No sábado de manhã ao desembarcarem do ônibus, todo o time Montreal era o centro das atenções dentre os visitantes. Não apenas por estarem ali para competirem pela final, mas também por conta de extensa fila de estudantes usando a camisa personalizada com o emblema da escola, carregando instrumentos para dentro do ginásio.
Montreal definitivamente passava uma aura completamente diferente de duas semanas atrás.
Guiando o seu time para dentro do ginásio, os meninos mantinham a seriedade e a postura sem espaço para brincadeiras. Quem os seguissem com os olhares atentos e curiosos para saber a seu respeito, não imaginariam o quão nervosos estavam por dentro.
A sensação de competir em uma final era completamente diferente de competir as primeiras fases, mesmo sendo apenas as eliminatórias. Era algo grandioso demais, pesava em seus jovens ombros e os enchiam de adrenalina ao mesmo tempo.
— Podem começar a se aquecer enquanto passo para os juízes os nossos titulares. — Avisava o professor ao deixar o vestiário.
Tirando o agasalho, Milles espreitava os olhos para Gabriel que parecia radiante. Não sendo nenhuma novidade, já que o primeiro cio com o ômega já deixava claro o vínculo criado entre eles. Ainda assim Gabriel deixava muito claro que estava feliz por ter tido uma boa noite.
— Não vi Theodore na entrada, ele já estava no ginásio?
— Hm... Na verdade ele disse que ia chegar mais tarde. Hoje quem cuidou dos preparativos foi a turma do primeiro ano que ele tem representado no concurso.
— Deve ser algo sério pra ele faltar.
— Se fosse já teria pedido ajuda. Desde que ele apareça para nos ver vencer, eu já fico feliz.
Milles rira baixo bagunçando os cabelos morenos de Gabriel.
— Pau mandado mesmo.
Aproveitando a distração de seus colegas de time, Milles arrumava o curativo em seu ombro direito escondendo a mordida. Ainda se mantinha discreto sobre sua relação com o ômega baixinho, esquivando-se das perguntas sobre o curativo que usava semanas consecutivas.
E então chegara o momento de irem para a quadra se aquecerem. Formando uma fila, Milles liderava o time para a lateral da quadra onde iniciavam o aquecimento. Todo o time parecia deslumbrado com a grande quantidade de gente que vieram assistir sua partida. Além disso, a torcida organizada de Montreal ocupara boa parte das arquibancadas e corredores, sendo algo belo de ser visto.
O grito da torcida enchiam o ginásio. Todo o time virou-se para assistir aquele espetáculo sendo a primeira vez que chegavam a tamanha grandiosidade. Suas pernas formigavam, o coração batia acelerado e a ansiedade era crescente. A felicidade se transformava em euforia, trazendo à tona uma energia sem igual para jogarem.
— Daremos início ao processo final das eliminatórias da regional interescolar com os times da escola secundária Montreal e o colégio Santo Ângelo. — Anunciavam aos alto-falantes.
Milles fora até os juízes encontrando-se com Maicon, capitão do time adversário. O esnobismo escancarado em sua face irritara sutilmente o loiro, porém não dera brechas para deixar claro aquilo.
— Uau, onde está o Howard? Estava ansioso pra jogar contra ele.
— Entrou numa briga e foi suspenso — Dissera Milles em um sorriso mascarado — Terá que se contentar comigo, Maicon.
— Encrenqueiro como sempre. Bem, se der conta do recado...
A sorteio fora feito, o time Montreal ganha escolhendo a recepção ao invés do saque. Retornando para junto do seu time, Milles ouvira as últimas instruções de seu técnico antes da partida iniciar. E no instante em que se posicionara na quadra, Milles finalmente sentira o nervosismo o abraçar.
Seus olhos varreram as arquibancadas buscando uma presença em especial sem encontrá-la. Desejava ver aqueles olhos escuros e o sorriso malicioso sendo direcionado a si para irritá-lo o suficiente ao ponto de motivar durante a partida. Nada melhor que mostrar para aquele ômega baixinho o quão desnecessário ele seria para aquela partida.
O apito soara e a torcida aumentava quando a bola fora erguida. O saque do time adversário fora bem recebido pelo líbero de Montreal, iniciando um rally calmo. Como se estivessem observando o adversário agir para encontrar uma brecha.
Milles deixara a sua presença alfa predominar a quadra, e os gritos eufóricos de sua torcida particular denunciavam o efeito rápido. Seus movimentos na quadra eram precisos e centrados, podendo se comunicar visualmente com seus colegas de time que respondiam prontamente.
Infelizmente Nicolas não estaria em quadra, diminuindo as chances de um ataque rápido. Ainda assim Gabriel levantara a bola para Milles, que usara sua altura a seu favor para marcar o primeiro ponto do set. Feito o primeiro ponto a auto estima do time se elevara, principalmente para o capitão ansioso.
O segundo rally começara e Milles já sentira a diferença. Estando na rede pudera perceber o olhar intenso de Maicon sobre si. Tal como fora avisado por Theodore, seus adversários eram excelentes observadores. Pelo que pudera entender, eles entregaram o primeiro ponto com o intuito de identificarem o ponto forte do time.
Esse ponto forte era Milles.
Mesmo se tornando alvo das marcações do time adversário, Milles não cedera para a pressão. Além disso, era alto e forte o suficiente para furar o bloqueio marcando os pontos do seu time ou então de tocar a bola durante seu bloqueio facilitando a defesa do líbero.
Quando os pontos do time adversário eram marcados, Milles percebia Maicon conversar com seus colegas de time. Começa mais um rally, a marcação sobre Milles intensificara tendo o próprio Maicon o seguindo.
Como havia suspeitado, ele havia melhorado sua força cortando a bola explosivamente. Um tanto quanto similar ao que Nicolas fazia. Seria aquela uma cópia das habilidades do ômega? Ver em primeira mão assombrara Milles. Isso só poderia significar que o adversário reunira informações poderosas sobre Montreal e usariam contra eles sem pudor algum.
Sem pudor algum até que o primeiro set ficasse empatado.
O apito anunciava o décimo ponto do adversário, e Milles já se encontrava irritado com a marcação de Maicon. Enxugando o suor com a camisa, o alfa puxara o braço de Gabriel e Thunder para um canto.
— Precisamos de um bloqueio triplo quando for ele a fazer o corte.
Dada a instrução rápida, se preparavam para o saque do outro time. Conseguindo defender sua área e jogar a bola pro outro lado, os três alfas se juntaram na rede ficando na frente de Maicon, erguendo os braços criando um bloqueio alto. A bola acertara o braço de Gabriel cumprindo com a defesa e garantindo o ponto de Montreal.
A defesa tripla permanecera dando uma grande dor de cabeça para o adversário. Montreal liderava o placar com um ponto de diferença ainda no primeiro set, mantendo a estima elevada. Contudo, Milles se mantinha centrado em seu rival.
Algo estava estranho.
Continuamente Maicon caía no bloqueio triplo, apesar de seu time conseguir já salvar a bola e manter a rally. Porém, fora em um momento em que o jogador ousara mudar o curso da bola para o lado esquerdo de Milles. Havia ali uma pequena brecha, minúscula já que estavam nas laterais da quadra. Ainda assim Maicon arriscara usar aquele ínfimo espaço para cortar, conseguindo marcar um ponto e empatar.
Depois disso, o bloqueio triplo fora facilmente superado virando o placar a favor do adversário.
— É só isso que seu time sabe fazer, Mckenzie?
Gabriel fora ligeiro em puxar Milles pelo ombro para tomarem suas posições antes que o alfa dissesse alguma coisa. Rosnando em resposta, o loiro arrumava os cabelos para trás batendo palmas para o seu time.
— Vamos lá galera, estamos indo bem!
Com a motivação de seu capitão o time não se deixara abalar. Mesmo com o final do primeiro set sendo de vitória para o adversário. Enquanto trocavam de lado na quadra, os meninos eram incentivados a manter a cabeça erguida, já que estavam apenas começando.
Se houvessem dúvidas sobre a força do time adversário, ela se esvaiu com o segundo set. O receio de Milles acontecera quando os ataques rápidos foram feitos por Maicon deixando a defesa de Montreal aturdida por não reagir à tempo. Um tanto quanto desajeitado já que Maicon era alto, mas ágil e forte.
Como se não bastasse a réplica do ataque rápido, o adversário fizera a sua primeira substituição trazendo um garoto corpulento para a rede. Mesmo tendo Milles e Gabriel no rodízio protegendo a linha de ataque, o líbero tinha de ser rápido atrás, pois, o bloqueio era sempre furado.
Um dos pontos fora salvo quando o líbero se jogara na quadra esticando o pé evitando que a bola marcasse ponto. Gabriel atravessou a quadra erguendo a bola o suficiente para Milles cortar da linha de fundo. O ponto deles só fora marcado por Thunder ser ousado em cortar no primeiro toque, pegando a defesa de surpresa.
Mesmo tendo todo o trabalho para marcar os pontos, havia a diferença de três. Montreal já estava ofegante e Milles começando a se irritar com as provocações de Maicon. A atmosfera na quadra ficara escaldante com as emoções afloradas do alfa, e a pressão do time intensificara mesmo sem dizer uma única palavra.
Foi a sua fúria que usara como força para potencializar os seus saques e conseguir marcar pontos com eles. Milles seria temido nos saques pelos seus adversários deixando-os tensos e ansiosos. Somente naquilo encontraram a chance perfeita de virar o jogo já que empataram o placar.
Fora a vez de Milles em sorrir sarcástico para Maicon e pressioná-lo um pouco. O rally que garantiria a vitória de um dos times começara intenso, todos os olhos focados na bola se movendo na quadra para impedi-la de cair em seu território.
Tendo Maicon na frente pra receber a bola, Milles se unira a Gabriel e Thunder no bloqueio triplo percebendo o olhar do rapaz para o ponto onde queria atacar. O alfa estendera o braço para o lado conseguindo bloquear por completo o ataque.
O jogo se tornara frenético em um piscar de olhos. Ambos os times desejando marcar ponto. O segundo set, infelizmente, fora do adversário que vencera pelo cansaço.
— Gabriel, tente levantar o mais alto que puder. — Recomendava o treinador durante uma pausa. — Principalmente em momentos que sentir o jogo acelerar. Usem esse tempo da bola no alto pra respirarem fundo e se acalmarem. Não caiam na armadilha deles, Moss avisou que eles são engenhosos nesse quesito.
— Sim senhor!
— Vocês estão indo bem, mas preciso que melhorem o foco. Já são dois sets pra eles. É agora ou nunca.
A pausa acabara e os jogadores se reposicionavam na quadra. Milles sentia o peso em seus ombros. Não estava sendo fácil liderar o seu time quando ele mesmo caía na armadilha do rival. Precisava se manter concentrado, calmo...
Olhando para cada jogador em quadra, o que mais lhe surpreendia era Gabriel. Ele respirava baixo com os olhos arregalados focados na bola. A concentração era nítida e límpida arrancando risos do loiro. Deveria levar tão a sério quanto ele.
Virando-se para a bola, Milles se preparava para mais um set.
Tal como pedido pelo técnico, quando percebera a rally ficar acelerada Gabriel erguera a bola o mais alto que podia. E como ele estava no fundo da quadra, Milles aproveitara o curto tempo para respirar fundo e correr atravessando a quadra. Pisando firmemente pegara o maior impulso que seus músculos permitiam e saltara o mais alto que conseguia. No ponto alto de seu pulo, acertara a bola forte o suficiente para fazer um ataque rápido marcando ponto.
O grito da torcida de Montreal eram músicas para os ouvidos de seus atletas. E ele permanecera pelo set seguinte, externalizando a euforia de finalmente conseguirem a vitória do terceiro set.
Conseguindo aquela vitória transformara a quadra em um campo de batalha. Maicon e seu time pareciam ávidos em evitar que Montreal conseguisse o quarto set. Milles, por outro lado, estava determinado em não entregar os pontos mesmo estando cansado.
Seguindo o rodízio, Gabriel e Milles permaneceram na rede cuidando do bloqueio em conjunto. Devido ao cansaço, o alfa moreno acabara sendo sobrecarregado em ser ágil tensionando seus braços para o bloqueio ser efetivo.
E ele fora tão bom em sua posição que Maicon passara a marcá-lo também, não guardando forças ao cortar diretamente nele. Sua frustração era tamanha que um dos cortes feitos batera nos dedos de Gabriel passando por ele, caindo fora da quadra.
O apito avisava do ponto marcado, o time Montreal celebrava. Virando-se para abraçar o moreno que ajudara naquele ponto, Milles percebia Gabriel abraçar a mão enquanto mordia os lábios. Fazia uma careta apesar do esforço em não gritar, sendo nítido os ombros trêmulos se contendo.
A cor sumia de seu rosto e Milles virou-se para o técnico fazendo sinal. O professor pedira tempo da partida e assim todos puderam ir até Gabriel percebendo o estado de sua mão. Marcos tocara os dedos de Gabriel o ouvindo reclamar de dor, e pela sua seriedade aquilo definitivamente não era um bom sinal.
— O que aconteceu? — Perguntava Milles preocupado.
— Vamos ter que substituí-lo, parece ter quebrado o dedo — Avisava o técnico segurando os ombros de Gabriel o puxando pra fora da quadra. — Bruno entra no lugar dele... Ah o Moss chegou, vou pedir para acompanhá-lo na enfermaria.
— Foi mal, Milles. — Dizia o moreno ainda abraçando a mão.
— Foca na tua recuperação, eu me viro aqui.
O técnico arrastara o moreno para fora da quadra e a substituição fora anunciada. Bruno, o levantador do primeiro ano, tremia dos pés à cabeça enquanto ia ao lugar de Gabriel na quadra.
Pobre coitado, fora colocado em um momento daquele. Seria a sua primeira partida oficial, justamente numa final em um momento crítico em que precisavam ganhar o set para empatarem e irem para o último que determinaria a vitória. Ficaria surpreso se ele não estivesse nitidamente nervoso. Milles fora até o rapaz o abraçando pelos ombros.
— Tu tá branco, não vai passar mal né?
— N-Não senhor...
— Treinamos seus levantamentos, vai dar tudo certo.
— Mas eu não treinei o suficiente, já que treinei só com um atacante.
— Que sou eu — Sorria o capitão dando tapas nas costas do rapaz. — Use e abuse de mim na quadra, pirralho. O resto a gente se vira.
— C-Certo.
Substituições feitas o set fora retomado. Demorara um tempo para que Bruno conseguisse focar no jogo, mas quando ele levantara para Milles e o ponto fora marcado, ficara nítido o seu foco. Era como se uma chave tivesse sido ligada e outra personalidade surgisse.
A ausência de Gabriel gerara um grande desfalque no time, mas Milles se esforçara para cobrir o primeiranista. Sempre recebendo a bola dele, o alfa tivera de lidar com uma forte marcação já que suas jogadas se tornaram óbvias demais.
Conseguiam driblar as marcações quando o líbero tomava a posição do levantador e outro jogador fazia o ataque marcando ponto. Do contrário, se o levantamento viesse de Bruno, era sempre direcionado pro alfa loiro. Certamente aquilo o deixara fadigado em meio ao set empatado.
Estava cansado demais, suando e com suas pernas tensionadas. Não havia outro jogador tão forte quanto ele em quadra, e o adversário sabia disso sendo o motivo da marcação ferrenha. Milles precisava pensar em saídas rápidas, contudo a frustração beirava um ataque dos nervos. Era simplesmente irritante quando seus ataques passavam a ser bloqueados frequentemente.
Naquele ponto da partida, Milles voltara a ficar pilhado.
O apito soara anunciando substituições no time de Montreal. Thunder era chamado, e todo o time ficara surpreso em ver quem o substituiria.
Milles sentira o cheiro adocicado de sempre empurrando para longe o cansaço físico. Virando a cabeça lentamente, enxergara a silhueta de um certo baixinho usando o uniforme preto e dourado com um sorriso diabólico em seu rosto.
Trocando de lugar com Thunder e ficando ao lado de Milles, o baixinho marrento aquecia os braços emanando a sua aura intensa e competitiva ao fitar o capitão do time adversário do outro lado da rede.
— Disseram que não ia aparecer, Nicolas. Já imaginava que ficaria com o rabo entre as pernas — Dizia Maicon com seu típico sorriso zombeteiro.
Nicolas não respondera a ofensa. Milles piscava abrindo um largo sorriso ao também se virar para encarar o outro time.
— Ganhei um bom tempo, então faça algo que preste capetinha.
Flexionando os joelhos e abrindo o sorriso mais diabólico em sua face, Nicolas era a encarnação do espírito competitivo.
— Finalmente posso acabar com a tua raça, mauricinho. Senta a pua, bando de lixo.