Está tão escuro.
Não escutou passos, não sentiu cheiros ou a presença de alguém, nem pelas aberturas do armário conseguia ver qualquer sombra. Po Bing estava segurando a própria respiração mas o nervosismo ainda o fazia tremer como folhas de árvores sopradas pelo vento.
Tomou um enorme susto quando Chuan Bei abriu a porta do armário que estava dentro e de repente exclamou.
– Você disse que me deve a vida, agora entregue-me!
Po Bing já estava preparado apesar da surpresa, jogou um talismã de aprisionamento contra Chuan Bei deixando-o temporariamente preso por correntes mágicas, assim Po Bing conseguiu alguns segundos para fugir.
Por que aquelas malditas palavras me deram um destino tão indesejado? Se eu imaginasse que ele ia levar ao pé da letra...
Pensou Po Bing irritado consigo mesmo e com Chuan Bei.
Po Bing corria pelo bordel abrindo portas e janelas para escapar, até mesmo invadindo quartos ocupados.
– O que é isso? O que é isso? Garoto sem vergonha! – disse o cliente cobrindo suas partes sobre a cama e a meretriz ao lado do cliente gritava. – Gyaaaah. –
– Perdão, eu não vi nada. – se desculpando rapidamente sem parar de correr, Po Bing cobriu o rosto para evitar ver as sem vergonhices.
Com tantos odores diferentes por ali, Po Bing subestimou a capacidade de Chuan Bei o encontrar naquele bordel com o seu incomparável faro de boticário.
Logo atrás Chuan Bei estava vindo e destruindo tudo pelo caminho como uma besta faminta.
Pelos céus, esse homem é muito veloz sem nem mesmo precisar abrir os olhos.
Pensou Po Bing incrédulo quando olhou por um segundo para trás.
– Po Bing! – gritou Chuan Bei.
– Se perca, maldit-- – e Po Bing imediatamente respondeu.
A fala foi interrompida quando Po Bing tropeçou no batente da janela rolando telhado abaixo, Chuan Bei arregalou os olhos incrédulo e se apressou para pegá-lo, durante a queda um impulso fez Po Bing estender a mão para Chuan Bei e foi correspondido, os dedos dos dois chegaram a se tocar mas Po Bing acabou caindo, tudo escureceu.
Algum tempo antes, vésperas do casamento de Shu Mian.
– Beibei! – a garota meiga entrou na loja de fragrâncias carregando um cesto, sem qualquer cerimônia.
A popular loja de fragrâncias pertencia à Chuan Bei. Não só vendia perfumes como também sabonetes, bálsamos, sais e outros itens exceto remédios ingeríveis apesar de se denominar um boticário.
Chuan Bei interrompeu a organização das prateleiras para dar atenção à garota, nem precisava olhar para reconhecer a voz doce de sua querida irmã mais nova, Shu Mian.
Os dois sorriam radiantes um para o outro, fazia alguns meses que não se viam e aquela visita era mais do que esperada.
– A-Mian! Você veio? Digo, como você veio para cá? – ele a respondeu de imediato.
Os dois se aproximaram dando um abraço apertado, Chuan Bei não sabia medir o quanto gostava de sua irmã, praticamente a viu nascer e era o melhor amigo de brincadeiras de Shu Mian na infância.
– Foi a jiejie[1], ela intercedeu por mim. – durante o abraço, Shu Mian respondeu.
– Chuan Li? Ela está doente por acaso? – perguntando incrédulo, Chuan Bei segurou os ombros de Shu Mian e a afastou de repente.
Shu Mian ficou um pouco assustada por ser afastada repentinamente mas riu como uma pequena criatura adorável após ser agradada.
– A jiejie não é feita de pedra. Comigo ela é tão boa quanto você.
Chuan Bei não deixou de sentir ciúmes. Apesar dele nunca ter se dado mal com Chuan Li, o lugar de mimar Shu Mian não era dele? Se sentiu usurpado.
– Estava a meses pedindo para vir te ver mas não permitiram então a jiejie conversou com meus pais dizendo que se eu não viesse por bem eu ia acabar vindo escondida. – continuou Shu Mian para evitar perguntas.
– Isso é bem a sua cara. – Chuan Bei provocou ao oferecer uma cadeira para Shu Mian que se sentou e colocou o cesto na mesa. Ela novamente riu ao responder.
– Eu aprendi isso com você.
Chuan Bei se sentou, os dois tiveram uns segundos de silêncio enquanto se acomodavam. Shu Mian o disse.
– Beibei, você pode abrir os olhos, o pai não está aqui.
– Hm, não, a luz queima meus olhos.
Era mais uma das gracinhas de Chuan Bei e Shu Mian como sempre não resistia a rir. Chuan Bei não abria mão de escutar aquela doce risada sempre que tinha oportunidade. Shu Mian um pouco tímida mudou de assunto.
– Sabe, Beibei, eu vim hoje para te informar uma novidade.
Chuan Bei ja estava desconfiado daquela postura da irmã mais nova mas ele estava mesmo curioso sobre a cesta.
– Onde estão meus doces?
– Beibei! Estou falando sério! – falou Shu Mian segurando o riso e o nervosismo.
Shu Mian havia prometido que sempre traria os doces feitos por ela quando fosse visitar Chuan Bei, aqueles doces traziam o gosto nostálgico dos bons tempos da seita onde nasceu e passou a infância até seu auge.
Chuan Bei estendeu a mão sobre a mesa pedindo os doces, Shu Mian cedeu retirando um pote cheio de doces de dentro da cesta e o entregando.
Pelo lado bom os doces poderiam o manter calmo, pensou Shu Mian.
Já Chuan Bei só pensava em comer os doces, abriu o pote e levou um doce à boca, quanto mais tempo passava sem eles mais deliciosos pareciam, aquilo estava estampado na expressão derretida de Chuan Bei.
Shu Mian ficou satisfeita com a visão que tinha, enfim se encorajou a dizer.
– Beibei, eu... eu vou me casar.
Casar? Tinha escutado errado? Era alguma brincadeira? Chuan Bei esperava de tudo exceto que sua irmã mais nova fosse se casar antes dele, ou pior, antes de sua irmã mais velha. Chuan Bei engoliu o doce que acabou preso em sua garganta, dando sequência a uma série de tosses engasgadas.
Shu Mian ficou desesperada, levantou imediatamente sem saber o que fazer.
– Beibei? Beibei, espera, calma, o que eu faço? Pelos céus!
Um casal que trabalhava com Chuan Bei na loja de fragrâncias escutou o alvoroço e chegaram de outro cômodo para ajudar, o homem falou.
– O que aconteceu?
– O doce, acho que foi, ele engoliu e... – respondeu Shu Mian.
– Dá uns tapas nele, Rong Zhu. – a mulher interpretou rápido a situação e voltou para buscar água, durante o caminho pediu a colaboração do marido.
– Tá. Não demore, Rong Xiang ou ele vai morrer. – o marido, Rong Zhu, assentiu.
– Ele vai morrer? Beibei! – aquelas palavras aumentaram o pânico de Shu Mian.
Rong Zhu era naturalmente exagerado mas Shu Mian não o via sempre. Ele respondeu.
– Oh. Não, talvez ele morra, senhorita Chuan. Também pode ser que ele desmaie ou algo assim... – Rong Zhu coçou a nuca.
Era uma cena definitivamente cômica para quem convivia com aquele trio da loja de fragrâncias, o desespero de Shu Mian só esquentava a situação. Pessoas de fora da loja paravam para assistir como se aquela fosse uma atração de comediantes.
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[1] Jiejie significa Irmã mais velha.