Olhando ao seu redor, Christian percebeu que deitava-se em um daqueles sacos de dormir, em uma tenda escura iluminada pela luz das velas. A tenda não era tão luxuosa como aquela dos eruditos, mas ainda era muito confortável para ficar. Então, uma voz soou do canto da tenda, pegando Christian de surpresa:
-Devo agradecê-lo por ter salvado meus irmãozinhos Christian, eu devo uma a você!
Olhando na direção da voz, viu sentado ali em um canto William que sorria para ele. Christian ainda meio confuso perguntou:
-Onde estamos?
O caçador respondeu:
-Esta é minha tenda! Depois que matamos as bestias e tu desmaiou, enterramos todos os mortos e partimos, já que temíamos que o sangue atraísse mais deles, ou uma horda de mortos. Nós sofremos pesadas perdas, 23 pessoas caíram nas mãos das bestias! E se tu não tivesses agido naquela hora, meus irmãos somariam neste número, por isso eu te agradeço de novo. Vejo que não mentias quando disse saber lutar, afinal, a bestia corria bem rápido para que tu a acertastes, e mesmo que ainda tenha sido sorte, ainda não muda o fato de terdes salvado suas vidas, mas…
WIlliam olhou um pouco mais seriamente para Christian perguntando:
-Quem é você?
O garoto ficou confuso e perguntou:
-Como assim?
Vendo a confusão genuína em sua face, William suspirou e respondeu:
-Uuufff. Porque não dissestes que eras um erudito não filiado? Por acaso és um eremita?
Christian perguntou para WIlliam:
-Porque perguntas isso?
O caçador, relembrando da cena do combate entre as bestias respondeu:
-Todos nós vimos, no momento em que acertastes a lança na bestia, as outras três tentaram te atacar em retaliação, mas do nada a bestia a sua direita se transformou em cinzas, e em um movimento estranho, teus pés brilhavam, e como se andasse na luz, desviastes da trajetória das bestias a uma velocidade insana, e logo depois as bestias, pegas de surpresa, acertaram o ar a sua frente com seus golpes, mas de repente, suas mãos começaram a queimar, e expelir aquele estranho líquido escuro que se transformava em névoa negra. E logo começaram a gritar angustiadas, falando sozinhas olhando para o ar a sua frente, sendo que tu não estavas mais ali! E todos perceberam, que quando tirastes o capuz do manto que eu vos dei, as bestias encheram-se de medo, somente de ver seu rosto, agora Christian, me explique, quem é você?
Christian ficou ainda mais confuso ouvindo tudo aquilo e respondeu:
-Foi o tio smoke que fez tudo aquilo, não eu! As bestias acertaram-no no meu lugar. Quanto ao porquê das bestias agirem e falarem coisas tão estranhas ao ver meu rosto, eu estou tão confuso quanto você, afinal, eu estive com meus amigos o tempo todo na floresta, só encontrei algumas bestias por um momento durante minha jornada pela mata, mas tudo o que fiz naquele momento foi correr desesperadamente. Além do mais, não foi tu que me destes o manto, foi o tio smoke que o deu a mim!
William ficou atordoado ouvindo aquilo, e massageando suas têmporas questionou Christian:
-Huff. Vamos por partes garoto. Primeiramente, quem é tio smoke?
Christian em completa confusão respondeu:
-Como assim? Ele era o último batedor que havia restado certo? Você que me apresentou a ele!
William, como se olhasse para um louco respondeu:
-Do que estás falando? Eu não te disse, assim que te encontrei com meus irmãozinhos na floresta, que todos os batedores haviam sido mortos em uma emboscada? Além do mais, depois de te apresentar ao líder, te deixei ficar um tempo com Lilia e Aléxo, e depois fui te buscar para te apresentar ao mapeador, para que vos entregasse um mapa das rotas que iríamos seguir! Te dei um dos chifres para se comunicar, te dei a capa, te expliquei como deverias usá-lo para se comunicar com o grupo e depois vos deixei só! Nenhum tio smoke esteve nesse grupo desde que eu entrei aqui!
Christian ficou surpreso ouvindo as palavras do caçador, então, lembrou-se que sentiu de alguma forma, quando se aproximou do acampamento, que algo havia mudado, mas ele não sabia explicar o que. Mas agora ele sentia que essa mudança tinha algo a ver com o confuso relato de William.
Christian agora não sabia o que responder, afinal, nem ao menos entendia o que estava acontecendo. Percebendo a confusão mais uma vez na face de Christian, o caçador em mais um suspiro, pegou uma garrafa de água ao lado para se acalmar e continuou:
-Muito bem, vamos passar para a próxima pergunta. Dissestes que estavas com amigos na floresta da desolação certo? Explique-me mais sobre isso, quem são, onde estão agora...
Christian abandonando seus pensamentos, acenou com a cabeça respondeu:
-Sim! Eu estava com Franciscus o Garotão e Archus, junto com todos os outros animais no vale que eu encontrei na floresta da desolação. Agora, quanto a onde estão eu não sei, Archus falou para mim que eu deveria continuar minha caminhada, e quando eu acordei, depois de um sonho que não consigo me lembrar perfeitamente, eu vi Aléxo e Lilia.
William ficou surpreso com aquele relato e questionou:
-Um vale? Animais? No meio da floresta da desolação? E quem eram estes de quem tu falas?
Christian respondeu:
-Franciscus é um velho que depois virou criança, Archus é o sábio, um beija-flor, Garotão é o tigre que me ajudou no treinamento de combate! Quando aos animais, eram lobos, ovelhas, serpentes, e diversos animais que viviam lá em harmonia!
Ouvindo as palavras de Christian, William que tomava água, imediatamente cuspiu enquanto tossia dizendo:
-Ei garoto... *tosse* *tosse* será que você está tentando tirar sarro de mim? *tosse*… Não pode ao menos me dar uma resposta normal para mim levar ao líder?
Christian ouvindo aquilo perguntou:
-Ao líder?
William respondeu:
-Sim, ele me ordenou que assim que tu acordasse eu te levasse até ele, mas primeiro, tentasse descobrir alguma coisa eu mesmo! Mas que seja, vamos lá. Ele está esperando na tenda dele. Christian, levantando-se respondeu:
-Por mim tudo bem.
Logo ambos saíram da tenda do caçador.
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Em um lugar escuro, que cheirava fortemente a sangue, Nuntio lentamente abriu os olhos. Olhando ao redor, encontrou-se acorrentado a uma parede em uma sala totalmente escura. Porém, algo era estranho para ele, já que mesmo com seus brilhantes olhos vermelhos ainda não conseguia ver nada naquela escuridão.
Isso o deixava um pouco desconfortável, já que não enxergar no escuro não era algo com o qual ele estava acostumado, já que seus olhos estavam habituados às trevas. Mas a escuridão naquela sala era tão profunda, que mesmo seus olhos eram incapazes de ver através dela.
Mesmo com o cheiro de sangue entrando em seu nariz, Nuntio não parecia preocupado. Ele já possuía cartas em suas mãos para negociar antes, mas agora, se o sonho que havia tido fosse real, ele teria mais uma grande carta para jogar.
Então, enquanto Nuntio se perdia em pensamentos, em meio a escuridão à sua frente, duas fracas luzes cor âmbar se tornaram visíveis em meio às trevas, viradas em sua direção. Eram como dois olhos fixados em si, cheios de malícia e intenções assassinas, olhando diretamente em seus olhos. Aquele olhar lhe causou arrepios na espinha, e o medo instintivo se instalou em sua mente. De repente, os olhos pareciam sorrir, e sons de passos lentamente ecoavam pela sala.
Nuntio fazia o seu melhor para controlar o medo que ameaçava tomar seu coração enquanto olhava para aqueles olhos. Ele já tinha uma ideia de que seus planos estavam indo para o caminho escolhido. Ele precisava ser capturado para buscar proteção sob outra facção, e era certo de que outros reis se interessariam pelos movimentos de De Avarum. Sendo assim, era certo de que se o capturassem, o levariam para uma figura de alto cargo dentro da facção que o sequestrou.
Logo, surgiu diante de seus olhos uma figura que o deixou confuso. Uma pequena senhora de aparência gentil e inofensiva, com cabelos brancos curtos soltos e meio desarrumados que iam até seu pescoço e olhos meio fechados cor âmbar. Em sua face tinha um sorriso gentil estampado.
Em seus lábios havia um batom vermelho intenso, e sobre seus olhos um pequeno óculos de armação preta. Em sua cabeça havia uma coroa incrustada com diversas joias valiosas e um chifre saia da cabeça daquela senhora.
Fixando seus olhos na senhora, ele ficou inicialmente confuso, mas fixando seus olhos no seu chifre, primeiramente se sentiu surpreso, e depois novamente confusão se instalou em sua mente. Afinal, ele sabia que havia a possibilidade de ser levado diante de um rei, mas a possibilidade não era assim tão alta, e o que o deixou tão confuso, foi o fato de nunca ter visto um rei com aquela aparência diante de seus olhos, o que era estranho já que a muito tempo ele já havia visto todos os reis uma vez.
Além disso, Nuntio sentia que aquela senhora de aparência gentil e sorridente, era uma besta sanguinária disfarçada em uma pele de cordeiro. O medo que ele sentia, tentar tomá-lo era real. A presença daquela senhora era muito diferente de De Avarum. A presença do rei ganancioso não causava tanto medo a Nuntio, já que era formada principalmente por loucura e tolice. Mas este era diferente, as intenções assassinas que irradiavam de seus olhos âmbar fixados em Nuntio, o fazia em determinados momentos sentir até um certo enjoo, como se aqueles olhos refletissem massacres cruéis e brutais que sujavam as mãos do rei. Rios de sangue pareciam correr diante daqueles olhos assassinos.
A velha senhora vendo a confusão instalada na face de Nuntio, com um largo sorriso cheio de dentes afiados falou em uma voz gentil, porém arrepiante:
-Ohh meu querido! Está confuso com a minha aparência? Sabe, as vezes eu esqueço que meus servos já estão acostumados com isso.
Logo assim que terminou de falar, a velha senhora começou a sibilar como uma serpente, e quando o fez, sua pele, e todos os membros de seu corpo começaram a se contorcer de um forma perturbadora aos seus olhos.
Aquela cena era tão desconfortável, que até Nuntio sentia-se enojado presenciando-a! Era como se aquilo fosse uma marionete feita de massa de modelar, que se contorcia para todos os lados, querendo mudá-la de forma.
Logo diante de si, já não era mais uma senhora, mas sim um magro adolescente com olhos âmbar, que vestia uma camisa preta, um casaco vermelho, uma calça preta, junto com botas pretas que ficavam acima da calça. Tinha cabelos pretos, com algumas mechas avermelhadas, usava brincos dourados um em cada orelha com jóias vermelhas, colares de jóias, anéis, e a coroa em sua cabeça, de onde também saía um chifre único. Com olhos cheios de zombaria, e agora não gentileza, o jovem falou:
-Sabes? Não deves se preocupar muito com minha aparência! Sou conhecido como De Sicarium.
Nuntio ficou surpreso ouvindo aquilo, afinal, só o havia visto uma vez, e na época, ele o tinha visto como um homem de meia idade, não como uma senhora, muito menos como um adolescente. Este era De Sicarium, a cadeira número cinco. Conhecido como o rei sanguinário, ou o ceifador das sombras. De Sicarium continuou:
-Sabes? Os assassinos tem várias faces, várias aparências, várias idades, vários temperamentos, várias formas!
Conforme De Sicarium falava, ele mudava de face, aparência, idade, mudava o temperamento e até assumia a forma de outros seres. Com um sorriso cheio de malícia continuou:
-De Sicarium está em todos os lugares, em cada canto, se escondendo sob diversas peles, sob sorrisos gentis, sob grandes líderes, sob pequenas pessoas, escondendo-se em cada lugar, entre os mortos, e até mesmo entre os que se acham vivos! Por isso, não se preocupe com minha aparência, eu possuo várias. O que importa aqui é…
Com um largo sorriso arrepiante o rei continuou, tirando de sua cintura duas agulhas de tricô de metal afiadas:
-Que você sabe de algo que eu desejo muito saber. Por isso, talvez tenhamos que brincar um pouco caso você não queira cooperar comigo. Que tal? Você pode começar contando tudo desde o início certo? Eu sou bem paciente, não se preocupe, temos bastante tempo…