Dizem que em nosso último suspiro sentimos a dor mais torturante e o desespero mais profundo. Mas, para mim, após aquele dia, a morte tornou-se um convite sedutor, uma fuga rápida de todas aquelas memórias.
Para pessoas comuns, isso pode ser algo horrível, mas aprendi da pior forma que existiam destinos ainda mais cruéis.
— Fuja… fuja! — uma voz ecoou em minha mente.
Uh?… — Senti algo escorrer por meu rosto. — São lágrimas…? Não, é gelado. Isso é chuva.
Meus olhos se abriram lentamente, minha visão turva gradualmente endireitou-se, junto aos meus outros sentidos. Eu estava de pé, em minha volta havia apenas lama, pedras e uma densa neblina. A chuva forte me agredia com um barulho ensurdecedor, enquanto meu corpo tremia de frio, completamente encharcado.
Meus braços doíam tanto que pensei que se partiriam ao meio, e parte do motivo para isso era o item em minhas mãos. Nelas, havia uma longa e pesada espada. Sua lâmina tinha um azul vibrante, como a superfície do oceano, e refletia a luz como um diamante lapidado. Pude ver claramente meu reflexo em sua superfície, meu rosto estava ferido e minha expressão era de completa impotência. As gotas de chuva que escorriam pelo fio da lâmina chegavam à minha imagem espelhada, dando a impressão que eu estava chorando.
Bom, talvez realmente estivesse…
Por mais que eu quisesse, era quase impossível continuar segurando aquela espada pesada em minhas mãos trêmulas.
— Por que eu ainda tô com medo? — murmurei, cerrando os dentes. — Eu já perdi tudo…
Uma das gotas que deslizavam por meu rosto desprendeu-se em direção à espada, e assim que a atingiu, tudo se silenciou.
De repente, eu estava deitado sobre um gramado verde, com os mornos raios do sol vespertino banhando meu rosto. Abri meus olhos e notei uma silhueta observando-me de cima, mas a forte luz me impedia de enxergar sua face. Contudo, eu não precisava ver, pois sabia muito bem quem era aquela pessoa.
Não… ainda existe algo, algo que não quero perder.
A luz intensificou-se cada vez mais, ofuscando toda minha visão. Fechei meus olhos novamente, e quando os abri, estava de volta ao temporal. Mas agora diferia, eu finalmente lembrava o porquê de estar ali.
Ergui a cabeça lentamente, enquanto um brilho carmesim emergia da neblina à minha frente. Seus tons brancos deram lugar a uma névoa de sangue que tomou conta do ambiente. Em seguida, uma silhueta emergiu dela, caminhando a passos lentos em minha direção. Por um momento, seus olhos escarlate encontraram os meus, dando-me um vislumbre de reconhecimento. Algo neles ainda me era familiar, mas já muito distante de qualquer salvação.
— E pensar que desde o início… foi tudo culpa sua! — Apertei o punho da espada, fazendo os ossos da minha mão rangerem com a pressão aplicada.
Uma sensação de ardor percorreu minha pele, como se brasas estivessem caindo sobre mim. Em seguida, uma fina aura começou a me cercar e o ar ao redor ficou mais pesado, mas me senti incrivelmente leve. Instintivamente, dei um suspiro longo e profundo, apoiei meu corpo em um dos joelhos e firmei o braço que empunhava minha espada para trás. Minhas pernas projetaram-me quase involuntariamente para frente, e de repente, um pulso de energia permeou todo meu corpo. Pequenos lampejos surgiram à minha volta, enquanto minha espada emanava um forte brilho.
Por um momento, o tempo pareceu congelar. As gotas de chuva que caíam do céu ficaram completamente estáticas no ar. Aquela visão era indescritível, o brilho azul que refletiam fez-me sentir cercado por um milhão de vaga-lumes numa madrugada escura.
Ainda assim, eu não estava feliz. Tudo que eu queria era acabar com aquela sombra que havia destruído minha vida, e nem a própria morte me impediria de fazer isso…