Acidentes em meio a uma partida eram comuns de acontecerem, contudo não significaria que seriam ignorados.
Muito menos que não seriam aterrorizantes.
Desde o momento em que pisara na quadra, Nicolas permanecera focado na vitória do seu time. Acabar com Santo Ângelo comprovando à Maicon o quão inferior ele era e sempre seria tornou-se o seu objetivo pelos próximos minutos de jogo. Independente dele sendo capitão ou não, fato era de que Nicolas sempre seria o centro das atenções quando pisasse numa quadra. Por ser excelente jogador.
A adrenalina de um jogo acirrado o excitava. Quanto mais forte fosse o adversário, melhor. Era assim que uma pessoa conseguia crescer em alguma coisa, enfrentando coisas e pessoas difíceis. Nada era melhor do que celebrar uma vitória sobre um adversário forte.
Com essa venda em seus olhos, Nicolas estava cem por cento focado no jogo. Precisavam ganhar e garantir a vaga para o campeonato. E o rally estava ficando cada vez mais rápido de acordo com a tensão dos times.
Mal vira que a recepção fora feita por Bruno, apenas acompanhara a bola indo para fora da quadra. Enquanto ela estava no alto o pensamento de que estava ferrado passara pela mente do ômega. Além de dar abertura ao outro time para virarem o placar, Nicolas sabia muito bem que todo o time estava cansado demais para continuar.
Por um instante ele desistira de seu objetivo.
Até ver Milles correndo atrás da bola.
Naquele momento, Nicolas sentia a conexão deles mostrar a determinação do alfa em não deixar a derrota acontecer. Seus olhos castanhos brilhavam intensamente, e sua boca estava arreganhada como se rosnasse para a bola. Milles corria insanamente atrás dela, como se dependesse daquele único fio de esperança.
Como poderia permanecer parado diante de uma cena daquelas?
Seu corpo simplesmente respondera imediatamente, correndo e se posicionando para onde achasse que a maldita bola chegaria. Deveria ser rápido para dar fim aquele tormento. E no instante em que cortara, sua atenção fora completamente roubada.
Os olhos escuros se moveram para os cantos, onde vira o instante em que Milles caíra sobre a mesa dos jurados, derrubando alguns deles e virando a mesa.
Todo o seu corpo endurecera. Seu rosto empalidecera de ver o alfa caído de costas para si, estirado ao chão.
Por quê?
Por que ele caiu?
Por que ele estava no chão ainda?
Não vai se levantar?
Seus ouvidos zumbiam. Em suas costas o time ainda reagia ao apito do árbitro dando a vitória, enquanto na sua lateral via o professor Marcos e Theodore correrem para a mesa dos jurados. Tudo ocorria em câmera lenta para aquele ômega.
Fora o primeiro a deixar a quadra para correr até o amontoado de gente que tentavam ajudar os jurados a se levantarem. Empurrara alguns curiosos para alcançar a frente, tendo finalmente a visão de Milles ainda caído ao chão de costas para si.
— Abram espaço! Abram espaço! — Gritavam os organizadores empurrando os curiosos.
Nicolas mal piscava. Fitava assombrado a figura de Milles caído sem poder enxergar o seu rosto. Queria ver os seus olhos, pois só daquele jeito saberia que tudo estava bem. A mordida não lhe passava nenhuma sensação, aumentando o pavor do ômega.
Tinha perdido a consciência?
E se ele tiver batido a cabeça com força?
E se alguma coisa atravessara seus olhos? Não... Teria nada que pudesse tornar em um acidente tão grave.
O coração palpitava cada vez mais rápido. As mãos tremiam medrosas e as pernas falhavam.
— Sai da frente. — Murmurava Nicolas quando alguém tentara o manter afastado. — Saia da minha frente, porra!
Agarrando a blusa de quem quer que fosse, Nicolas o empurrara conseguindo se jogar no lado do técnico observando um socorrista examinar o estudante. Podendo finalmente olhá-lo, Nicolas já não sabia mais o que sentir quando vira o socorrista estender a mão de Milles com sangue.
— Vamos levá-lo pra enfermaria, já chamamos a equipe médica. — Dizia o socorrista para a sua equipe, que seguravam uma maca. — Tomem cuidado, ele bateu a cabeça. Sem movimento bruscos.
A equipe de socorristas trabalharam em conjunto para levantarem aquele adolescente corpulento e subi-lo na maca. Milles estava de olhos fechados e o sangue escorria de sua testa por seu rosto.
Quando levaram o alfa para fora da quadra, Nicolas dera um passo para acompanhá-lo, mas suas pernas falharam trêmulas quase caindo ao chão. Sorte a sua de Theodore e Gabriel aparecerem ao seu lado o segurando.
— Nico! Nico! Você está bem?
Um nó se formara na garganta de Nicolas tornando-o incapaz de responder. Agarrou-se na blusa do melhor amigo incapaz de enxergar Milles.
Que sensação estranha era aquela?
Angustiante... Não queria se sentir daquela maneira.
Era como se estivesse fraco... Desesperado, caindo em um abismo infinito sem chance alguma de sobreviver.
— Nicolas respire fundo! Não, calma... Merda! Ele tá hiperventilando.
— Segura ele, vou pegar alguma coisa.
As vozes eram meros zumbidos para Nicolas. Sua visão ficava turva na medida em que o abismo o engolia cada vez mais. Que merda era aquela? Tudo o que precisava era correr até o alfa e verificar se ele estava bem.
Por que ele estava sentindo aquela sensação horrível?
Desde quando se tornara um fracote ao ponto de sentir o pânico tomando cada parte do seu corpo?
— Nico, aqui, respire aqui — Ouvira a voz gentil de Theodore e algo cobrir parte de sua boca e nariz. Um barulho estranho ganhara a sua atenção e então percebera que sua respiração estava rápida e afoita demais.
— O que tá havendo com ele, Moss?
— Deve ter se assustado com o que aconteceu com o Milles, eu não sei.
— Mas que droga está havendo aqui? — O professor resmungava bagunçando os cabelos sem tirar os olhos preocupados sobre os alunos.
— Seria melhor levarmos ele pra perto do Milles — Dissera Gabriel segurando firme o corpo mole de Nicolas. — Pode ser bom até pra ele ficar perto do seu ômega.
— Mas se estão fazendo os primeiros socorros nele não vão deixar o Nicolas perto.
— Do que estão falando? Rápido carreguem ele pro vestiário.
Theodore rosnava olhando o professor sobre o ombro. Com um singelo balançar de cabeça sinalizara para o professor se aproximar, e quando o fizera logo dissera.
— O Nico mordeu o Milles, eles agora tem um vínculo.
Fora a vez do rosto do professor empalidecer. Coçando a cabeça, ele suspirara pesado e então apontava para os dois jovens. Pobre coitado daquele técnico, que mal sabia a quem socorrer primeiro. Não poderia deixar o time sozinho, assim como deveria ficar perto da enfermaria ou então acudir Nicolas. Por fim, apertara o ombro de Gabriel e de Theodore fazendo um singelo pedido.
— Assim que ele melhorar, levem pra enfermaria. Eu preciso ir até lá pra saber o estado do Mckenzie. Vou avisar os enfermeiros disso, então deixarão que entre.
Demorara um tempo para que a respiração de Nicolas voltasse ao normal. Theodore começara a massagear as pernas do ômega auxiliando na circulação, atento ao mísero movimento do mais baixo. Enquanto isso, Gabriel fora falar com o time para fazerem o aquecimento e se reunirem no vestiário onde esperariam por notícias de Milles.
Lentamente Nicolas pudera voltar a raciocinar. Conseguira se acalmar, apesar de seu corpo ainda agir estranhamente. Permanecera sentado no chão tendo o melhor amigo na sua frente massageando suas panturrilhas enquanto o encarava.
— Ele está bem. — O ouvira dizer, tendo Nicolas erguendo os olhos escuros para Theodore. — Ninguém chamou uma ambulância, então deve ser algo que a equipe daqui consegue lidar. Não precisa se preocupar.
Nicolas queria dizer que não estava preocupado. Nunca iria se preocupar com Milles. Contudo, seu coração ainda batia acelerado e agora era difícil respirar. O pavor ainda trilhavam suas veias transformando os seus músculos em chumbo o prendendo contra o chão.
Que merda.
Não estava preocupado.
Não estava preocupado que Milles estivesse mal.
Estava apavorado que Milles estivesse mal.
Mal saberia ele que em seus olhos eram refletidos a sua angustia tão desconhecida.
— Vamos lá, eu vou te deixar na enfermaria.
Theodore segurara os braços de Nicolas e o puxara para auxiliá-lo a se levantar. O apoiando por completo, o ômega logo recebera a ajuda de Gabriel que carregava alguma bolsa. Nicolas nem conseguia acompanhar aqueles dois, sua cabeça estava tão pesada.
Só sabia que uma garrafa d'água fora estendida junto com uma barra de cereal, sendo esta última engolida à força. Até tentara rejeitar comer alguma coisa, mas Theodore parecera brigar consigo e quebrado de pedaço em pedaço lhe dando na boca. Enquanto mastigava conseguia se sentir minimamente bem, já que percebera sentir fome.
Ainda assim não seria o suficiente para sanar aquela angustia por completo.
Arrastando-se pelo ginásio, Nicolas mau acreditava no que sentia. Era por culpa da mordida, certo? Isso tudo era causado pelo maldito vínculo que seus instintos insistiam em ter com Milles. Não vinham dele, certo?
Quanta besteira.
Piscando lentamente quando uma porta fora aberta, o ômega sentira o ar quente bater contra seu rosto. Ignorara por completo as conversas paralelas e os olhares que eram direcionados a si. O que lhe interessava estava deitado desacordado recebendo tratamento de algum médico beta.
Soltando-se de Theodore, o ômega fora caminhando até o alfa. Vez ou outra alguém tentava se aproximar, mas Nicolas lançava um olhar feroz como resposta.
— Sai do meu caminho.
Qualquer um que ousasse impedi-lo de se aproximar do seu alfa era merecedor de sua raiva. Tudo o que precisava fazer era ficar perto, o tocando de alguma maneira. Não atrapalharia o trabalho deles, é claro, até porque não é como se ele mesmo soubesse o que fazer.
Só sabia que precisava estar com Milles.
Puxando uma cadeira e a deixando ao lado da cama em que Milles estava, Nicolas se sentara e segurara a mão do alfa.
O professor estava parado junto de Gabriel e Theodore, olhando aquela cena de olhos arregalados sem conseguir se acostumar com a informação recém recebida. Aqueles dois brigavam desde o momento em que se conheceram. Já tivera de apartar diversas discussões acaloradas e ir até a diretoria para ouvir reclamações sobre eles. Já os acobertara diversas vezes, pois eram necessários para o time.
Sempre seriam vistos como opostos.
Opostos estes que agora compartilhavam um vínculo digno de novela das seis.
— Howard você...
— Cala a boca! — Rosnava o ômega de cabeça baixa. — Só estou fazendo isso porque preciso, e não porque eu quero.
Dando um tapinha em sua cabeça, o professor rosnara em seguida.
— Quem você pensa que é pra mandar seu professor calar a boca? Podem examinar ele, tava hiperventilando agora a pouco. E se ele encher o saco é só botar pra dormir. — Indo para a saída da enfermaria, o professor virou-se para os outros dois jovens que estavam parados — Vocês dois ficam aqui, que eu vou ver o time e já volto. Qualquer coisa me avisem.
Não tinham muito o que fazer ali além de observar Nicolas segurar a mão de Milles e ficar de cabeça baixa impedindo de verem seu rosto. A equipe médica continuara o seu trabalho examinando agora o ômega também, e logo um deles aproximou-se do ômega loiro.
— Está tudo bem com os dois, provavelmente o seu amigo está inconsciente devido ao cansaço e o impacto. Já fizemos os pontos para o corte em sua testa, mas deixaremos uma bolsa de soro para ele enquanto esperamos acordar. Ainda assim, recomendo que ao voltarem pra cidade façam os exames pra verificar melhor.
— Ah que alívio! — Suspirava Theodore — Muito obrigado mesmo, e nos desculpem pelo trabalho!
— Não se preocupem, esse tipo de coisa sempre acontece. — O médico olhara sobre o ombro aqueles dois de mãos dadas e sorrira — Se aquele alfa estiver com o seu ômega a recuperação será mais rápida. Provavelmente poderão voltar pra casa mais cedo.
Tendo a sala ficando mais silenciosa, Theodore apenas cruzara os braços ao olhar em direção do amigo.
— Ouviu, não é?
Nicolas relaxara os ombros, apoiando a cabeça na palma da mão. Parecia que suas emoções estavam transparentes para os outros, e isso era simplesmente horrível. Queria se esconder apenas, fingir que aquela situação não estaria acontecendo consigo.
Mas o que podia fazer?
Agora que segurava a mão de Milles podia sentir confortável e calmo. Para o seu terror, queria deitar em cima dele e deixar seu ouvido no peito do alfa só pra ouvir seu coração bater. Sentia vontade de apenas encostar em sua pele só pra se acalmar.
Mas teria de se contentar em segurar suas mãos.
Como se o amasse.