O som das ondas batendo contra o penhasco podia ser ouvido, o mar estava calmo mal parecia o lar de enormes leviatãs. Chase deixa um suspiro escapar, ele logo estaria descendo até as profundezas para encarar seus medos frente-à-frente.
-Já conheci alguém como você.-Gallien havia chegado.-Alguém com o sangue de Poseidon correndo nas veias, era forte, mas tinha muito medo da morte. Mesmo que se escondesse atrás de um ego inflado e atitudes babacas, eu podia ver o medo nos olhos dele.
-E o que aconteceu com ele?-Chase tinha medo da resposta, se o filho de um Deus tinha medo da morte, o que o diferenciava dele?
-Ele encarou a morte de frente e no final, Yushami Thunder se tornou uma lenda.
-Isso não me anima nem um pouco, que eu me lembre, é preciso estar morto pra ser uma lenda.
Gallien solta uma leve risada e estende algo na direção do moreno. Uma katana.
O couro da bainha era negro e revestido por tiras feitas de um tecido dourado, o guarda mão com o formato de dois dragões chineses feitos de ouro voando em círculos em volta do cabo negro. Chase desembainha a espada, kanjis estavam entalhados na lâmina um pouco depois do guarda mão: yūki, que significa coragem.
-Irônico...-Chase sussurra ao contemplar os kanjis.-Foi a Mila que forjou não foi?
-A pedido do Alexis.
Por algum motivo, Chase sentia-se desconfortável ao ouvir o nome de Alexis. Mesmo com esse sentimento, Chase não sabia o motivo, então decidiu ignorá-lo, por hora.
-Você terá suas dádivas e essa espada, além de que, eu estarei lá e vou interferir se você não conseguir, então fique tranquilo, você não vai morrer hoje.
-Você nunca deve ter enfrentado um leviatã se acha tão tranquilo assim enfrentar um.
-E você já enfrentou um por acaso?
Apesar do silêncio, Chase deixava transparecer o medo daquelas criaturas em seus olhos, Gallien poderia descobrir mais sobre a origem do medo dele se pressionasse um pouco mais.
-Por que você tem tanto medo do oceano Chase?
-É mais do que medo do oceano, é do que tem nele...
"Quando eu era pequeno, o mar me facinava e eu queria muito ser da escola do oceano. O maior motivo pra isso era o meu pai, ele era um pescador, passava meses no mar, era meu herói. Certo dia eu decidi entrar no navio dele escondido, uma vez no mar ele não poderia dar meia volta e eu teria a chance de conhecer o oceano mais de perto. Naquele dia o mar estava revolto, uma tempestade das bravas atingiu o barco e pra piorar, ELE apareceu, um Kraken. Os ataques de leviatãs são raros porque a maioria vive no fundo do oceano, mas os Krakens são os mais agressivos e não perdoam as embarcações que passam por seus territórios, no meio da correria o meu me achou e conseguiu nos tirar de lá antes do navio afundar com todos nós dentro mas... O oceano cobrou um preço caro a ele, uma de suas pernas foi arrancada fora quando ele veio me salvar. Ele nunca mais voltou ao mar depois disso, e eu vivo com medo do oceano desde então. Meu pai forjou essa armadura pra mim quando eu entrei pra Olímpia, mas será mesmo que alguém como eu merece ela?"
Ao finalizar sua explicação, Chase não obteve uma resposta para sua pergunta, em vez disso, ele apenas podia ouvir o som das ondas batendo nas pedras abaixo deles. Quando Gallien finalmente decide dizer alguma coisa:
-Por que você mesmo não responde essa pergunta? Você merece essa armadura?
Chase ouviu as palavras do mais velho se repetirem em sua mente, ele ponderou elas por um tempo e finalmente chega a uma resposta...
Horas antes...
-Zakk...?-Toga dizia soltando um bocejo, os dois haviam acordado na mesma hora.
-Toga...? Por que a sua voz parece tanto com a minha? E por que a minha parece com a sua?
Os dois estavam sentados um ao lado do outro no meio do campo de flores, porém ao se olharem, seus corações se enchem de confusão, os dois haviam trocado de corpos. Gritos de pânico são ouvidos pela floresta quando eles percebem a troca.
-Meu Deus, isso não pode estar acontecendo!
Toga passava as mãos pelo corpo como se procurasse algo que poderia indicar que isso tudo não passava de um pesadelo, mas infelizmente, era tudo real.
-Isso não é possível... Como isso aconteceu?-Zakk começou a tocar naquele corpo que não o pertencia.
-Ei seu tarado! Pode parar de me apalpar?-Se o coração do corpo do moreno batesse, o sangue iria direto para seu rosto e a deixaria corada.
-Para você também! Meu corpo, minhas regras, sua assediadora!
-Escuta, a gente tem que dar um jeito de voltar ao normal.
-E como acha que passar a mão pelo meu corpo vai ajudar?
-Isso começou quando eu toquei em você, tem que ser algo que você fez!
-Eu não fiz nada! Eu só coloquei o brinco e acabei desmaiando!
-Brinco?-Toga sente algo pendurado em sua orelha esquerda.
-É, mas não tire, se você tirar e não der certo nós podemos ficar trocados pra sempre.-Zakk alerta ao vê-la prestes a arrancar o objeto, o que fez a orc bufar de frustração.
-E o que sugere que façamos?-Zakk pondera por alguns segundos antes de responder.
-O livro, o livro de necromancia que eu li deve avisar sobre algo assim, só temos que voltar pra casa.
-Numa hora dessas a casa já deve estar cheia de gente denovo, não quero ter que lidar com eles quando eu já tenho que lidar com essa troca de corpos.
-Eu também não, mas não temos escolha, vamos ter que evitá-los se quisermos reverter isso o mais rápido possível.
-Se você diz...
Os dois permaneceram em silêncio por um tempo...
-Então, vamos ou prefere admirar você mesmo o dia todo?
-Ah é, foi mal.
Os dois começam a caminhar no meio da floresta outra vez, o silêncio entre eles era bastante desconfortável por ainda não terem lidado direito com a troca.
Toga sentia-se muito estranha, o corpo de Zakk era totalmente frio, por mais que ela tentasse respirar, seus pulmões não funcionam mesmo estando viva, além é claro... Dela ter algo... "balançando" entre suas pernas, e se o que ela sentia estivesse certo, Zakk tinha um monstro entre as pernas. Parece que toda a altura que ele não tem foi parar lá embaixo... Os pensamentos pervertidos da orc a fariam corar, isso se ela pudesse no momento, Toga teve que se segurar para não perguntar sobre o tamanho do membro, isso com certeza seria constrangedor para ambos... Mas e se ele a respondesse...?
O corpo da orc também causou estranheza em Zakk, ele não havia se acostumado com seu coração batendo e agora tinha que se acostumar com a necessidade de respirar e pelo calor, e bota calor nisso, o corpo da orc estava queimando de tão quente por algum motivo, Zakk sabia qual era o motivo, na verdade, ele via dois grandes "motivos" para o calor de seu corpo... Como ela não tem dor nas costas? Ele obviamente se referia aos seios da orc, Zakk nunca havia sentido excitação antes, e agora ele não só estava em um corpo vivo, mas também no corpo da garota que ele amava, por algum motivo, ele podia sentir algo molhado entre as pernas...
Mesmo com sua mente submersa em pensamentos impuros, Toga começou a pensar sobre os últimos dias, depois da treta no shopping e o sequestro dos Tartarus, eles mal tiveram tempo para conversar, pelo menos não à sós. Por mais que o assunto estivesse encerrado e ambos assumirem suas culpas no que se passou, mesmo com ele lhe dizendo tudo não passou de um mal entendido, ela ainda sentia o peso da culpa. Se ela não falasse sobre o que sentia agora, talvez não teria outra chance.
-Ei Zakk...-Ele diz parando de andar, ele para e a espera continuar.-Eu... Só queria dizer que eu sinto muito pelo o que aconteceu, eu... eu jamais teria agido daquele jeito se tivesse te conhecido melhor.
Apesar de confuso, Zakk não pôde deixar de sentir um aperto no peito ao vê-la deprimida, ele via lágrimas prestes a se formarem em seus olhos, isso foi demais para ele.
Sem hesitar, Zakk se aproxima e toma os lábios frios da orc para si em um beijo profundo. Inicialmente, Toga ficou surpresa, mas logo retribuiu, entrelaçando os braços em volta de seu pescoço e o trazendo mais perto enquanto ele agarrou sua cintura com firmeza. Zakk pediu passagem com a língua e ela concedeu imediatamente, sentindo sua boca sendo invadida pela língua do moreno e se entrelaçando na sua.
O ar faltou para Zakk e eles tiveram que se separar, ao abrir os olhos, os dois se viam de seus corpos corretos dessa vez, em algum momento durante o beijo, os dois haviam voltado ao normal. Toga percebeu algo estranho, os olhos de seu "amigo" agora eram heterocromáticos sendo o esquerdo vermelho e o direito castanho e Zakk via a mesma coisa nela, mas nada daquilo importava agora, a garota de seus sonhos estava em seus braços, nada mais importava.
-Eu nunca mais vou te deixar.-Ele diz se lembrando da lamentação da orc alguns segundos antes.-Não vou mais te deixar na solidão, vou estar ao seu lado pra sempre.
-O que são essas palavras? O que eu significo pra você?
-O mundo Toga, você é meu mundo, eu te amo, não importa se só nos conhecemos a alguns dias, quero estar com você pra sempre.
O coração da orc estava disparado e ela podia sentir o coração dele bater tanto quanto o dela, Toga não podia evitar uma extrema felicidade, uma que forçava o sorriso mais sincero e doce em toda a sua vida.
-Então esse é o nosso juramento Zakk Hammond, que nosso amor seja eterno.
Ela puxa pega a cabeça do dullahan e ignorando os protestos do corpo enraivecido, os dois trocam um beijo longo e apaixonado, Toga, a semideusa da vida, representante da própria vida em sua forma mais primitiva e Zakk, o semideus da morte, o algoz dos Deuses e cujas asas negras cobrem o céu em trevas eternas, opostos que não conseguem parar de pensar um no outro, esse amor marcou a criação daquele que viria ser o maior clã de semideuses do mundo, as Lendas de Olímpia.
Com Chase...
Tudo à sua volta era um vazio, o frio do oceano era arrebatador mas não o incomodava. Na verdade, o frio era o de menos, a qualquer instante um leviatã poderia aparecer e ele só teria sua nova arma e suas dádivas para se defender.
Qualquer um deduziria que Chase estava morto ou morrendo sem ar a essa altura, mas ninguém deduziria o segredo dos semideuses do oceano, quando alguém jura lealdade aos mares, este recebe uma marca mágica em seu corpo, Chase tinha uma. Escondida no pescoço estava a marca de um dragão japonês, que conferia respiração aquática ao humano. O ar não era um problema.
Mesmo não possuindo a mesma marca, o professor deles aguentava. Seus pulmões são tão fortes que o mesmo aguenta quase uma hora embaixo d'água.
Gallien descia junto a alguns metros atrás de Chase, ele tinha certeza de que Chase não estava pronto, mas mesmo assim queria que ele ao menos tentasse. Ele não tê-lo contado o tipo de leviatã que estavam prestes a enfrentar era proposital, se Chase soubesse que estava prestes a ficar frente-à-frente com uma Jörmungandr...
Se serpentes normais já são perigosas, então imagine uma tão grande que nem mesmo cem baleias seriam o suficiente para saciar sua fome. Jörmungandrs são tão grandes que muitas pessoas acreditam serem capazes de dar a volta no planeta e morder a própria cauda, o tamanho colossal desses leviatãs faz com que seja extremamente perigoso deixá-las se reproduzirem, por esse motivo existem poucas em Midgard, nome dado à terra pelos Deuses nórdicos.
Agora, parece ser totalmente antiético atacar uma criatura com poucos espécimes, isso se não fosse exatamente esse o motivo de cada organização mundial. Jörmungandrs são muito nocivas ao meio ambiente aquático, juntando isso ao fato de existir uma dimensão totalmente povoada por leviatãs, faz com que o objetivo de muitos seja reduzir a população de Jörmungandrs a um número estável.
Só há um problema, nada conseguiu matar uma Jörmungandr até hoje.
De repente um rugido.
O som mais alto e amedrontador que Chase ouviu na vida. O som se propaga melhor na água, o barulho pode ser ouvido a quilômetros de distância o que significava que o que quer que tenha soltado aquele rugido deveria estar bem longe, certo?
Errado.
Chase estava completamente paralisado, horrorizado, seu corpo não respondia, ele quase soltou a espada. Tremendo, Chase assistiu com horror a criatura que substituiria o Kraken em seus pesadelos, as negras escamas quase o camuflavam no escuro oceano mas entre elas estavam vários espaços com bioluminescência as escamas no rosto saltavam para fora e fazia sua cabeça parecer um emaranhado de enormes facas, a boca, aquela boca... Estava aberta, pelos Deuses... Ela estava aberta! Os dentes enormes da criatura estavam prestes a se fechar sobre ele e o interior de sua boca parecia o abismo mais escuro do inferno.
Era isso, Chase não viveria o suficiente para ver sua patética vida melhorar pelo menos um pouco, ele morreria com medo, como o covarde que ele realmente era. Ou não.
Boom!
Chase foi arremessado para trás, algo havia acertado o topo da cabeça daquela criatura com tanta força que o choque criou mandou uma onda tão potente que provavelmente criaria um tsunami em algum lugar do mundo. Só existia um ser capaz de tamanha façanha, um terremoto ambulante, Gallien.
Chase viu a boca de Jörmungandr jorrar sangue, viu alguns dentes começando a afundar em direção ao nada, a pancada foi extremamente forte mesmo.
-"Chase! Sai daqui, você não tem chance!"-Chase conseguiu ver as mãos de Gallien sinalizarem.
-E-Eu não posso te deixar sozinho!-Mesmo tremendo de medo, Chase conseguiu formar as palavras.
-"Eu cometi um erro, não devia ter te obrigado a vir aqu-"-Gallien não teve tempo...
Chase foi arremessado longe outra vez, ainda agarrado na cabeça de Jörmungandr, Gallien foi levado pelo monstro que avançou para a superfície.
Então ele viu.
Seus olhos se encontraram com os do leviatã. Aqueles enormes e frios olhos amarelos o encararam por uma fração de segundo.
Qualquer um teria congelado de medo ao encontrar o olhar de Jörmungandr e essa foi a reação inicial de Chase, pelo menos no começo.
Por mais que ele sentisse medo, que seu coração mostrasse o seu eu-covarde, algo no fundo de sua mente acordou.
Algo poderoso.
Chase sentiu sua aura se energizar e ele se lançou na direção do monstro. A criatura rugiu de dor, a lâmina de Chase perfurou seu olho esquerdo.
-Chase!-Gallien gritou, eles estavam de volta à superfície. De volta a Kurumin.
Chase aterrissou de pé na praia, com Gallien rolando na areia atrás dele. Gallien só teve tempo de levantar levemente quando Chase começou a correr na direção de Jörmungandr.
-Chase, não!-Tarde demais.
-Fúria de Poseidon!
A água começa a criar uma aura em volta de seu corpo, ele para de correr na ponta da praia onde o mar encontrava a areia e se impulsiona para cima. A água o fez avançar na direção de Jörmungandr como um jato, ele iria se chocar com a criatura.
-Pelos Deuses, não!-Gallien entra em desespero.-Pelo amor dos Deuses, eu sei que não te invoco a muito tempo, mas só dessa vez, aparece!-Gallien fechava os olhos e clamava a ajuda de alguma coisa, algo que Chase não se importou em ouvir.
Suas escamas são fortes o bastante pra aguentar bombas atômicas é? Vamos ver se você aguenta isso!
-Dádiva Eterna...
-Espera, eterna!?-Gallien abriu os olhos a tempo de presenciar...
A aura de Chase estava visível, ela pareceu ter tomado uma forma... Uma forma humanóide segurando algo... Uma katana! A forma imitava os movimentos de Chase como um espelho.
-...Mordida de Dragão!
Chase cortou o ar a sua frente e a forma à sua frente foi projetada como uma bala na direção do pescoço de Jörmungandr, deixando um rastro azul por onde passou. Em um instante a serpente do mundo soltou um último rugido de dor antes de sua cabeça ser decepada.
Seria possível? Será que Chase havia mesmo despertado seu...
O semideus do oceano aterrissou perto dele, sua lâmina fincada na areia, a respiração ofegante, a armadura de seu pai... Destruída. Nada sobrou de sua armadura, apenas pedaços de metal quebrado que caiam na areia à sua frente.
Nada disso importava agora, Chase só tinha algo em mente...
-Alexis...
Chase se levantou apoiando-se na espada e começou a caminhar sem dirigir uma única palavra a Gallien.
É Yushi... Acho que eu achei alguém à altura... Gallien pensa ao ver Chase sumir dentro da Floresta.
No caminho, Chase observava os kanjis em sua espada. E então ele faz algo que nunca faria normalmente, ele se corta, ele corta o dedo indicador na espada e escreve com seu próprio sangue em sua espada. Yūkan'na, que significa corajoso.