— Estão com o gostinho da vitória, não é? — Ria o técnico ao se reunir com os atletas no ginásio da escola. — O trabalho em equipe de vocês foi excelente hoje, estão de parabéns!
Os olhos dos jogadores chegavam a brilhar tamanha a felicidade que tinham depois de garantir a vaga para as rodadas finais. Com Thunder e Boyle nos bancos, os jogadores que os substituíram trabalharam muito bem sob os direcionamentos de seu capitão. Além disso, o trio brilhante fora Gabriel, Nicolas e Milles.
Theodore ficara embasbacado com o modo como eles haviam jogado. Fora brilhante e belo. Nunca teriam tamanha sincronia em suas vidas antes. Certamente isso se devia ao fato de certas duas pessoas terem finalmente dado o braço a torcer, aceitando a relação que tinham.
Será que a mordida tivera tanto impacto assim?
Theodore queria acreditar que sim.
— E a torcida? Uaaaau, foi demais! Quando pisei na quadra e ouvi eles gritando meu nome na hora de sacar foi totalmente aaaaah! Por que a gente não teve uma torcida até hoje?
— Porque você está no time, quem quer torcer pra você?
— Definitivamente palavras machucam, sabia?
A felicidade se sobressaíra ao cansaço. A vitória certamente deixavam os meninos eufóricos e determinados. Provavelmente a notícia que uma torcida animada trouxera a vitória para o time da escola se espalharia, e o plano de Lilian daria certo. Mais alunos iriam se juntar a eles.
— Muito bem! Sei que vocês estão todos felizes por terem ganho hoje, mas isso significa que enfrentaremos times mais fortes nessa reta final. Tomem um banho e deixem os seus uniformes, vão para casa e descansem. Segunda-feira voltaremos a todo vapor.
— Sim senhor!
O time fora dispensado, tendo os jovens seguindo para o vestiário da escola onde poderiam tomar banho. Theodore ficara aguardando no lado de fora como sempre fazia, colocando os fones de ouvido e ligando em seu ipod. Escolhendo uma música qualquer para escutar, deixara a playlist rolar nos fones enquanto observava as suas anotações do dia.
Várias jogadas novas poderiam ser trabalhadas naquela semana, descobertas na última partida. Até detalhara algumas coisas que escrevera na pressa, perdendo-se por completo na sua concentração sem notar a presença de algum alfa se sentando ao seu lado.
Só notara a presença de alguém ao olhar de relance em sua volta, deparando-se com Milles quieto ali.
— Já terminou? Nem secou o cabelo direito. — Murmurava Theodore tirando um dos fones.
— Estou esperando — Sussurrava o rapaz tentando disfarçar.
Estaria Milles receoso de ser visto consigo? Apesar de estar ao seu lado, havia uma boa distância entre eles. Certo, Milles até poderia estar em algum relacionamento estranho com o seu melhor amigo, mas isso não significa que ficasse confortável consigo. Mesmo depois de terem se resolvido.
— Você vai levar ele embora? Acompanhar em casa, quero dizer.
— Já tá sabendo é? — Ria Milles.
— É o mínimo, já que estava preocupado. — Sussurrava Theodore fingindo ler suas anotações compadecendo do disfarce de seu novo amigo... Se é que poderia considerar Milles o seu amigo.
— Vocês conversam de tudo?
— Anos de amizade não desaparece com a nossa confiança só por causa de um desentendimento. Sabemos esperar o momento certo de pedir desculpas e de ouvir o que o outro tem pra dizer. Além de dar broncas, é claro.
Novamente Milles rira, apoiando os braços nos joelhos enquanto olhava e acenava para alguns jogadores que deixavam o vestiário.
— Então ele brigou contigo por ter contado da mordida?
— Nos resolvemos, se isso estiver te preocupando.
— Não está.
— Foi o que imaginei. — Sorria Theodore virando a página para continuar a detalhar os seus rabiscos apressados. — Mas estou surpreso que tenham entrado em algum acordo. Imaginei que fossem se ignorar.
— Bem que eu tentei, mas não é fácil. Quando a pessoa mordida é sua metade.
O olhar que Milles lançara para Theodore o fizera parar suas anotações só pra sentir aquele frio na barriga. Como se fosse um conselho mágico a ser recebido. O loiro jamais imaginara que a pessoa da qual desejava nunca ver em sua vida se tornasse seu amigo lhe dando conselhos.
Se bem... Que a história de Nicolas e Milles dava para escrever um romance. Theodore até cogitara em rascunhar alguma coisa só pra se divertir imaginando como as coisas teriam acontecido entre eles. No entanto reprimira tal ideia antes que fosse perceptível em seu olhar.
— Se precisarem de alguma coisa, estou aqui.
— Valeu. — Agradecia Milles, e então percebera que Theodore estava de fone apesar de ainda conversarem. Apontando para o fone, questionou logo em seguida. — O que tá ouvindo aí?
— Tenho músicas aleatórias, agora tá tocando KLB.
— Tu curte isso? — Milles fazia uma careta.
— Sou um cara romântico. — Ria Theodore estendendo o fone para Milles. — Quer tentar até alguém chegar?
Sem nada para fazer além de esperar, Milles aceitara o fone e o ajeitara em seu ouvido tendo a melodia soando. Com o silêncio no ginásio o som do piano convidavam aqueles meninos a mergulharem na letra e na melodia. E pela primeira vez Milles pudera compreender a sensação de ter uma música falando consigo.
"Hoje eu sonhei
Com um anjo
Feito só pra mim
Quem vai dizer
Pra onde a gente vai
Quando acaba o amor
Se tudo terminou
Suas asas
Vão me proteger
E quando a noite chega aqui
Eu deito pra pensar
Na luz que se perdeu
Um anjo vem me beijar"
Theodore olhara de canto para o alfa, que encostava o queixo em seus joelhos cerrando os olhos imerso na música. Um sorriso surgia nos lábios do loiro ao perceber que estava cumprindo uma ligeira missão naquele momento.
Assim como Nicolas havia dito mais cedo, aqueles dois não se amavam ainda. Mesmo tendo o sentimento de que se completavam, que seus instintos estivessem desejando um ao outro e agora compartilhavam uma conexão por uma mordida, eles ainda não se amavam. Provavelmente eles não tinham a noção do quão gostoso era estar apaixonado.
Ora ora, Theodore adorava estar apaixonado por Gabriel. Por isso acreditava piamente que aqueles dois amigos estavam perdendo tempo em recusar o irrecusável.
Ansiar a chegada de uma pessoa querida. Sorrir quando ela sorri. Sentir borboletas no estômago enquanto a procura pela multidão. Ter todo o seu corpo respondendo ao mais ligeiro e suave toque. E quando todas aquelas maravilhosas sensações iam embora, o seu mundo ficava vazio.
"E o seu amor
Suave como o vento
Prazer sem julgamento
Que me faz voar
E quando a dor
Me torna mais covarde
Eu sinto a coragem
Pra ser o que sou
Por que pra sempre
Um anjo vem me beijar"
— Você realmente acha isso romântico? — Murmurava Milles sem o olhar.
Theodore fazia pernas de índio repousando o caderno de lado para pegar o ipod e ponderar se deveria mudar de faixa. Talvez Milles precisasse de uma música mais clara e objetiva para ponderar os próprios sentimentos. Apesar de que aquela letra era boa o suficiente para compreender.
Abrindo um ligeiro sorriso, Theodore concordara com a cabeça ao desistir de trocar de música.
— Quando você acha que está sozinho, mergulhado no próprio medo, a única coisa que faz é olhar para cima e almejar a saída daquela situação. Se você espreitar os olhos um pouco, poderá enxergar que há alguém te esperando.
— Pensou nisso tudo só com uma música?
Inclinando a cabeça infantilmente, Theodore sorria como um verdadeiro anjo.
— Fazer o que se fui beijado por um anjo.
Milles soltara um riso nasalado.
"E quando eu fico mal
Minha dor parece
Não ter final
Olho pro céu
E eu sei
Que as estrelas
Sempre vão brilhar
E quando a noite vem
Estou sozinho
Sem ninguém
O céu se apagou
Um anjo vem me beijar"
Baixinho e tímido, Theodore cantara junto a música. Sem direcionar olhares repletos de indiretas ao seu mais novo amigo, apenas transparecendo gostar do som. Batucava os dedos nas pernas seguindo a melodia, sem notar ser alvo de um olhar curioso vindo do seu lado.
— Por acaso está querendo me dizer alguma coisa?
— Não. — Respondia Theodore simplista. — E você, está esperando que eu diga alguma coisa?
Negando com a cabeça, o alfa suspirou.
— Já entendi o recado.
O sorriso vitorioso fora acobertado por uma tosse vinda de uma terceira pessoa. Os dois loiros ergueram os olhos para Gabriel que arqueava a sobrancelha.
— Vocês dois dividindo o fone... Ham.
Milles inclinou-se na direção de Theodore para lhe sussurrar ao ouvido.
— Ele é ciumento, não é?
— Muito. Sou um pobre ômega que não sabe lidar com tantos sentimentos desse alfa.
— Um chute no traseiro deve resolver.
— O que vocês estão cochichando? Olha isso, não tô gostando.
Formando um bico nos lábios Gabriel puxara o fio do fone de Milles e o empurrara com os joelhos para ganhar espaço e se sentar ao lado de Theodore. Resmungando tal qual o velho Eustácio do desenho animado, o alfa passava o braço em volta do ômega fuzilando o melhor amigo com os olhos.
— Palhaçada.
— Iiih, qual é? Posso conversar com ele não?
— Não. Tem que marcar horário e fazer checagem de antecedentes criminais.
Milles olhava aturdido para o melhor amigo.
— Que zé ruela. Isso que nem amarrou o burrinho dele ainda, e já tá se achando o dono da fazenda.
— Ah, fui chamado de fazenda — Ria Theodore desligando o ipod e guardando em sua bolsa junto dos fones.
— Foi mal, Theozinho.
— Theozinho? — Rosnava Gabriel arregalando os olhos, entrando na brincadeira.
— Como vocês dois conseguem ser tão barulhentos? — Resmungava Nicolas ao se aproximar dos três com uma toalha pequena pendurada em sua cabeça. Fitando Gabriel, o capitão dera um leve chute em seu pé — Desgruda, tá muito próximo.
— De quem? — Indagou Gabriel apontando sutilmente para o Theodore e para Milles.
Mostrando o dedo do meio ao atleta, Nicolas se sentava na frente de Gabriel o fuzilando.
— É só eu dar as costas que essa peste aparece.
— Está resmungando de novo, Nico.
— Culpa de quem? — Reclamava o moreno ao melhor amigo. — Parece aquelas embalagens de mercado, pegue um e leva dois, sempre grudado.
Theodore rira divertido esticando os braços para o amigo.
— Está com tanto sono assim, senhor rabugento? Já não está na hora de dormir?
— Tá. — Nicolas abrira um sorriso ao esticar os braços para Theodore e abraçá-lo apertado. — Partiu dormir.
— Ei, ei, ei.... Mas olha isso. — Retrucava Gabriel indignado. — Dá licença? Vai dormir no colo do teu homem.
— Já estou. — Alfinetava Nicolas mostrando a língua infantilmente.
— O quê? — Virando-se para Milles incrédulo, Gabriel tentara buscar algum refúgio — Vai dizer nada não?
— Já tive minha cota de socos por hoje. Te vira.
Chocado com a falta de interesse do melhor amigo sobre sua alma gêmea, Gabriel virou-se para Theodore apontando para Milles sobre o ombro. O loiro limitou-se a rir dar alguns tapinhas no ombro do ficante, o confortando de ter sido ignorado pelo próprio amigo.
— Tem certeza de que já amarrou o seu burrinho em outro lugar, capitão? — Reclamara Gabriel para Nicolas, que se ajeitava nas pernas de Theodore cobrindo o rosto pra descansar. — Não tá deixando ele solto não?
— Eu tenho é uma vaca e ela já foi pro brejo.
Mexendo no próprio celular, Milles nem ousara desviar o olhar ao responder.
— Muuuuu.
Theodore e Gabriel entreolharam-se e começaram a gargalhar até lágrimas escaparem pelos cantos dos olhos. O mais alto que conseguiam, suas vozes ecoando pelo ginásio já vazio. Pela primeira vez o quarteto se divertia juntos no entardecer de outono, como se fossem quatro amigos de longa data.
Quando chegara em casa e fora questionado sobre como tinha sido o seu dia, Theodore abrira o mais sincero sorriso e dizia.
— Muito divertido já que estava com os meus amigos.