Na sala um clima se intensificava.
Jake estava sentado no sofá sendo alvo do olhar mortífero de Nicolas, ainda enroscado nas cobertas. Sem conseguir dizer uma única palavra tamanha a sua surpresa em descobrir sobre aqueles dois. Teria visto corretamente? Quando Milles abrira a porta do quarto ele estava apenas de calça e, pelo que vira, Nicolas estava só de boxer.
— Perdeu o cu na minha cara?
O platinado soltara um riso baixo negando com a cabeça, sem deixar de parecer completamente fascinado com o quebra-cabeças montado na sua frente.
— Boquinha suja como sempre, hein baixinho.
— Olhar pra tua cara me deixa puto. Poderia virar de costas, por gentileza?
— Alguém te ensinou a falar "por gentileza". Está crescendo finalmente, Nicolas. Comigo você sempre rosnava.
Uma veia saltara da testa do ômega, que contivera o seu rosnado milagrosamente.
— Definitivamente vocês são primos, igualmente insuportáveis.
— Aqui mano. — Milles entregava uma xícara branca de café para o primo, ouvindo sua risada baixa.
— Nada de almoço em família?
— Acordei agora, dá um tempo.
O alfa loiro se sentara no sofá acariciando a testa, onde havia a cicatriz recente de sua ferida. Percebendo aquilo, Jake não tardara em apontar.
— O que fez na testa? Parece feio isso aí.
— Ah, durante a partida eu corri demais e acabei me machucando. Mas estou bem.
— Durante a partida? Estava tão agitado assim?
— Era isso ou perder as eliminatórias. — Sorria Milles bebericando o café, olhando sobre o ombro onde pode ouvir um rosnado — Tá fazendo cara feia por quê?
O moreno bufara empurrando o tronco de Milles para que ele se encostasse no estofado, e assim Nicolas pudera se encolher em seu colo. Ajeitou-se como um gato preguiçoso defendendo seu território enquanto direcionava olhares carregados de maldições para o seu inimigo.
— Estou pronto pra saber como desenrolou essa situação. Sou todo ouvidos — Comentara Jake alegremente, ou até fascinado com aquela visão — A última vez que os vi foi quando estavam prestes a saírem no soco.
Nicolas apenas puxara a gola da camisa do loiro mostrando a mordida, tendo Jake quase cuspindo o café. Piscara algumas vezes, passando a mão sobre o queixo limpando o café que escorria de sua boca.
— Espera aí, vocês se morderam? Mas pensei que... Uau.
— Algumas coisas aconteceram — Dizia Milles coçando a nuca, erguendo uma perna para apoiar o braço nela. Parecia completamente relaxado ao contrário do outro que permanecia atento e em defesa.
— Eu estou vendo. Mas se estão felizes, então pra mim tá nota dez.
— Olha esse imbecil querendo bancar o legal.
— Ele me chamou de imbecil? — Questionara Jake aturdido, recebendo do primo um balançar de cabeça que era claro pra deixar aquilo de lado.
— O que veio fazer aqui na cidade? — Perguntara Nicolas impacientemente, olhando o alfa platinado ainda ferozmente.
Jake abrira um simples sorriso fitando a xícara em mãos.
— Vim concertar algumas bagunças que fiz. Podem pensar que estou à trabalho. — Meneava com a cabeça o platinado, tornando a bebericar do café. — Mas não é fácil pisar aqui enquanto a família tá reunida, então a Sadie me ligou avisando que era oportuno.
— Minha irmã te ligou? Pensei que meus pais tinham excluído o teu número do celular dela da mesma forma que fizeram comigo.
— Ha foi um inferno, mano. — Reclamava Jake bagunçando os cabelos. — Me impediram de aproximar de tudo quanto era jeito, até no Orkut não conseguia adicionar vocês. E nem me pergunte como, só sei que me excluíram por completo.
— Ah quase fiquei com pena, mas já passou. — Murmurava Nicolas abrindo um sorriso ladino.
— Não precisa ser frio comigo, Nicolas. Eu sei muito bem porque está bravo comigo e não tiro a razão.
O ômega soltara um riso nasalado, mesmo esfregando a bochecha no peito de Milles procurando por seu cheiro inconsciente. Agora que a mordida fora feita em seu corpo, seu instinto ômega era incontrolável sempre precisando estar perto do seu alfa. Ainda assim, Nicolas permanecia o mesmo, com sua malícia e mau humor acentuado graças ao cansaço que sentia.
— Agora sim senti pena, ele acha que estou sendo frio.
— E não está?
— Já montei um dossiê sobre diferentes formas de te matar, e agora estou escolhendo uma pra por em prática.
— Leve seu tempo, então. Não tenho pressa e eu vou ficar um tempo por aqui.
— Vai ficar? — Fora a vez de Milles em parecer surpreso, puxando a coberta pra cobrir o corpo de Nicolas quando as cortinas balançaram com o vento. — Aqui na cidade quero dizer. Não tem medo dos meus tios te verem?
— Eles estão viajando à negócios, segundo Sadie. Então, posso andar tranquilamente por aqui.
Bocejando sonolento, o ômega baixara as cobertas o suficiente para olhar Jake diretamente em seus olhos. Sem permitir que fugisse de si, apesar de ser difícil. Ele nunca fugiria. Adoraria ir dormir, já que seu corpo estava fraco demais ainda, mas não se daria por vencido enquanto não tivesse a resposta que quisesse. Mas antes que ele pudesse dizer algo, Jake logo puxara o assunto tão aguardado.
— Como ele está? Theodore, quero dizer.
Milles não respondera, sabia muito bem que quem teria a melhor resposta seria o próprio Theodore. Não via seu primo há um ano e não fazia ideia de como ele teria lidado com a situação. Será que se contasse sobre Theodore estar com outra pessoa partiria o coração de Jake?
— Muito bem sem você, estrume.
Jake soltara um riso baixo.
— Pensei que iria mentir para mim, Nicolas, só pra que eu me sentisse um lixo. Ou diria que não é da minha conta.
— Você já é um lixo, não precisa de muito esforço.
— Tá tá, dorme aí — Resmungava Milles deitando a cabeça de Nicolas em seu ombro — Não me diga que veio pra cá conversar com ele, veio?
— É um dos objetivos. — Concordara Jake abrindo um largo sorriso — Eu já mandei várias mensagens pelo MSN, mas Theodore nunca me respondeu. Não pude imaginar que coisas pudessem ter acontecido, e queria pelo menos saber que ele ficou bem.
Nicolas e Milles trocaram olhares e suspiraram em seguida.
— Ele tá melhor, e já seguiu em frente.
Os olhos claros de Jake se ergueram curiosos para o casal. Milles coçara a nuca, em seguida apontando pra cozinha.
— Pega mais café, a história é longa.
Aceitando o conselho, Jake se levantou trazendo a garrafa de café fresco para a sala, e então o alfa loiro começara a contar. Milles nem tentara ocultar a sua parcela de culpa sobre os problemas que Theodore enfrentara desde então, ao mesmo tempo clarificara ter conversado com o ômega e resolvido suas diferenças.
Os ombros de Jake foram se curvando cada vez mais, e o semblante carismático logo era trocado pela culpa propriamente dita. Nicolas ouvi a conversa lutando contra o seu sono, mas sem tirar seus olhos escuros do alfa platinado analisando cada comportamento seu.
Jake era uma boa pessoa. Até mesmo Nicolas se sentia atraído pelo seu carisma natural. Enquanto jogara sob sua liderança, o ômega soubera o que era ser um capitão e desejava ser igual a ele. Quando Theodore havia lhe contado que ambos estavam juntos, ficara preocupado pelo peso do sobrenome Mckenzie.
Mas em momento algum Jake destratara Theodore.
Fora um bom namorado, mesmo que a relação permanecesse em segredo. Cuidava bem de Theodore, o acobertava quando seu cheiro ficava intenso e ainda o protegia quando necessário. Até mesmo quando os rumores de que ele era um ômega começassem a circular, Jake permanecera do lado dele.
Só não pudera fazer mais, pois os Mckenzie agiram por conta própria.
— Nunca pensei que as coisas ficariam desse jeito. — Murmurava Jake passando os dedos pela testa — Eu deveria ter levado Theodore comigo, mas pensei que seria difícil ele se adaptar na capital.
— Se aqui o pessoal já olha torto, quem dirá na capital.
— Levar ele pra capital? Só por cima do meu cadáver. — Rosnava Nicolas, finalmente fechando os olhos sendo derrotado pelo cansaço. — Nem pense em chegar perto do meu...
Em segundos ele caíra do sono.
— Ele... Tá bem? Tá precisando ir no médico?
— Não, é por causa da mordida. — Acalmara Milles, soltando um riso. — Como estive inconsciente por causa do acidente ele ficou nervoso do meu lado o tempo todo. Então ele precisa restaurar as energias.
— Que vida difícil de um ômega.
— Espera, você sabia? — Questionava Milles de olhos arregalados.
— Que o Nicolas é um ômega? Sempre. Ele cheira a um. — Sorria Jake bebericando o café, tendo o seu primo o fitando chocado. — Você não sabia?
— Só quando ele me falou. Era tão óbvio assim? O cheiro dele sempre me enganou.
Jake soltara um riso baixo.
— Como eu era próximo do Theodore, me acostumei a sentir cheiro de garotos ômegas. — Olhando a própria mão, o alfa permanecera reflexivo por uns instantes até olhar o seu primo — E a galera da escola já sabem de vocês dois?
— Nem sonham! O máximo que sabem é que o Nicolas tá com alguém, mas ninguém imagina que sou eu.
— E pela sua reação é provável que ainda não saibam que Nicolas é um ômega também, certo? — Sorria Jake mesmo com Milles negando com a cabeça. — Não quero bancar o cara chato igual teus pais, mas... Pretendem esconder isso até quando?
O loiro suspirava baixando os olhos para o seu colo, onde Nicolas dormia profundamente todo encolhido. Seu rosto parcialmente escondido em sua camisa, onde sentia o seu cheiro. Mergulhando os dedos compridos em seus fios escuros, Milles não soubera responder prontamente aquela pergunta.
Percebendo o silêncio, Jake inclinou-se dando um aperto no joelho do primo.
— Olha, vou mandar a real pra ti porque é do meu sangue. Você não deve nada a ninguém, mas se tentar esconder alguém vai descobrir. Só sabemos que há um segredo quando descobrimos sobre ele.
— Eu vou me formar e Nicolas ainda tem mais um ano. Não deixo de pensar que ele poderá passar a mesma coisa que o Theodore. Mesmo sendo pavio curto, não significa que as pessoas irão ficar na delas.
— Já conversaram sobre isso? — Milles limitou-se em negar com a cabeça em resposta. — Se ele disser pra todos que é um ômega, o que você vai fazer?
— Não faço ideia, mano.
Apertando o joelho de Milles, Jake lhe direcionou um sorriso amigável.
— Eu me arrependo de não estar do lado dele no momento em que mais precisou. Como posso dizer que o amava, sendo que não estava lá? É pura covardia. Diferente de mim, você terá alguém te apoiando.
— Como assim?
— Quando a merda estourar, eu te ajudarei independente do que acontecer. Serão bem vindos, os dois. — Dissera Jake olhando também para Nicolas.
Milles compreendera aquelas palavras e não pode deixar de sorrir. Enfrentar os problemas sozinho requer coragem, mas saber que tem alguém o apoiando é outro nível.
Talvez houvessem males que viessem para o bem.