LIZ
31 dias para o baile de inverno.
Ontem consegui evitar a conversa com meus pais, até porque cheguei atrasada suficiente em casa. Logo depois que cheguei coloquei minha roupa da torcida para lavar e em seguida preparei meu lanche para ir trabalhar.
Fui trabalhar sentindo que estava sem meus neurônios pois estava distraída das minhas funções a todo momento, Gal perguntou várias vezes se eu estava bem e respondi que sim. A verdade é que eu não estava e o medo de alguém ter me visto com Madelaine me consumia durante o resto do dia e à noite toda.
Acordei com o alarme do celular, sentia dor de cabeça e meu corpo estava horrível. Com dificuldade consegui sair da cama e fui tomar banho.
Depois do banho me senti menos mal, vesti a blusa preta de moletom e desci para a cozinha.
— Bom dia.
Falo sem ânimo algum e sento na cadeira da lateral, meus pais estão nas cadeiras da ponta e meus irmãos não estão ali o que é bem estranho.
Pego um pouco de bacon e ovos sem olhar para os meus pais ao menos, meus olhos estão um pouco doloridos por eu não ter dormido bem durante a noite e ter ficado por um tempo no celular.
— Onde estão meus irmãos?
— Estão te esperando no carro. — Papai responde parecendo sério, ele é sempre bem humorado então fico apreensiva com isso. — Precisamos conversar e não vamos demorar.
— Conversar?
Pergunto e me sirvo de café, não gosto muito, mas servirá para me manter acordada durante o dia. Bebo enquanto me respondem.
— Sim, conversar — Mamãe fala e olho ela, sua expressão parece irritada, mas ao mesmo tempo decepcionada. — Você recebeu as cartas das universidades e não falou nada conosco.
— Ah... Eu... Foi na semana de ação de graças...
Formulo uma desculpa ruim, a verdade é que eu não queria que eles encontrassem as cartas.
— E?
— Tinha muitas pessoas aqui... Eu não quis chamar atenção de vocês para isso.
Meus pais me olham desconfiados. Eu recebi as cartas algumas semanas antes da Ação de Graças, mas essa foi a melhor desculpa que achei no momento.
— Achei as cartas atrás da sua porta numa caixa por isso estamos te perguntando... — Minha mãe explica sem eu ter ao menos perguntado, instantaneamente fico irritada.
— O que estava procurando lá?
— Roupas sujas, não precisa ficar irritada. — Mamãe não é conhecida como paciente e também é muito desconfiada de tudo, ela é o tipo de pessoa que me irrita. — E o que tem de mais eu entrar lá? Está escondendo algo?
— Stela...
Meu pai chama atenção para que ela abaixasse o tom, ele era o ponto de equilíbrio em toda conversa que tínhamos mamãe e eu envolvidas. Sem papai era o próprio caos.
— Só estou perguntando, Percy!
— Eu não escondo nada, só quero saber que tenho privacidade. — Respondo na defensiva e ao mesmo tempo sendo um pouco petulante. — Posso ter privacidade?
— Quer ter privacidade, mas fica escondendo coisas importantes com essas cartas de nós!
Joga na minha cara e vejo que está decepcionada mesmo. Fico um pouco magoada e ao mesmo tempo brava porque ela não entende nada.
— Se não ficasse me pressionando não teria escondido!
Grito com ela, é a primeira vez que faço isso mesmo que já tenha elevado um pouco a voz algumas vezes, mas nada no nível que deixa meus pais chocados como agora.
Eu me arrependo no minuto seguinte quando vejo o rosto do meu pai, ele está sempre mantendo a paciência e sendo educado e acabo de decepcioná-lo.
— Desculpa... Eu—eu não estou bem, tive uma noite péssima e não queria gritar assim.
— Tudo bem, filha. — Vejo no semblante do meu pai que ele tenta relevar o grito que dei. Me levanto da cadeira sentindo-me mal em manter sentada ali. — Mas por que escondeu as cartas?
— Eu não quero ir para nenhum desses estados que são longe daqui e muito menos...
Não consigo terminar porque minha mãe se mete me mostrando seu ponto de vista.
— Mas são as melhores universidades, Liz, você está louca em perder uma oportu...
— Stela, por favor. — Meu pai fala e interrompe minha mãe que se cala no mesmo instante. Por isso escondi as cartas porque ela não me deixa ter a merda de uma opinião. — Deixa ela falar.
— Eu não quero conversar sobre isso agora, vou acabar chegando atrasada.
Sem dizer mais nada ou esperar que os dois dissessem eu corro para o carro. Scoot está na frente hoje e meus irmãos parecem bem tranquilos ao contrário do que estou sentindo. Nada de tranquilidade hoje para mim.
*****
Vejo Maya na entrada, mas não conto para ela sobre Madelaine. Apenas conto que briguei com meus pais e falo sobre as cartas das universidades. Minha amiga não escolhe um lado pois ela me entende em partes e ao mesmo tempo apoia meus pais por quererem saber para quais universidades fui aceita.
Falo que tenho algo para contar que lhe assustará quando o sinal toca e ela fica empolgada querendo que eu adiante o assunto logo.
Sigo para as aulas sem ânimo algum, todos parecem empolgados de alguma maneira só que eu não me dou trabalho de falar com ninguém, estava sem motivação para qualquer tipo de atividade.
Tudo que eu quero é me esconder num lugar numa temperatura boa (ao contrário do frio que faz) e que esteja escuro, onde eu possa só dormir.
Na aula do Sr. Jackson fico um pouco mais desperta e tento evitar que suas cusparadas me acertem, mesmo assim não consigo muito progresso nessa atividade. Em dado momento da aula tenho um papel jogado na mesa, viro para a direita de onde ele veio.
Madelaine Becker está me olhando, sem deboche ou malícia, até me lança um sorriso amigável. Ignoro ela e seu papel que amasso e jogo no bolso do casaco preto sem pensar duas vezes. Aprendi que deixar bilhetes jogados por aí alguém pode ler.
*****
Saio da minha sala de aula de química e no corredor avisto Maya conversando e andando ao lado de uma garota.
Reparo no corpo com curvas muito bem distribuídas e no bumbum que chama atenção, quando vira o rosto para olhar Maya consigo identificar a dona daquele corpo. Cecília Castillo e sua beleza latina (ela é quente!). Eu só não sei de qual país vem toda essa genética incrível dela. Chuto Colômbia ou Cuba.
Se ela for de Cuba nós temos pelo menos um pouco em comum. Mamãe também tem uma herança cubana, que me foi levemente passada.
Passo no meu armário para deixar alguns materiais e quando entro no refeitório vejo Maya na mesa de Cecília e seus amigos todos já com suas bandejas. Fico em dúvida por algum curto tempo entre ir ou não lá, mas acabo indo.
— Oi. — Falo hesitante um tanto hesitante.
— Oi. — Ingrid e Martin respondem com incerteza, Cecília me lança um sorriso cortês.
Um silêncio nasce de um instante para outro depois que me respondem. Maya vira, antes estava de costas para mim e arregala os olhos, pelo jeito ela me esqueceu hoje.
— Vai ficar aqui?
— Eu ia... — Maya confessa parecendo envergonhada, não sei porque disso, ela sabe que onde fosse eu iria. Quando tento me aproximar para sentar na mesa junto com ela, sou impedida. — Espera... Vai sentar aqui?
— Eu queria te contar uma coisa que aconteceu, mas já que quer ficar aqui, nós ficamos e depois conto.
— Não! Vamos logo para nossa mesa. — Maya adora uma notícia e isso a fez levantar rapidamente, sorrio um pouco porque não queria sentar ali com humor horrível que me encontro esses dias, seria capaz de fazer algo que deixe minha imagem ainda pior para as pessoas que mal me conhecem. — Desculpa, talvez eu volte essa semana...
— Até mais.
Aceno para os três na mesa que me olham estranho como se eu nunca tivesse cumprimentado nenhuma pessoa na vida e eles fossem os primeiros com quem faço isso.
Maya coloca sua bandeja na mesa e nos sentamos lado a lado hoje (assim é melhor para conversar coisas que ninguém precisa escutar). Abro a embalagem do meu sanduíche e dou a primeira mordida, minha amiga me passa a água e me olha em expectativa.
— Primeiro... — Mordo mais uma vez meu sanduíche, estou com fome por não ter tomado um bom café da manhã devido a conversa com meus pais. — Não grite ou surte com o que vou falar.
— Vou tentar.
Pelo menos Maya é realista e não faz promessas que não vai conseguir cumprir.
— Sabe quando disse que Madelaine me queria?
Fico nervosa ao contrário porque tenho medo do quanto escândalo ela pode fazer e chamar atenção.
— Aham... O que tem?
Maya não parece preocupada com o que vou dizer e percebo isso porque ela não para de comer e beber para me escutar.
— Ela me beijou ontem e depois eu...
— O QUÊ? — Maya tosse algumas vezes me olhando aflita. Ela consegue engolir seu lanche e respira fundo antes de falar baixo. — Eu falo para você não beijar o inimigo e você vai lá e faz isso...
— Desculpa.
Maya sorri após minha fala e logo nem parece ter quase se engasgado com a notícia.
— Ela beija bem ao menos? — Minha amiga pergunta e nem me deixa responder antes de continuar a falar. — Foi só me contar que gosta de mulher que as mulheres aparecem para te beijar, eu sou o que você precisava para se dar bem.
— Pelo amor de Deus foi a Becker que eu beijei!
— Verdade! — A ficha pareceu cair de fato para Maya enfim. — Mas como aconteceu?
— Madelaine me chamou e eu fui saber o que ela queria... — Maya prestava atenção no meu rosto, mas não parava de comer, estava Stelamente ansiosa. — Então ela se aproximou me deixando presa entre ela e o lugar onde me encostei, ela me deu um selinho e depois falou que esperava que beijasse bem...
— Uh...
Contei para Maya que depois que Madelaine se afastou pela segunda vez eu a beijei e contei com detalhes já que ela pediu assim.
— Você tem pegada, danada, puxou a Becker para você.
— Você está de que lado, hein? — Abro minha boca em choque, minha amiga está bem demais com o fato de eu ter beijado Madelaine e não é assim que esperei que ela fosse reagir. — É a Becker! Você e eu não gostamos dela.
— Liz, eu não esqueci disso. — Maya revira os olhos quando nota minha expressão exacerbada lhe olhando. — Mas ela é gostosa.
— Você nunca provou para saber se ela é gostosa. — Implico com sarcasmo, até porque Maya nem gosta de mulheres e fica dando a entender que gosta.
— Você provou e agora fica esnobando...
— Esse não é foco! — Estalo meus dedos frente ao rosto de Maya, para ela ter seu foco todo em mim e entender o que eu quero falar. — Então falei com Madelaine que não ia acontecer de novo e ela falou que veríamos se não ia. Agora estou com medo dela me ameaçar ou contar para a escola toda sobre mim.
— Isso dá no mesmo. — Maya não dá tanta importância para o que acabo de falar como eu. — Mas isso não é relevante. Caso ela te faça algo me avise que eu dou uma surra nela e também tenho contatos que podem descobrir coisas sobre ela.
— Contatos? Em que mundo você vive? Isso não é brincadeira.
— Não estou brincando, Liz.
Encerro o assunto e vou conversar com a "Waves" por mensagem (obviamente).
*****
Não temos a última aula e vamos todos para o ginásio, literalmente todos os alunos. É o dia do anúncio do baile de inverno e divulgação de quem serão os candidatos à rei e rainha do baile.
Não é nada tão grande como o baile dos veteranos no final do ano letivo, mas as pessoas costumam curtir essa bobeira mesmo assim. O baile eu acho até legal, mas isso de eleger pessoas pela beleza não é algo que eu goste.
— Faltam pouco mais de 30 dias para o baile de inverno... — A diretora Edwards fala com a ápice de animação que ela tira nem sei de onde. — E estou aqui para apresentar a vocês os candidatos a rei e rainha!
Tento achar um lugar na arquibancada para sentar, mas está lotada. Maya está lá no alto, procuro um espaço para passar, mas não encontro. Decido ficar perto da porta mesmo de pé, não vou morrer por não ter lugar para sentar.
— Vou começar pela candidata a rainha do nono ano...
No baile de inverno escolhem uma garota e um garoto de cada série do ensino médio para concorrer e no final um apenas ser coroado rei e rainha no baile.
— Vem sentar com o time. — Madelaine é uma das últimas pessoas a chegar no ginásio, de onde estou dá para ver as meninas da torcida, mas não sei se tenho espaço para sentar com elas e nem quero ir também.
— Eu... — Tento formular uma desculpa e Madelaine está me encarando, ela me olha de perto com um sorriso presunçoso.
— Liz? — Olho para a esquerda de onde a voz veio e é Cecília Castillo me chamando. Olho para ela confusa, mas isso não parece afetá-la. — Maya mandou mensagem falando que é para você sentar comigo... Ela está tentando achar um jeito de descer de lá.
Cecília aponta para o alto da arquibancada, Maya andou apenas alguns metros desde a última vez que olhei.
Eu sorrio sarcástica para Madelaine que está ainda com seu sorriso presunçoso.
— Vou com a Castillo. — Madelaine bufa contrariada. Cecília parece concentrada demais em nós duas e até meio desconfiada da interação que temos. — Vamos?
— Vamos, Ingrid e Martin estão para lá. — Cecília aponta para a esquerda (de onde ela com certeza veio) e sigo ela deixando Becker para trás.
Sento perto de Cecília e uma outra garota que não sei quem é. Ingrid está entre Cecília e o seu amigo que parece sempre estar ansioso, (ele é meio estranho) Martin. Aceno para os dois, Ingrid sorri para mim. Um dos sorrisos mais lindos dessa escola toda, ela é a maior gata!
— Está ansiosa pelo baile? — Cecília pergunta, no canto dos lábios o sorrisinho de sempre. Na verdade, ela parece sempre muito liberta então deve ser por isso que me passa a impressão de que ela flerta até com o vento.
Retribuo o sorriso mesmo que minha vontade seja quase nenhuma por meu dia estar uma merda.
— Gostaria de estar animada. — Confesso e Cecília parece surpresa por eu não falar que já até sabia que roupa ia usar e com quem iria, porque é isso que a maior parte das garotas fazem quando se trata de bailes.
— Por essa eu não esperava. — Ela ri, toda abusada. Me tira um pouco do sério o jeito dessa latina, meu rosto fica vermelho, mas não sei ao certo se é realmente de raiva dela.
Ingrid está tentando escutar nossa conversa, ela não é sutil em demostrar interesse até porque está quase apoiada em Cecília. Não levo isso como grande coisa ou me iludo por ter uma quedinha por ela.
— Posso ser um pouco inesperada. — Digo e a garota me encara, parece me avaliar. É só uma afirmação, não um má resposta ou flerte, mas Cecília parece procurar em meus olhos o contexto correto da frase.
— ... nossa última candidata a rainha é... — A diretora faz uma pausa para dar uma certa expectativa. — Liz Rodriguez!
— Wow! — Ingrid dá um gritinho e como as garotas da torcida e algumas outras ela comemora. Olho para Cecília e ela está sorrindo em minha direção, mas quando vê meu rosto sua expressão parece confusa.
Droga! Droga! Droga!
Eu não quero fazer parte disso... Eu só quero ficar no meu canto e não ser notada por essa gente toda.
Olho para o chão e ando de pressa para a saída do ginásio, não escuto nada do que está acontecendo só saio às pressas. Quando chego no corredor coloco o gorro da blusa e corro para o banheiro mais próximo, me trancando numa das cabines.
— Liz? Você está bem? — A voz de Cecília é ouvida por mim, mas por pouco porque estou respirando pesado e não escuto muito bem outros sons além dos que saem de mim.
— Sai daqui, Castillo! — Peço, tentando evitar mais vergonha do que a minha fuga já deve ter causado. — Por favor.
— Eu só quero saber se está bem e tentar ajudar...
— SAI DAQUI!