A conclusão de Hinata fazia todo sentido e para Haruki. Miyu estava morrendo e precisava do jogo para se refugiar.
Tendo o estudante uma mente matemática, o mais novo se baseou no racional. Diferente da mente fantasiosa de Haruki que nunca gostou de estudar, ainda mais Matemática e Física era muita lógica para ele que só gostava de ler histórias para se divertir. Hoje ele se recriminava por isso.
E ainda assim essa constatação era muito chocante para o cantor, que só agora teve a contemplação do que estava acontecendo.
"Então estamos em um Isekai de verdade?" Haruki perguntou, ele precisava que as palavras fossem ditas para tornar real seu pensamento.
"É o que me parece. Um pai com muitos recursos, uma filha com um diagnóstico de morte prematura. Você ouviu Honda-san falar que ele também faria qualquer coisa por sua filha. Mia ela é surda," Hinata explicou.
"O quê? Você riu de uma criança surda? Mas como você sabe que ela é surda?" Haruki olhou para o mais novo espantado. Ele não entendia mais nada.
"Eu ri das ironias da vida senpai. Eu sou amigo de Mia. E sei que Mia é surda porque foi sua deficiência que nos aproximou. Eu fui seu irmão mais velho nas Olimpíadas Matemáticas Internacionais por saber a linguagem dos sinais." Hinata explicou. "Agoora eu penso que nós fizemos o teste final do programa para trasmigrar Miyu-chan depois eles saberem que era seguro. Miyu-chan pode entrar definitivamente." Hinata não parecia feliz por dividir essas informações.
'O que será que ele está escondendo?' Haruki pensou. Com essas habilidades matemáticas Hinata era um gênio, mas ele não queria carregar esse estigma e se comportava como um ogro de propósito.
Um silêncio constrangedor caiu sobre grupo. Haruki não era o único a ter descoberto a verdade sobre o Estudante pelo jeito.
"Eu concordo com Hinata-kun." Saito falou, "O smartwatch é a chave de entrada e saída deste jogo. E a forma deles nos controlar."
"Se o seu pensamento estiver certo, Saito, como iremos ser resgatados sem o aparelho?" Daisuke perguntou expondo o novo dilema do grupo.
"Determinaremos um tempo. Hm, um mês para sermos os príncipes. Cortejando e paparicando a garota," o alpinista os encarou, "Quem concorda?"
Depois de um longo silêncio em que todos os homens, incluindo Haruki, vigiavam as reações do padeiro para saber o que ele iria fazer, Jun resmungou algo ininteligível.
E depois, ao perceber-se observado, falou em voz alta, "Okay, eu aceito." Os demais assentiram depois dele.
"Daisuke, quero que você ajuste comigo os detalhes do contrato," Saito pediu. O influenciador digital concordou. "Hinata-kun ficará atento aos cálculos dos ganhos. E vocês prestem atenção a qualquer detalhe que esteja nos escapando." Saito concluiu.
Haruki viu ali o líder que conseguia comandar homens endinheirados em aventuras perigosas. Saito falava baixo e macio, mas dava para sentir o perigo iminente. O cantor sabia bem como esse homem de aparência civilizada se transformava rápido em um assassino, mesmo sem querer.
Definitivamente o Saito-senpai era muito perigoso.
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"Compreenda Ichida-san, aí há mais benefícios para o senhor, do que aqui. Em sua ficha médica consta dezenas de fraturas que devem ser lembranças bem dolorosas no nosso inverno," argumentava o senhor Abe.
Haruki já não aguentava mais os mil argumentos do bilionário que tinha em seu poder os dossiês completos da vida de cada um deles. E os usava para construir sua justificativa para mantê-los presos dentro do jogo que ele chamava de Neona.
Hinata estava certo, eles tinham sido sugados para um novo universo criado por homens.
Saito-senpai mantinha sua voz na mesma cadência o tempo todo da longa reunião. As frases curtas do CEO, mais sua voz neutra, sem emoção tornava impossível para o cantor saber se o alpinista também estava irritado como ele estava. O senhor Abe lhe dava nos nervos!
"Abe-san tenho orgulho das cicatrizes. A dor é um pequeno preço que pago por estar vivo. Esta é minha palavra final. Um mês, trinta dias. E eu falo em nome de todos," Saito finalizou suas argumentações depois de horas de reunião.
Abe Hiroshi tinha um sorriso de satisfação ao dizer, "Gostaria que minha filha o escolhesse para ser meu genro e herdeiro, Ichida-san."
O senhor tinha jogado sua última mão, Haruki estava passado com sua cara de pau! Subornando a lealdade de Saito assim, na cara de todos ali.
"Mas eu não. Seu dossiê é incompleto Abe-san."O orgulhoso aventureiro que enfrentou o pai quando ainda era um adolescente não teve medo de responder de forma rude.
Abe Hiroshi abriu os olhos em espanto, ficando branco de ódio, mas manteve silêncio.
A transmissão foi encerrada abruptamente.
"Saito-senpai, você é um CEO de verdade!" Daisuke falou dando tapas amigáveis em seu ombro.
O senhor Ito entrou na sala empurrando um carrinho de chá com várias caixas. Ele o deixou na sala e saiu silenciosamente.
A transmissão recomeçou,
"Eu aceito suas condições Ichida-san, e estou aberto a rever este contrato no futuro, caso alguém desista da ideia de partir de Neona,"o senhor Abe falou assustando Daisuke que levou a mão ao peito. "Suas solicitações foram incluídas ao contrato. Inclusive a adição de um sindicato de classe com direito a rodadas de negociações para ajustes futuros, conforme necessário. A classe dos… Otome Boys," o bilionário hesitou ao falar o termo.
"Otome… Boys?"
"Vocês têm um nome melhor? Estamos abertos a sugestões."
Jun interrompeu, " O que há em um nome? Tanto faz. O que importa é a descrição do trabalho. Se otome boy, otoko geisha* ou hosts… Tanto faz! Já estamos ofendidos o suficiente!"
"Vamos avaliar a descrição do trabalho requerido," sugeriu Saito, ignorando Jun.
"Trabalhadores com a função de atuar, entreter e competir, em seus papéis pré-estabelecidos em um cenário de Otome Game, para o entretenimento de um cliente, por uma promoção em cargo, comumente decidida por um conjunto de fatores baseados em cálculos pré-definidos."
"Promoção em cargo? Takashi perguntou.
"Neste caso específico, a cliente é Abe Miyu, que está jogando o jogo Cobiça e Tentação, que é o cenário," o senhor Abe falou com voz cansada, sugerindo que imaginava que eles já soubessem disso e fosse desnecessário explicar. "A competição estabelecida tem como promoções os 'cargos' de crush, amigo, encontro, namorado, noivo e marido."
"Saudações neonamitas," falando alegremente Honda surgiu em uma segunda tela, "Para ativar o dispositivo basta acoplá-lo ao seu pulso, ler e aceitar o contrato para continuarem em Neona por trinta dias a partir da data de aceite. E com seu smartwatch personalizado está o seu convite para participarem do I Baile de Máscara do Tanabata Matsuri Destiny."
Haruki sentiu comiseração pelo engenheiro-chefe. Agora que entendia o que o motivava a participar deste projeto de ética duvidosa.
O cantor sentiu o estômago contrair ao pegar a caixa com sua imagem. O seu aplicativo era amarelo, e ele lembrava do que tinha acontecido ao deixar a máquina escanear suas retinas.
"Oops!!!" Haruki pulou de susto ao sentir ser tocado no ombro. Era Jun que o puxou para o lado para fora da sala.
"O quê…" o cantor ia perguntar, mas foi silenciado pela palma da mão de Jun em seus lábios. Com um balanço de cabeça, o padeiro o fez acompanhá-lo para um dos quartos secretos.
"Eu não confio em Abe Hiroshi," Jun sussurrou. "Me deixe ver o seu," e pegou o aplicativo da mão de Haruki.
Ele mexeu e mexeu no smartwacth parecendo concentrado e ao mesmo tempo, não sabendo exatamente o que fazia ou o que procurava.
"Não acione ainda, vamos ver como os outros estão," Jun ordenou devolvendo o item e voltando para a sala.
Haruki concordou, o acompanhando.
Eles encontraram todos em torno de Saito que estava estático olhando para seu pulso onde estava o smartwatch cinza. Ele tinha ativado o dispositivo.
De repente o alpinista piscou, saindo do transe. Se viu cercado pelos colegas.
"BOO," ele fez em tom de brincadeira enquanto levantava os braços acima da cabeça com as mãos em forma de garras.
"Oh Saito-senpai, quer mesmo me matar do coração!" Hinata reclamou.
"Saito, você se sente normal?" Takashi perguntou desconfiado.
"Ainda sou eu" Ele piscou sendo charmoso.
"Então tire isso do seu pulso," Jun desafiou o alpinista.
Alguns segundos depois de ficarem se encarando, o que para o cantor já estava maçante de ver.
Saito desligou o aplicativo e o retirou do braço.
Na tela que antes estava o senhor Abe, agora apareceu uma foto de Saito jovem. Mais novo que Hinata. Ele carregava uma mochila suja, suas roupas de alpinismo estavam rasgadas em alguns lugares como no joelho e no lado do braço. 'Seria do atrito do pano com a rocha na escalada?'
E ele tinha cabelo comprido! Ichida era um adolescente ao estilo 'flower boy'! Haruki ficou chocado com sua beleza juvenil.
Ao levantar a cabeça para olhar o que o grupo estava encarando, Saito viu sua foto. O sorriso, e o bom humor morreram em seu rosto.
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*Otoko geisha - gueixa masculina
*Flower boy - um termo asiático para descrever rapazes muito bonitos de aparência andrógina, equivalente a bishounen.
*Hosts - no Japão existem casas de entretenimento onde trabalham hosts - rapazes bonitos - que ficam conversando com as mulheres e dando atenção. Existe a versão feminina também, hostesses. São a versão atual de gueixas, porém não têm o mesmo respeito que as gueixas conseguiram atualmente como um dos símbolos do Japão.