaneceram onde elas ficavam. Ele empunhava um bastão rudemente formado que poderia ter sido um feixe construtivo remodelado como sua única arma.

"Esse é um mech realmente péssimo. Por que você está torcendo por esse cara?"

"Mano, você não sabe sobre o Levítico?" Carlos olhou para Ves como se ele fosse um alienígena. "Cara, você tem vivido fora da grade por tempo demais. É esse planeta de ermo tão remoto que você nem consegue acompanhar a arena mais?"

"Ei, eu estive ocupado com o trabalho. Eu parei de seguir a cena há meio ano atrás."

Carlos deu de ombros e explicou sua fascinação por Levítico. "De qualquer maneira, esse cara é especial. Ao contrário de todos os outros pilotos ativos, ele é um potentado de caso limítrofe. Ele é realmente sem sorte nesse sentido."

Isso surpreendeu Ves, levando-o a olhar para Levítico e seu mech uma segunda vez. Agora que olhou mais de perto, os movimentos não eram tão fluidos como os de um mech normal. As pequenas travadas e movimentos secos eram os sintomas típicos de uma interface neural que funciona mal ou de um piloto com baixa aptidão.

"Dizem que não ter aptidão para pilotar um mech não é o pior do mundo." Carlos continuou, esquecendo completamente por um momento que Ves já quis ser piloto também. "Existe algo pior do que ser um normal, e é ser um potentado que mal passa do limite."

"Entendi. Levítico não deveria ser capaz de pilotar um mech tão bem se ele estivesse no limite."

"Isso é porque está colocando o dobro de esforço na pilotagem do que qualquer outro potentado. Não é possível imaginar as longas horas que ele passou tentando acelerar sua resposta. Se um piloto comum opera a cem por cento, ele está superaquecendo a si mesmo para realizar cento e cinquenta por cento de seu potencial."

Isso soou sinceramente impressionante. Ele olhou enquanto o mech médio arruinado fazia uma reverência a seu oponente, um mech leve de luz azul que aconteceu ser o nêmese do Levítico. A pior coisa que um piloto com velocidade de resposta desacelerada poderia encontrar era um mech leve especializado em velocidade.

Ainda assim, mais da metade da multidão continuava torcendo pelo Levítico, incluindo Carlos. Ves estava confuso com o entusiasmo de todos. Era como se a possibilidade de Levítico perder não ocorresse em suas mentes de forma alguma.

"O que está acontecendo com a multidão?"

"Ah, você verá. Não acho que meu homem Levi possa ser vencido tão facilmente. Ele vai fazer um milagre, como ele fez muitas vezes."

A partida começou. Previsivelmente, o mech leve azul começou a girar em torno do mech médio a uma velocidade próxima ao máximo possível. Levítico permaneceu imóvel, nem mesmo tentou virar para acompanhar a orientação do mech leve.

Finalmente, o adversário alcançou a retaguarda do mech médio e avançou com suas adagas gêmeas prontas. Porém, antes que as lâminas golpeassem, Levítico fez seu mech cair para trás. Ele fez isso de uma forma que permitia colocar uma extremidade do cajado em rota de colisão direta com o inimigo que se aproximava.

O mech leve tentou desviar, mas Levítico cronometrou sua ação improvisada perto o suficiente para garantir um golpe. O mech leve, para seu crédito, usou o máximo de sua capacidade de manobra para mudar sua zona de impacto do meio de seu peito para o ombro direito.

Muitas pessoas na plateia gemeram quando o cajado conseguiu retirar um pedaço da armadura, mas nada mais. Ves sabia que eles não gemeram por nada. Uma das atrações mais mórbidas das arenas era que as fatalidades não eram incomuns.

Se aconteceu uma vez ou duas, que assim seja. Mas ocorreram tão regularmente que as pessoas reconheceram que havia algo mais acontecendo. Na verdade, as medidas de segurança incorporadas em cada mech competidor eram de um padrão tão inferior que muitos suspeitavam que os proprietários da arena deliberadamente economizaram nelas. Estava longe das medidas de segurança extensas e confiáveis usadas para manter a YTE livre de derramamento de sangue.

Apesar disso, o mech leve pulou para trás e bem fora do alcance do Levítico. Ele analisou o dano que sofreu e começou a calcular suas opções.

No entanto, Levítico não deu ao seu adversário a oportunidade de chegar a outra solução. Com esforço óbvio, seu mech começou a correr em direção ao adversário. O mech leve instintivamente pulou para trás e continuou a aumentar a distância para não ser pego.

A perseguição continuou por vários minutos, mas Ves achou estranho que Levítico sequer tentasse perseguir. Afinal, um mech médio nunca conseguiria alcançar um mech leve. Seu adversário percebeu isso também, e começou a se acalmar. Sua fuga tornou-se mais requintada e ele sempre se certificava de nunca se encurralar.

"O que este cara está planejando?"

"Haha, não tenho ideia, mas ele sempre faz algo louco que vai inclinar a balança a seu favor."

Observando mais de perto, Ves percebeu que Levítico conservava sua energia. Ele sempre fazia as melhores curvas e se movia para cortar o mech leve com a menor quantidade de passos. Enquanto isso, o pulo constante aumentava o consumo de energia do mech leve a uma taxa insustentável.

"As reservas de energia são recarregadas apenas até vinte por cento no ringue amador, certo?"

"Sim, isso não mudou. A última coisa que alguém quer ver é uma batalha de atrito."

Numa batalha real os mechs deveriam ser capazes de sustentar sua taxa de consumo por um tempo. No entanto, com apenas uma carga limitada entrando no ringue, uma corrida para ver quem se esgotava primeiro sempre acabava bastante rápido.

De fato, o piloto do mech leve parecia perceber seu predicamento, e parou sua corrida sem fim. Ele estava enfrentando o dilema que qualquer piloto de mech leve enfrentava ao se deparar com um oponente superior. Ele poderia continuar correndo, mas gastaria mais energia do que seu oponente, ou poderia lutar, mas arriscaria levar a pior já que sua tonelagem era menor que a do inimigo.

Eventualmente, ele decidiu que o melhor era um compromisso e fez ataques pequenos e flanqueando. Levítico nunca parecia acompanhar as voltas e mergulhos do mech leve, mas com seu cajado longo e feio, ele sempre o posicionava de uma maneira que obrigava o mech leve a abortar seu ataque sob risco de se empalar na extremidade do cajado.

"Droga, foram as armas que definiram essa partida mesmo antes de começar." Ves comentou, apreciativo de Levítico e de seu uso habilidoso do cajado. "Esse mech leve não é rápido o suficiente para contornar o cajado."

O mech leve eventualmente decidiu arriscar tudo, e mergulhou mais fundo. O cajado apareceu diante do mech mais leve, mas seu piloto claramente entrou com um sacrifício em mente. Introduziu um movimento lateral em sua abordagem, tentando deixar o cajado cair em seu lado esquerdo. No entanto, Levítico de alguma forma explodiu em velocidade por apenas uma fração de segundo. O cajado conseguiu corrigir sua trajetória justo a tempo de o mech leve ter seu reator de energia diretamente no caminho da arma.

Um estrondo enorme soou quando o mech leve parou em seu caminho. As facas caíram enquanto a extremidade do cajado saía de sua cintura superior. Toda a multidão enlouqueceu enquanto torciam por Levítico. Alguns até gritaram por sangue.

Infelizmente para os buscadores de emoções, este modelo particular de mech leve hospedava sua cabine na cintura inferior. Apenas o núcleo de energia foi atravessado pelo cajado. Se fosse na cabine, teria sido uma fatalidade certa. As fracas medidas de segurança da arena nunca teriam evitado isso a tempo.

Ves tinha certeza de que Levítico tinha sangue em suas mãos. Qualquer gladiador experiente não pode evitar tais ocorrências, era simplesmente muito perigoso para eles se refrear.

Levítico diminuiu sua velocidade de reação agora que a batalha acabou. Com lentidão agonizante, ele retirou o cajado de seu mech do cadáver do outro mech e o deixou cair no chão. Ninguém parecia se importar que tal ação poderia ter agravado qualquer lesão que o piloto oposto sofria.

"Então, o que você acha do meu homem Levi?"

"Ele é impressionante. Ele consegue tirar o máximo de seu mech com movimentos mínimos. Ele é o piloto de mech pesado perfeito."

Carlos assentiu. "Ele mencionou em suas entrevistas que está juntando seu dinheiro do prêmio para comprar um bom. Vai demorar um pouco, embora. O ringue amador não dá muitas recompensas. Demora muito dinheiro para manter seu mech atual."

Um chamado tocou. Ves levantou o pulso e viu que Vincent Ricklin estava na linha. Era hora de ele voltar ao trabalho.

"Eu tenho que ir. Meu cliente está chamando."

"Uhm, claro. Foi divertido. Eu vou ficar aqui por mais algumas horas. Vá sem mim."

"Tudo bem, até mais."

Ves atendeu a chamada, esperando que Vincent viesse com boas notícias.