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Chapter 11 - Encruzilhada

Os três ficaram imóveis, olhando para baixo em silêncio desconfortável. O que aconteceu com o Ardiloso não foi um choque, mas ainda era uma coisa difícil de digerir. Um sentimento ominoso se instalou em seus corações — vendo o corpo quebrado de seu companheiro, era muito fácil imaginar um deles compartilhando o mesmo destino.

Ninguém sabia o que dizer.

Depois de um minuto ou mais, Acadêmico finalmente suspirou.

"É uma coisa boa que você pegou a maior parte dos suprimentos que ele estava carregando."

'Um pouco sem coração, mas não errado,' Sunny pensou, dando ao escravo mais velho um olhar cuidadoso.

Acadêmico franziu a testa, percebendo que sua máscara de cavalheiro bondoso tinha escorregado por um segundo, e apressadamente adicionou em um tom sombrio:

"Que você descanse em paz, meu amigo."

'Uau. Que performance.'

Na verdade, Sunny não acreditava em seu ato benevolente por um segundo. Toda criança da periferia sabia que as pessoas que agiam com bondade sem motivo eram as que mais deveriam ser evitadas. Eram ou tolos ou monstros. Acadêmico não parecia um tolo, então Sunny passou a desconfiar dele desde o momento em que se encontraram.

Ele chegou tão longe sendo um cínico desconfiado, e não havia razão para mudar agora.

"Temos que ir." Herói disse, lançando um último olhar para baixo.

Sua voz estava uniforme, mas Sunny podia sentir um poço de emoção por trás dela. Ele simplesmente não conseguia dizer qual era essa emoção.

Acadêmico suspirou e também se afastou. Sunny encarou as rochas ensanguentadas por mais alguns segundos.

'Por que me sinto tão culpado?' ele pensou, perplexo com essa reação inesperada. 'Ele recebeu o que merecia.'

Um pouco perturbado, Sunny se virou e seguiu seus dois companheiros restantes.

Assim, eles deixaram Ardiloso para trás e continuaram a subir.

A essa altitude, atravessar a montanha estava ficando cada vez mais difícil. O vento batia neles com força suficiente para desequilibrar uma pessoa se ela não fosse cuidadosa, fazendo cada passo parecer uma aposta. O ar estava ficando muito fino para respirar. Devido à falta de oxigênio, Sunny começou a se sentir tonto e nauseado.

Era como se todos estivessem sufocando lentamente.

O mal da montanha não era algo que se pudesse superar com esforço. Era sutil e opressivo ao mesmo tempo, afetando os fortes e os fracos sem consideração por sua aptidão física e resistência. Se a sorte dele estivesse ruim, um atleta de elite poderia sucumbir mais rápido que um transeunte qualquer.

Era apenas uma questão da aptidão inata e adaptabilidade de seu corpo. Os sortudos eram capazes de superá-lo depois de experimentar sintomas leves. Os outros às vezes ficavam incapacitados por dias ou semanas, sofrendo com todos os tipos de efeitos colaterais torturantes. Alguns até morriam.

Como se tudo isso não fosse ruim o suficiente, também estava ficando mais frio. As roupas quentes e a pele já não eram suficientes para manter o frio à distância. Sunny se sentia simultaneamente febril e gelado, amaldiçoando cada decisão que tinha feito em sua vida para acabar aqui, na encosta gelada sem fim.

Esta montanha não era um lugar para humanos.

E ainda assim eles tinham que continuar.

Algumas horas se passaram. Apesar de tudo, os três sobreviventes continuaram a lutar para seguir em frente, subindo lentamente cada vez mais alto. Onde quer que estivesse aquele caminho antigo de que Acadêmico havia falado, a esta altura, não poderia estar longe. Pelo menos isso era o que Sunny esperava.

Mas em algum momento, ele começou a duvidar se o caminho existia mesmo. Talvez o escravo mais velho tenha mentido. Talvez o caminho tenha sido há muito destruído pelo tempo. Talvez eles já tivessem perdido sem nem mesmo perceber.

Justamente quando ele estava prestes a cair em desespero, eles finalmente o encontraram.

Era desgastado e estreito, mal dava para duas pessoas andarem lado a lado. O caminho não era pavimentado, mas sim cortado da rocha negra por algum instrumento ou mágica desconhecida, serpenteando montanha acima como a cauda de um dragão adormecido. Aqui e ali, estava escondido sob a neve. Mas o mais importante, era plano. Sunny nunca tinha ficado tão feliz em ver algo plano em sua vida.

Sem dizer uma palavra, Acadêmico largou sua mochila e se sentou. Ele estava mortalmente pálido, ofegante como um peixe fora d'água. Apesar disso, havia um leve sorriso em seu rosto.

"Eu disse."

Herói assentiu e olhou em volta. Alguns segundos depois, ele voltou para o escravo triunfante:

"Levante-se. Ainda não é hora de descansar."

Acadêmico piscou algumas vezes e olhou para ele com olhos suplicantes.

"Apenas... apenas me dê alguns minutos."

O jovem soldado ia retrucar, mas Sunny de repente colocou a mão em seu ombro. Herói virou para encará-lo.

"O que foi?"

"Desapareceu."

"O que desapareceu?"

Sunny gesticulou para baixo, de volta ao caminho que eles vieram.

"O corpo do Ardiloso. Desapareceu."

Herói o encarou por alguns momentos, claramente sem entender o que Sunny estava tentando dizer.

'Ah, é verdade. Eles não sabem que o nome de Ardiloso é Ardiloso. Ahem. Constrangedor.'

Ele queria explicar, mas tanto Acadêmico quanto Herói pareciam ter entendido o que ele quis dizer. Simultaneamente, eles se movimentaram para a borda do caminho de pedra e olharam para baixo, tentando localizar o lugar onde Ardiloso encontrou seu fim.

De fato, os respingos de sangue ainda podiam ser vistos nas rochas irregulares, mas o próprio cadáver não se encontrava em lugar nenhum.

Acadêmico recuou e se arrastou o mais longe possível da borda. O jovem soldado também recuou, agarrando instintivamente o cabo de sua espada. Os três trocaram olhares tensos, claramente entendendo a implicaçao do desaparecimento de Ardiloso.

"É o monstro," Acadêmico disse, pálido do que nunca. "Está nos seguindo."

Herói rangeu os dentes.

"Você está certo. E se ele está tão perto, seremos inevitavelmente forçados a lutar contra ele em breve."

A ideia de lutar contra o tirano era tão assustadora quanto preposterousa. Ele poderia também ter dito que todos eles estarão mortos em breve. A verdade disso estava dolorosamente clara para Sunny e Acadêmico.

Mas o escravo mais velho, surpreendentemente, não parecia em pânico. Em vez disso, ele abaixou o olhar e disse calmamente:

"Nem necessariamente."

Herói e Sunny se viraram para ele, todos ouvidos. O jovem soldado levantou uma sobrancelha.

"Explica?"

'Aí vem.'

Acadêmico suspirou.

"A besta nos rastreou até aqui em apenas um dia. Isso significa que existem duas possibilidades mais prováveis. Ou é inteligente o suficiente para perceber onde estamos indo, ou está seguindo o cheiro do sangue."

Depois de pensar um pouco, Herói assentiu, concordando com essa lógica. O escravo mais velho sorriu levemente e continuou.

"Seja um ou outro, podemos despistá-lo e ganhar algum tempo."

"Como fazemos isso?"

Apesar da urgência na voz de Herói, Acadêmico hesitou e permaneceu em silêncio.

"Por que você não está respondendo? Fale!"

O escravo mais velho suspirou novamente e lentamente, como se contra sua vontade, respondeu. Sunny estava esperando por este momento há um tempo agora.

"Só teremos que... fazer o garoto sangrar. Arrastá-lo pelo caminho, então deixá-lo lá como isca e seguir para cima. Seu sacrifício salvará nossas vidas."

'Na hora certa.'

Se Sunny não estivesse furioso — e com muito medo, claro — ele teria sorrido. Seu julgamento, parece, estava assustadoramente no ponto. A afirmação era sempre boa... mas não na situação em que estar certo também significava potencialmente ser usado como isca de monstro.

Ele se lembrou das palavras que Acadêmico havia pronunciado quando Ardiloso estava fazendo campanha para matar Sunny — "Não tenha tanta pressa, meu amigo. O garoto pode se mostrar útil mais tarde." Essas palavras, que pareciam benevolentes na época, agora se mostraram esconder um significado muito mais sinistro.

'Que canalha!'

Agora tudo dependia de se Herói decidiria ou não seguir o plano de Acadêmico.

O jovem soldado piscou, espantado.

"O que você quer dizer, fazer ele sangrar?"

Acadêmico balançou a cabeça.

"É simples, na verdade. Se o monstro sabe para onde estamos indo, não temos escolha senão abandonar nossos planos de chegar ao desfiladeiro e ir até o pico da montanha. Se o monstro está seguindo o cheiro do sangue, temos que usar um de nós como isca para confundi-lo."

Ele fez uma pausa.

"Só deixando um homem sangrando mais abaixo no caminho podemos evitar a perseguição, não importa como ele está nos rastreando."

Herói ficou imóvel, seus olhos pulando entre Acadêmico e Sunny. Depois de alguns segundos, ele perguntou:

"Como você pode trazer para si mesmo propor algo tão vil?"

O escravo mais velho se fingiu de magoado e sombrio.

"Claro, isso me dói! Mas se não fizermos nada, todos nós três morreremos. Desta forma, pelo menos, a morte do garoto salvará duas vidas. Os deuses o recompensarão por seu sacrifício!"

'Gee, que lábia. Quase estou convencido.'

O jovem soldado abriu a boca e a fechou novamente, hesitante.

Sunny assistiu em silêncio aos outros dois sobreviventes, medindo suas chances de sair por cima em uma luta. Acadêmico já estava quase um cadáver, então dominá-lo não seria um problema. Herói, no entanto... Herói representava um obstáculo.