-Oli? -Erine chamou.
Anne continuava sentada no chão. Karen observava a situação, com atenção.
-Desculpe, Erine. Mas eu preciso saber. Se é por um bem maior... Então vale a pena.
-Esperta, como sempre. -Hikiro sorriu. -Me põe no chão.
-Cáiman, com cuidado. -Olívia falou.
-Oli, não deixa esse ca4ab5e influenciar assim! -Erine falou.
-Calem a boca. -Hikiro ficou em pé, livre da mão reptiliana. -E me escutem.
-Anda logo. -Olívia falou. -Eu não vou ficar esperando muito não.
-Tudo bem. Eu também fiquei confuso no começo, mas faz sentido. Tudo isso agora faz. Sabe por que nós sofremos tanto, Olívia?
-Não. Por quê?
-Porquê somos predestinados. Tudo que já aconteceu teve uma razão. Nós passamos por todas aquelas coisas ruins para entender o quão frustrante o mundo é. A realidade nos esmagou, muito mais do quê esmagaria uma pessoa normal.
-Então somos especiais só porquê sofremos mais? -Erine indagou. -Bobeira!
-Bobeira? Você perdeu seu namorado! Por que justo você!?
-Porquê... Porquê sim! -Erine gritou. -Olívia, manda o Caimán esmagar ele logo!
-Espera. Quero ver onde ele quer chegar.
-Quero chegar onde ninguém mais ousaria. Por muitos anos, eu pensei que era o único que queria acabar com tudo de ruim que o mundo tem. Eu só queria libertar as pessoas de suas prisões mundanas e transformar a realidade... Mas eu estava sozinho. Até que eu conheci ele.
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O pequeno Hayashi chorava enquanto corria naquele fim de tarde. Seus pais gritaram com ele e o chamaram de monstro. Os pais de Cletus e Greg bateram furiosos à porta de sua casa naquela noite, acompanhados pela polícia.
-Vocês dois precisam colocar seu filho na linha! -O oficial gritou. -Aquilo não foi uma brincadeira normal!
Não foi nenhuma brincadeira. Era sério. Mas seus pais se recusaram a entender, e lhe surraram. Ele havia finalmente criado seus primeiros homúnculos, Cletus 2.0 e Greg 2.0. Mas seus pais se recusaram a aceitar aquilo. Como poderia, seu filho, um gênio, fez uma brincadeira?
Os pais de Hayashi vieram de um país distante onde o trabalho e os estudos eram levados muito a sério, e sua cultura era muito mais séria. Hayashi cresceu em uma cultura diferente, onde as coisas eram menos severas; diferente de seus pais. A infância toda ele ouviu que deveria se esforçar no trabalho e nos estudos.
E quando ele se vingou seriamente dos garotos que o maltratavam, chamaram de brincadeira. Quando o sol se pôs, ele quebrou a janela de seu quarto com a cadeira que usava para estudar em sua escrivaninha. Seu pai entrou correndo no quarto.
-O quê você está fazendo!? -O homem berrou.
Hayashi pulou a janela e fugiu.
Diferente dos pais, ele era ágil. Eles não conseguiriam correr atrás dele. Os Hirasawa chamaram a polícia, desesperados. Hayashi fugiu a noite toda e se escondeu até o amanhecer. Na manhã, ele correu até a rodoviária; ele iria fugir para longe, para Gardeville, onde o misterioso Projeto Saturno aconteceu.
Mas ele não era maior de idade, tinha apenas quatorze anos. Sem documentos, sem dinheiro. Como ele compraria uma passagem para fugir para longe?
Ele se sentou em um banco, triste e cabisbaixo. Até que um enorme homem se sentou do seu lado.
-Então você é o garoto Hirasawa? -O homem perguntou.
-Polícia? Eu já falei que não fiz nada de errado! Eles me maltratavam!
-Sim, entendo. -O homem olhou para ele, com um profundo olho azul. Seu cabelo cobria o olho direito, sua barba, no entanto, não escondia seu sorriso. -Eles te maltratavam, e ninguém acredita em você. Injusto, não é mesmo?
-Sim... Você acredita em mim?
-Claro. O mundo é injusto demais. Eu soube do seu talento. Você criou um clone daqueles meninos. Como fez isso?
-Eu... Eu faço essa gosma estranha... -Ele abriu a mão, revelando uma bola com a consistência de argila. -Levei meses para fazer. Ela cresce com o tempo, e eu moldei.
-Você esculpiu? -O homem riu alto. -Garoto, você é incrível!
Incrível. Era o primeiro elogio que recebia na vida.
-Obrigado, moço. -Ele sorriu.
-Você está com fome? Eu te compro alguma coisa.
-Sim. Mas eu preciso ir embora. Senão...
-Senão vai ter que voltar para sua vida antiga. Não se preocupe. Você precisa voltar para eles.
-Mas... Por quê?
-Porquê você é predestinado. Pegue isto. -O homem deu a ele um pequeno caixote. -Quando você fizer dezoito anos, vai poder trabalhar, e me ajudar a construir um mundo melhor, sem essas injustiças que fizeram com você e com outras pessoas.
-Outras... -Ele pensou em Olívia. Aquela foi a primeira vez em que ele pensou nela. -Que sofram como eu.
-Sim. Você vai me ajudar a libertar elas. Pode ser?
-Pode... Pode sim! -Hayashi sorriu.
-Muito bem. Eu vou te pagar um almoço, e quando terminarmos, você vai para casa, e vai esperar o dia chegar.
-Mas... Como eu vou conseguir falar com você?
-Quantos anos você tem?
-Catorze.
-Daqui quatro anos, eu vou vir para essa cidade outra vez, então. Essa caixinha que eu te dei é um comunicador. Use ele quando quiser conhecer meu amigo cientista, o Doutor. Mas use somente em segredo.
-Tá bem! Você vem mesmo?
-Claro! Pode me chamar pelo comunicador. Peça ao doutor para falar com Ninguém.
-Você... Esse é seu nome?
-Sim. Eu mudei de nome há muitos anos. E você vai poder mudar o seu também.
-Então... Você vai me esperar mesmo?
-Sim. E venho te buscar também. Basta me chamar.
-Certo!
-Vamos almoçar!
Os dois foram para a lanchonete nas proximidades. No meio da tarde, Ninguém avisou a polícia sobre o garoto Hayashi. O garoto foi devolvido a seus pais, e a polícia o incentivou a entrar na área da ciência e engenharia, a qual ele prometeu entrar, para ajudar o homem que o resgatou a consertar seu "telefone".
Os pais e a polícia viram aquela caixinha apenas como um incentivo de um estranho gentil, sem nunca imaginar que Hayashi o usava para trabalhos secretos.
Quando completou dezoito, Hayashi já era um membro da Gyazom. Ele levou Olívia com ele quando fugiu para o recrutamento, fugindo da máfia e da polícia.
Mas depois que Olívia fugiu, Hayashi caiu em negação. Até que Ninguém apareceu no laboratório e o incentivou novamente.
-Chegou a hora de saber o porquê de eu ter te escolhido. -Ninguém falou. -Você vai criar o salvador desse mundo.
-Por quê!? Eu só quero morrer! Me deixa!
-Não, Hayashi. -Ninguém sorriu. O jovem estava sentado no chão. Sua capa branca estava largada ao seu lado, a sala do laboratório em quê sentava brilhava com fortes luzes brancas. As lágrimas de Hayashi brilhavam como se fossem prata por conta da luz. -Você agora tem um motivo para fazer um mundo melhor. Um mundo sem traição.
-EU PERDI TUDO! TUDO PELO QUE LUTAVA SE FOI! E AGORA!?
-Se você perdeu tudo pelo que lutava, então lute por algo novo.
-Como?
-Eu posso te dar uma razão. Ou melhor, um propósito.
-Quê propósito...? -Hayashi perguntou, curioso.
-Você consegue criar humanos artificiais, Hayashi. Qualquer tipo de humano, não é?
-Sim... -Os olhos do jovem brilharam quando ele entendeu o plano.
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-E então, é graças a ele que eu superei minhas dores. Graças a ele eu superei tudo. Mas até ele sabe que é incapaz de curar esse mundo.
-O quê você quer fazer, Hayashi? -Olívia ficou alarmada. Se ele era capaz de criar qualquer coisa, então...
-Eu vou criar um receptáculo perfeito. Eu vou criar Deus.
As garotas ficaram em silêncio. Era loucura. Era impossível.
-Hayashi, repete isso em voz alta. E devagar. Escute o quê está falando. -Erine falou.
-Estou escutando. -Ele riu. -Agora eu tenho um propósito. Eu sei quem sou. Sei o meu destino.
-Mas e os receptáculos que já existem!? -Olívia indagou.
-Eles são bons. São ótimos. Mas pense só, Olívia, eu crio humanos. Eu posso criar qualquer coisa. Os homúnculos não têm falhas, não se desviarão. Imagine, confiar um poder divino a alguma dessas crianças! Acha que o Zack consegue fazer um mundo perfeito!? ACHA QUE O HECTOR CONSEGUE!? ELES TEM SENTIMENTOS, ELES TEM EMOÇÕES! ASSIM COMO EU!
-Chega! -Olívia gritou. -CÁIMAN!
Cáiman ergueu Hayashi.
-Idiota! -Hayashi riu. -VOCÊ É FALHA! UM HOMÚNCULO PROGRAMADO PARA CRIAR UM MUNDO SEM SOFRIMENTO É O RECEPTÁCULO DEFINITIVO! VOCÊS NÃO PODEM ME PARAR!
-Você disse que me amava. -Olívia falou. -Você quer me copiar, não quer!? Quer que a versão de mim que criou na sua cabeça seja Deus, não é mesmo!?
Hikiro começou a chorar e soltar uma gargalhada sinistra.
-Não. Eu achei que te amava. Mas eu só estava sofrendo, e você era minha esperança. E toda esperança é um veneno.
-Desculpe, Hayashi. -Olívia suspirou. -Cáiman...
Hayashi começou a rir novamente.
-Achou que eu não esperava isso?
O corpo de Hayashi começou a esticar e cair. Ele se desfez em uma gosma nojenta.
-Ah, não... -Erine falou. -Ele estava...
-Testando a gente. -Olívia falou.
Karen olhou para a sala das câmeras.
-Meninas... -Ela chamou. -Nós temos que ir. Rápido!
-Claro. -Erine falou. -Vamos.
-Erine! -Karen gritou. -A Luci!
-O quê?
-Ela não ficou na porta esperando caso o Hayashi escapasse daqui!?
-Sim! Ela não está!? -Erine perguntou.
Karen saiu correndo da sala, chorando.
-VAMOS, RÁPIDO!
As duas correram para fora da sala, em choque. Nenhum sinal de Luci.
-Ah não, isso não está acontecendo... Não está acontecendo! -Karen gritou.
Olívia saiu, carregando Anne.
-Vocês deixaram ela sem segurança nenhuma!? -Olívia gritou. -Vocês não deviam ter vindo atrás da gente!
-Seus sapos estavam aqui! -Erine gritou. -Agora é tarde...
Um tremor sacudiu a escadaria.
-O quê foi isso!? -Anne perguntou.
Olívia subiu a escada correndo, e olhou lá fora. Ela viu uma luz azul, e uma enorme serpente devastando o estacionamento.
-Ah, não. -Ela falou. -Meninas! Nós temos que voltar para as crianças, AGORA!