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Chapter 22 - AMOR, LUZ E A ESTÓRIA DE URÂNTIA

É incrível como a minha alma se julgava completa, e assim estava satisfeita, até te conhecer. Agora existe esse vazio, até mesmo quando você está perto.

- Eu tentei – desabafou Lázarus desanimado, o olhar meio perdido na floresta abaixo, os dois flutuando centenas de metros acima de Par Adenai. – Confesso que não consegui, e nem mesmo cheguei perto disso. Por mais que eu tente eu não consigo.

- Ela não quer – consolou Ariel flutuando ao seu lado. – É a vontade dela, e temos que aceitar. Se lembra disso?

Lázarus a olhou, e havia aquele sorriso gentil e compreensivo que lhe deu um certo alívio.

Suspirou fundo e abandonado.

Lentamente elevou os olhos para o horizonte, bem mais distante quando visto da altura em que estavam. Devagar seguiu alguns dragões deixando suas cavernas enquanto outros apenas desciam para os jardins, onde se enrolavam para tirar uma soneca.

Ninguém na terra poderia saber, mas lá, bem longe, quase na curva do planeta, uma tempestade imensa se abatia. Os raios zuniam na atmosfera e queimavam o ar, atingindo a terra como se estivessem magoados com ela. Mas, ali, logo abaixo, ninguém se apercebia disso, porque havia aquele silêncio de uma fúria oculta.

- Claro que sei, e respeito isso nela. Mas, ...

A tristeza e o desanimo pareceram aumentar assim que ouviu alguns rugidos baixos e ronronantes de alguns dragões, talvez saudosos de seus parentes nas terras que tiveram que abandonar, ou mesmo das próprias terras onde as pessoas e homens não os desejavam.

- A dor... – suspirou Ariel. – Ela está se doando mais do que podemos imaginar.

Lázarus se permitiu se perder em suas lembranças, revendo saudoso quando as consciências se tornaram cientes de suas individualidades, mesmo que ainda imersas no Trovão. Ainda era bem nítida em sua mente quando as mônadas, eufóricas e excitadas pelas enormes possibilidades, caíram na experiência proposta e desejada, animando toda a criação, desde universos até cristais.

Ainda se podia ver aos milhões, vagando e criando, destruindo e recriando, experimentando.

Urântia sempre fora especial, souberam disso quando a viram pela primeira vez. Ela pulsava diferente. Ela era uma bola de fogo quando a encontraram, mas era diferente.

Foi por ela que ele e sua família decidiram experimentar, foi por ela que desceram, permanecendo no planeta como AsasLongas. E agora ela decidira cair ainda mais fundo na experiência, entrar mais profundamente na escuridão, dando às suas centelhas a experiência que tanto desejavam, por maiores sofrimentos que fossem lhe causar que, todos sabiam, seriam excruciantes. Adormecidas as amadas centelhas a rasgariam e cortariam, torturando-a lentamente pelas eras à frente, negando-lhe até mesmo alguma consciência, por menor que fosse.

- Não é a primeira vez que ela faz isso – declarou, descendo diretamente para a varanda mais ao oeste, onde se acomodou num largo banco, seguido de perto por Ariel.

Ariel ainda ficou alguns segundos em silêncio, o observando Lázarus com cuidado, sua mente em alerta. Apesar de ser muito antiga como demiana, ainda era muito nova em Urântia, tanto que até viera para este planeta pelo motivo errado: atendendo um chamado equivocado, por ódio a uma criatura recém-criada. Tinha que reconhecer que nunca procurara nos registros saber a estória daquele planeta. Agora estava curiosa.

- Não é? – retrucou por fim, vendo que Lázarus permanecia quieto, como se estivesse ouvindo velhos sussurros de tempos a que ela não tinha acesso. - Como assim? Eu li um pouco da estória de Urântia e não vi nada lá sobre alguma civilização anterior a essa.

- Essa é a estória atual, conhecida, propagada. É mais confortável e fácil, e não precisa de muitas explicações. A verdade, minha querida Ariel, é que este planeta é muito velho e já teve muitos nomes. Seu primeiro nome, dado por uma família de anjos que ajudaram em sua formação, era Aden[1].

Ariel deixou a boca aberta, os pensamentos voando.

- Aden? – sussurrou surpresa. – Então, aqui era o Aden? Aqui era o paraíso?

- Sim, aqui mesmo. Quando encontramos esse planeta ele tinha algo diferente, um amor tocante, uma suavidade e... Era a joia em Nébadon, e ela já fecundou inúmeras civilizações que dela se esqueceram.

- Só um momento... – pediu. – Muita confusão, muita coisa nessa estória toda. Então o nome desse seu jardim, como ser Par Adenai... Entendi: "Para o velho Aden" – suspirou.

- Uma homenagem idiota – Lázarus sussurrou, uma saudade sentida escorrendo na voz.

Ariel sentiu os pensamentos girando alucinados, se deslocando por várias estórias e coisas que ouvira sobre o Aden, sobre civilizações que nele brotaram e não conseguiram vingar.

– Mas, como essa não é a primeira civilização aqui? Eu vi a estória de Urântia... Confesso que meio apressadamente. Lá é dito que essa é a primeira civilização. Ouvi que muitas surgiram antes dela, mas não conseguiam ir para frente.

- A estória urântiana não é a verdadeira estória. A estória das eras aqui é como um... folclore, só isso... há sistemas aí fora, com planetas muito mais jovens, que tem civilizações muito antigas e poderosas. Se Urântia já orbitou bilhões de vezes em torno de seu sol, o que você esperaria dela? A verdade, a grande verdade, é que Urântia já incubou inúmeras civilizações, algumas com tal poder que é difícil explicar. Muitas raças e espécies aqui foram fecundadas, muitas evoluíram, muitas se dispersaram pelos multiversos...

- Mas, por que iriam embora daqui, se aqui era a joia criada?

- É a semente, a essência do UM – Lázarus sorriu. – Esse olhar além do horizonte, essa febre, esse deslumbramento. Alguns povos foram embora porque o planeta quase foi destruído por várias vezes e tornou-se inabitável por centenas de revoluções, por atos próprios ou naturais; outros se foram porque se espalharam tanto que acabaram se esquecendo do velho lar. Muitas civilizações, no entanto, não conseguiram sair do chão, e foram aqui destruídas pelo uso incorreto da energia ou por terríveis guerras entre si, ou por própria convulsão do planeta que eles mesmos criaram ao tentar mudar ou destruir tudo o que o planeta era, então. Enfim, incontáveis civilizações, cada uma com uma estória única e extremamente rica.

- Mas, ficariam traços dessas civilizações, para as que viessem depois, não ficariam?

- Você, vigilante, e os anjos, veem tudo como energia, e esquecem que a energia molda a matéria. Eles criavam a partir da matéria, que não tem como sobreviver por mais que alguns milhões de anos em um planeta vivo. O solo se move, se revolve, se enterra e traz suas profundezas para o sol; as águas corroem a matéria, o sol corrói a matéria, o fogo corrói a matéria. A própria matéria se deforma e se transforma. Os traços se perdem, então, e a mente esquece. Assim, quando uma civilização caia, em milhões de revoluções nada mais existiria. Uma nova civilização que surgisse olharia para o mundo limpo e acreditaria que seria a primeira por aqui. E isso se repetiu por bilhões de anos...

- E quanto a estória de que aqui muitas foram destruídas, foram impedidas de vingar?

- Muitas foram sim. Esse planeta é muito fecundo, tal como o quarto planeta era, antes que fosse destruído. Muitas extinções me massa foram patrocinadas, porque estavam fora da linha do tempo para elas, como muitas civilizações que surgiram também estavam fora da linha do tempo, e por isso tiveram que ser... destruídas.

- Eu são sabia... – suspirou Ariel, abobalhada. – E o que vocês tiveram a ver com isso?

- Desde o começo estamos aqui...

Ariel ficou em silêncio, a mente não aceitando acreditar no que seus pensamentos gritavam.

- Então, foram vocês os que fizeram o paraíso?

- Não, Ariel. Ele já estava aqui quando chegamos.

- Ah, entendi... Agora, sabendo disso, muita coisa se explica. Agora sei porque esse planeta é tão importante, para anjos e demônios. Minha nossa!!!

- É verdade,,, Então, Ariel, como se pode medir um amor assim?

- Amor... Palavra pequena e tão forte, não é? A maior força do incriado. Tão pequena e tão... sútil, tal como a luz... – falou, se virando para encarar Lázarus.

Lázarus então a puxou para si e colou sua testa na dela.

Ela fez menção de recuar, mas de modo tão frágil que nem resistência se mostrou ser.

Então se abandonou nos braços dele, e sorriu feliz quando as asas dele a envolveram pela cintura por cima dos braços que a enlaçavam. Abraçou-o fortemente, desfraldando mais as asas, que lentamente o recolheu, envolvendo-os dos ombros até os joelhos.

Feliz ela gemeu suave, abandonada, vendo tomada de felicidade a luz de Lázarus aumentar lentamente.

Totalmente entregue se abandonou, a luz num crescendo majestoso.

Então tudo se intensificou e se enrodilhou, o som do vento veloz revolvendo as nuvens e o ar.

Algumas pessoas e homens que estavam abaixo no solo pararam para ver; algumas aves e seres alados desceram para a terra e para as árvores, para poderem se deixar abandonados a olhar a maravilha do que acontecia no céu.

A luz dourada de Ariel se revolvia na luz azul clara de Lázarus, até que em branco se fundiram, como se um novo sol tivesse surgido no firmamento, um sol suave e gentil, mesmo que tão poderoso parecesse.

A pequena Sol sentou-se ao lado dos pais, que não despregavam os olhos do alto.

Subitamente ocorreu uma explosão de som suave e uma onda de concussão encheu aquele céu de nuvens portentosas enquanto atingia também o chão, fazendo a floresta farfalhar, trazendo uma primavera não esperada. Flores de cipós e de árvores explodiram em cores, enquanto a vida parecia se intumescer.

Então, lentamente, tudo suspirou quando a luz foi se arrefecendo.

Por muitas horas viram ainda os dois, bem lá no alto, dois pontinhos que flutuavam abandonados abaixo das imensas nuvens brancas como flocos.

[1] Aden, que mais tarde seria traduzido como Éden. (*)