Em uma noite de verão.
— Capitão, você realmente acha que vamos encontra-lo aqui? — Perguntou o oficial Dalasco.
— Não, mas as trilhas terminam nessa área, procurem entre as planícies. Dentro dos túneis até se for possível. — Ordenou o capitão Asmir.
Capitão Asmir, um elfo de cabelos longos e brancos como a neve, de pele pálida e jovem acompanhado por uma armadura de cota de placas e um sabre em sua bainha, também era reconhecido como o corvo branco e o duelista de Emeril.
— Mas senhor, temos um batalhão de trinta homens somente, pode haver alguma armadilha dentro dos túneis. — Confirmou um dos soldados que o seguia em conjunto.
Mas mal se importou com o fato, Asmir era um elfo puro, com muita experiência em suas centenas de anos vivo.
— Ele é um criminoso, preciso leva-lo vivo para seu julgamento. — Discorreu o capitão enquanto descia do seu cavalo. — Façam uma procura, isso é uma ordem!
— Sim, senhor! — Exprimiu o oficial Dalasco e o soldado, ambos continuaram com a busca.
Asmir parou por um instante em meio a localidade, se abaixou para investigar uma das pegadas. Olhou minuciosamente seu contorno, e não demorou nem um instante sequer para perceber. Seu olfato disparou instantaneamente uma lembrança em sua mente, o cheiro da erva-dos-vermes era claramente presente nas mais recente trilha, e as pegadas reais eram pesadas demais para ser deixado da forma que estava em meio a lama, leves e mal presentes.
— Recuem! — Gritou alto para sua infantaria de expedição, enquanto subia rapidamente de volta ao seu cavalo.
Uma explosão em meio aos campos, imensa, vários corpos de soldados reconhecido por ele voando para todos os lados. Em um instante, tudo aquilo se tornou um campo de batalha.
O restante da guarda que encontrava-se próximo do capitão, rapidamente puxaram seus escudos e armas. Se dividiram em uma formação de forma eficiente, na frente uma fileira de dez guerreiros com seus escudos massivos, e suas armaduras pesadas de cota de malha adornados por tons avermelhados faziam a proteção, segurando lanças e alabardas, esperando para atacar qualquer criatura que tentasse passar.
Após a primeira fileira, era a vez dos magos, cinco deles que se encontravam divididos em posições separadas, cada um deles em pontos extremos; norte, noroeste, sudoeste, nordeste e sudeste. Gritavam com suas mãos apontadas para o céu em conjunto:
— витрум обице! — Exclamaram criando um tipo de barreira em meio a área que cercava todos seus aliados em conjunto, um tipo de defesa magica transparente com uma tonalidade brilhante de ciano.
— Guarda, preparar! — Gritou Asmir ao mesmo momento que retirava seu sabre da sua bainha.
Do chão à frente da formação, em poucos metros, criaturas errantes e bípedes acabavam que saindo devagar da terra. Seus braços e corpos, feitos de uma pele escura como o próprio vazio. Suas faces, causavam desconforto total a todos aqueles que os encaravam, não possuíam mandíbula e muito menos olhos. Seus grunhidos astrosos, eram ouvidos por todos que ali estavam como gritos e aclamações pela morte.
— Senhor, esses seres. São como as lendas diziam, são desperatos — discorreu um dos guardas. — eles vão sugar a energia vital e a vontade dos nossos homens. Devemos bater em retirada.
— Não, deixem-nos vir. — respondeu Asmir.
As criaturas errantes denominadas de desperatos caminhavam lentamente, incontáveis dezenas delas. O chão que elas passavam se tornavam sem vida nenhuma, quando os primeiros se aproximavam dos soldados era explicito a dificuldade de acertar uma delas. Os corpos daqueles que enfrentam as criaturas até de um metro de distancia, já se sentem potencialmente mais exaustos e só pioram ainda mais com a proximidade.
Os soldados da frente começaram o contra-ataque, suas lanças eram enfiadas nas criaturas que felizmente apresentavam um tipo de resposta. Sangue, ou algo próximo saia dos desperatos, de uma cor púrpura e um tanto aguado. Alguma delas caiam e se dissipavam em meio ao chão como uma aparição, mas estava ficando cada vez mais complicado continuar. As alabardas desciam de cima para baixo dilacerando a maioria dos inimigos que tentavam se mover para perto, enquanto aqueles que conseguiam se aproximar, entravam consequentemente na defesa arcana, que por si se tratava mais de uma magia ofensiva do que defensiva, seus corpos sofriam a cada instante, era como se suas peles fossem cortadas constantemente por minúsculos cacos de vidros que se encontravam dentro da estrutura mágica.
Infelizmente não foi o suficiente, um dos guerreiros a frente caiu. Nem por questão de um golpe mas sim por causa da exaustão. Asmir sabia que era uma questão de tempo até eles perderem tudo, decidiu ele descer do seu cavalo e deu-se um tapa no animal gritando:
— Corra! — Gritou o elfo a seu cavalo.
O mesmo com medo das criaturas asquerosas, seguiu o comando do seu mestre. Galopou ao lado contrario da batalha sem parar.
Asmir correu a frente da infantaria com o objetivo de ajudar na defesa. No momento que ele chegou, suas pernas ficaram bambas. Mal conseguia ficar de pé e muito menos segurar seu sabre. "Como eles conseguem?" Questionou-se em sua mente.
Uma das criaturas se aproximou de Asmir, na sua frente ele o encarava. Asmir pela primeira vez após diversos anos sentiu o gosto do medo, o vazio dos seus olhos capturava os pensamentos do elfo de uma forma um tanto hipnótica.
Não durou por muito tempo, enquanto o capitão estava preso no olhar da criatura, ela se aproximava mais e mais. Até o momento que perdeu seu foco se surpreendendo, um golpe limpo, feito por um dos soldados ao sentido horário do capitão, com uma espada foi se feito um corte horizontal com imensa força, só foi necessário um ataque desferido na garganta seca para a cabeça da criatura rolar ao chão.
— Capitão, foco! — Gritou o soldado.
Asmir tossiu com força, quando finalmente saiu do transe, tudo estava caindo ao redor dele. Ele sabia que era questão de tempo até ele mesmo morrer, não via outra solução a não ser usar seus últimos recursos.
Infelizmente não teria muito tempo, o mesmo soldado que salvou a vida dele já estava ao chão sendo-se absorvido de toda sua energia vital, Asmir olhou para aquilo com uma cara de nojo, uma criatura que se alimenta dos outros como um verme, uma visão totalmente desprezível. Ele aproveitou-se da oportunidade de ter um dos desperatos em seus pés praticamente, segurou seu sabre com as duas mãos e de cima para baixo, cravou na cabeça da criatura.
— Está vivo? — Perguntou Asmir enquanto cutucava o soldado ao chão com as pontas dos seus pés.
Nenhuma resposta, olhou para os lados perdido e estava cercado. Todos seus soldados tinham caído em um instante enquanto estava fora de si. Assustado e descrente do que aconteceu, ele gritou:
— Malus, se estiver me ouvindo, pare de se esconder e me enfrente de elfo para elfo! — Exclamou.
As criaturas continuaram andando na direção dele, sem nenhuma mudança em seu comportamento, passos largos e lentos. Os barulhos aumentavam e seu corpo estava cada vez mais fraco, ele sentia um aperto no seu coração, não era uma dor física, mas sim psicológica. Essa pressão aguda e mais dolorosa do que qualquer dor que ele já sentiu, aumentava mais e mais com cada passo dos desperatos. Até o momento que Asmir não aguentou, seu sabre caiu ao chão, não possuía força para a segurar, muito menos ficar de pé.
Caiu de joelhos em meio a grama esverdeada do chão, com o pouco de energia que o restava, encarou lentamente o céu estrelado da noite de verão. E se perguntou em um tom baixo:
— Por que? — Questionou-se ele.
Com essa pergunta as criaturas que caminhavam até ele se dissiparam ao ar, em meio ao espaço em sua frente junto com a dor em seu peito, uma névoa preta e tensa, tomou forma a um ser, seus cabelos longos e lisos de uma cor escura acompanhados por seus olhos negros que brilhavam a noite, e sua musculatura fina, totalmente pálido que era escondida por seu traje excêntrico preto.
— Simples, meu caro colega. Você é fraco. — Dizia o ser em sua frente.
— Malus, por favor. - Implorou. — Não precisa ser assim.
— Ah claro, da mesma forma que você iria me dar uma chance? — Questionou o fugitivo.
— Não seja idiota, o que você está fazendo é loucura. — Dissertou o capitão.
— Loucura? Sério, não consegue pensar em algo mais comovente para mudar meu ponto de vista? — Indagou. — Asmir, eu penso, eu sinto, e eu sempre vou agir. Diferente de vocês, um erro no nosso mundo. Possuem medo de um Deus, fracos. — Argumentou Malus enquanto rodeava o elfo ajoelhado.
— E o que pretende fazer, me matar herói? — Perguntou Asmir.
— Eu poderia, mas isso seria muito fácil, não me leve a mal, mas não estava planejando em fazer isso, sabe? Mas esse mundo tem seus sacrifícios e você sabe muito bem disso. — Explicou Malus.
— Você não está se referindo a...? — Indagou o elfo de cabelos brancos sem completar sua frase.
— Isso, vou te dar mais uma chance mas de acordo com a nossa cultura. Um Vis'ntarl, o vencedor terá posse da alma do perdedor. O que acha? — Questionou.
— Eu... aceito. — Concordou Asmir com uma fala fraca.
— Muito bem, levante-se e pegue sua arma. — Ordenou Malus.
Asmir se levantou, passou suas mãos nos joelhos limpando a terra do local, deu um respiro profundo e pegou seu sabre do chão. Enquanto isso Malus por si o encarava com um olhar inquieto, como se estivesse tentando ler ele de alguma maneira.
— Algum problema? — Perguntou ao elfo que tinha sido havia desafiado.
— Nada. — Disse o elfo de cabelos preto.
Malus que após esse comentário, sem nenhum tipo de vocalização somente um gesto com o seu braço direito de forma horizontal, abrindo-a conjuntamente com sua palma. Uma névoa preta que se solidificou em um outro sabre na mão do mesmo.
— Não se preocupe, isso será uma luta justa. — Expôs Malus ao duelista de Emeril.
Os dois se encararam a todo momento, enquanto rodeavam com olhares fixos, ambos preparados com guardas diferentes, Asmir com uma postura defensiva, seu sabre segurado com uma mão e seu corpo flexionado, preparado para se mover ou se desviar a qualquer instante, enquanto Malus parecia deixar seu corpo aberto, seu sabre nem apontado para o seu oponente estava e sim para o chão.
Alguém precisava fazer o primeiro ataque, e o capitão assim o fez, rapidamente marcou seu avanço com sua perna direita enquanto direcionava todo seu peso a frente com seu sabre, tentando perfurar o adversário em seu torso.
Infelizmente, acabou percebendo o quão fútil foi tal golpe. Seu ataque foi defendido em meio ao ar como se houvesse uma parede dividindo os dois.
— Irá usar estes truques sujos contra mim? — Reclamou o capitão.
— Olha só, vai reclamar? Parece até que não percebi o cheiro do óleo que está em sua lâmina, não é? Lírio-do-vale, e uma dose de algum outro reagente. — Enunciou. — E eu que sou o vilão, não é mesmo?
— Cala a boca bastardo! — Gritou o elfo de cabelos branco enquanto ia em direção novamente do adversário, com sua lamina ele continuou com o ataque pressionando seu sabre em frente a barreira tentando perfura-la.
— Olha só pra ele, você me dá muita pena, capitão da Guarda Escarlate. Mas infelizmente não seria "justo" como vocês dizem, não te tratar da mesma forma que vocês tratam os outros correto? — Questionou.
— O que quer dizer com isso, verme? — Perguntou com um tom de cansaço.
— минимум странгулатус — enunciou um encantamento — ainda quer se fazer de bonzinho?
Asmir começou a sentir uma enorme pressão em seu pescoço, como se estivesse sendo sufocado por uma mão invisível, o rendendo de qualquer ação que ele poderia tentar. Seu sabre caiu rapidamente no chão por sua falta de folego e força.
— Você acha que eu não sei, sobre o que vocês fizeram? Ou melhor, você e a Guarda Escarlate, os estupros, as torturas e o desvio de dinheiro que deveria ser daqueles que passam fome nos vilarejos que vocês destruíram, queimaram sem pensar duas vezes por causa de um misero ódio religioso.
— Isso é uma...uhf — Grunhiu de dor o corvo branco, mal conseguia sequer pronunciar nada sem sentir extrema dor.
— Mas que pena, não consegue falar não é mesmo? E sabe o melhor? — Perguntou. — Eu sei que não consegue usar nenhuma magia porque está tristezinho do coração, está com medo de nunca mais ver sua filha? Não se preocupe "Capitão" Asmir, ela terá uma vida muito mais prospera sem você, com o titio aqui.
O fugitivo aproximou-se com seu sabre ao adversário, encarou ele enquanto estava em estase graças a tremenda dor que sentia. Seu olhar aberto e sorriso demonstrava a alegria que ele tinha por tal momento, enquanto observava a dor do outro.
— Precisamos tirar essa armadura antes de começarmos, não é? — perguntou. — цорроде металлум.
Com as palavras proferidas, Malus aproximou com um toque de sua mão, a armadura do Asmir derretia ao centro mostrando um buraco que crescia na parte que protegia seu tórax até embaixo.
— Não tenha medo, isso iria te acontecer uma hora ou outra, só estou acelerando as coisas. — Dizia com um sorriso e uma fala calma.
E finalmente, enfiou seu sabre em sua barriga, um corte profundo atravessando enquanto gritava:
— Morra! — Exclamava de forma ensandecida enquanto o esfaqueava mais e mais sem parar.
Sua lamina entrava e saia do corpo, sangue espirrava, a ponto de seu estomago estar totalmente aberto com resquícios de sua pele entreabertos e dilacerado, pedaços de suas tripas escorregavam e caiam ao chão, enquanto os olhos do capitão lacrimejavam intensamente de tamanha dor. O pouco de força que o restava foi se o suficiente para implorar:
— Por favor, pare. — Implorou ao elfo de cabelos preto.
— Como você parou!? — Gritou o elfo rindo.
Após momentos de dor, o corpo caiu ao chão, não possuía nenhum brilho em seu olhar. Malus conseguia perceber claramente que qualquer seja o ser que estava ali, não possuía mais esse corpo, muito menos desejo sequer.
Finalmente fechou seu sorriso com uma face neutra, enquanto observava o corpo até se enjoar, que por fim, deu-se as costas enquanto dissipava-se em meio ao ar.