Traidora... É assim que todos me chamarão a partir de agora. Aquela que trouxe a desonra aos Rurik, aquela que tentou matar o rei!
Eu o teria matado, teria partido o seu pescoço e arrancado o seu coração! Eu teria nos libertado das coleiras com prazer.
Meu corpo doía, sentia o sangue secando na pele e as folhas grudando nele sempre que tentava mudar de posição. Ser espancada e jogada para morrer na floresta negra, sendo devorada pelas bestas selvagens, eis a sentença benevolente do rei em honra da minha família que sempre lhe fora fiel. Que grande piada!
No ar, o cheiro pungente de predadores me deixou em alerta, eu estava fraca demais para me defender e o veneno ainda queimava minhas veias, se encontrasse uma besta nesse momento minha morte seria garantida, assim como o rei previra... Maldito tirano!
Ouvi som de cascos e me arrastei até a árvore mais próxima e me ergui até conseguir sentar encostada nela. Era doloroso até o simples ato de respirar, mas eu sabia que apenas o reino bárbaro era louco o suficiente para perambular pela floresta negra sem temer seus perigos, e ser pega por eles não seria mais agradável que voltar a malaviuns.
Calei minha respiração com dificuldade e fiquei encolhida ao máximo nas sombras, em pensamento, implorava que a floresta escolhesse me proteger, ainda que eu fosse uma intrusa.
O barulho ficou mais próximo, ouvi o relinchar dos cavalos e as risadas de quem os montava, parecia um pequeno grupo, 4, talvez 5 pessoas.
- uma caçada noturna não parece mais uma ideia tão boa - uma voz masculina soou brincalhona
- detesto os períodos de subjugação, por que simplesmente não manda-los para além da fronteira?- murmurou uma voz feminina, irritada
- calem a boca! - uma voz masculina firme ordenou, e aquela voz pareceu diferente, perigosa ao ponto de atormentar meus instintos, fazendo com que me encolhesse ainda mais
O ruído sutil das folhas ao me mexer foi o suficiente para fazer o grupo ficar em alerta. - Malditos reflexos - foi tudo que pude pensar antes de uma flecha se cravar no chão a poucos centímetros dos meus pés. Eu não conseguiria fugir, muito menos lutar, mas se era uma subjugação de bestas ficar quieta não me seria vantajoso.
Soltei o ar e gemi com a dor nos pulmões, eu não tinha muitas opções favoráveis, na verdade, eu não tinha opções.
- eu agradeceria se simplesmente seguissem adiante sem tentar acabar com o meu sofrimento! - ironizei rangendo os dentes e o grupo parecia ter prendido a respiração.
Ouvi um bater de pés contra o solo e o deslizar deles em minha direção me deu a certeza que seria atacada. Ainda que lerda, consegui mover meu pescoço para longe da lâmina da adaga que se cravou no tronco da árvore. Na escuridão da floresta a minha frente, distingui a silueta de um homem jovem, alto e forte. Usava uma capa longa com capuz e uma máscara cobria seu nariz e boca. Vi o centilar mágico de seus olhos azuis e soube que estava diante de um assassino.
- que grosseria - resmunguei.
- o que é você? - a voz feminina soou novamente
Eu sabia que meu rosto estava inchado e hematomas horríveis me cobriam da cabeça aos pés. Nenhum sinal da beleza que sempre possui.
- o que são vocês? - retossei, nunca fora boa em segurar a língua
- tenho a impressão que é você quem deveria responder as perguntas ao invés de faze-las - murmurou a primeira voz que ouvi, novamente
- incurralar garotas quase mortas é um robe pessoal?- me mexi para mais perto da fraca luz da lua, revelando boa parte do estrago que me fora feito.
Ouvi respirações abafadas de surpresa e senti olhares horrorizados me encararem, ainda que muito pouco eu pudesse ver.
- Porra - ouvi a garota xingar - que merda aconteceu com vc?
- Hana! - a voz masculina autoritária a parou quando tentou se aproximar
- olha pra ela! Acha mesmo que é uma ameaça? - ela disse, impaciente - Não pode estar falando sério!
Passos soaram em minha direção. Um homem se agachou ao meu lado e agarrou meu rosto impiedosamente apertando os dedos nas minhas bochechas. Engoli um grito sem conseguir impedir um gemido de dor, lágrimas marejaram os meus olhos e o meu corpo se moveu dolorosamente tentando se encolher, fugir.
- Ainda estão por aqui? - ele perguntou impaciente, eu teria rido da preocupação dele pela proximidade dos meus agressores se o aperto não estivesse me causando tanta dor. - Responda!
- talvez se você parar de apertar as feridas dela - o tom de Hana dançava entre a ironia e a irritação - ela consiga falar alguma coisa ...
O homem aliviou o aperto, mas não soltou o meu rosto. Seus olhos pareciam obsedianas escuras e profundas, seu rosto era lindo e sua expressão feroz, cabelos negros revoltos caiam em ondas aqui e ali e por um segundo achei estar vendo uma besta na forma humana.
- ainda estão por aqui?- ele repetiu a pergunta sem desviar os olhos dos meus
- os assassinos do rei não vêem graça em assistir bestas devorando alguém, por mais irônico que seja - murmurei irritada e o olhar dele se tornou mais intenso