-Olá. -Uma estranha voz disse. -Você tá vivo?
-O quê...? -Scott abriu os olhos. -Onde...
Ele estava em uma floresta.
-Estamos em Arcádia. Você... Desmaiou.
Scott olhou para frente. Um jovem rapaz estava parado, olhando para ele. O jovem tinha cabelos escuros, pele média e olhos azuis. Azuis como nuvens de tempestade. Jeff.
-Desculpe... Eu...
-Ah é. Eu soube sobre você. Você é o garoto dos lapsos. Consegue ficar em pé?
-Não. Sem controle...
-Certo. EI, JAKE! VEM AJUDAR!
Passos ecoaram das proximidades.
-Jeff... -Scott murmurou. -Não perca ele de vista.
-O quê? Como você sabe meu nome?
A cabeça de Scott tombou para trás e ele apagou outra vez. Quando voltou a si, estava caído no chão do refeitório, com o Jeff do presente olhando para ele.
-Opa. Bom dia. -Jeff sorriu.
Scott se sentou.
-Oi.
-Vai comer, a gente tem treino hoje.
-Beleza. -Scott pensou por alguns momentos. Será que Jeff já sabia que eles dois um dia se encontrariam?
Ele comeu, tranquilamente enquanto pensava nas possibilidades. Jeff saiu do refeitório.
Zack e Hector estavam jantando junto a ele. Max e David não estavam ali.
-Cara, -Zack disse. -Eu acho que o Max tá gostando da Luci.
-Não sei não. -Hector disse. -Eu acho que ele não gosta.
-Mas ele passa todo o tempo com ela!
-Eles estão treinando a habilidade de prever o futuro deles. -Hector suspirou. -Você só tá com ciúmes.
-Não. Ele gosta. Eu tenho certeza que ele quer ela longe da gente.
-Zack...
-Zack, faz um favor e fecha a merda da boca. -Scott interrompeu. -A gente já entendeu que você quer a Luci pra você e ninguém mais pode falar com ela.
-Cara... -Hector arregalou os olhos. Zack baixou a cabeça e ficou em silêncio. -Você pegou pesado, Scott.
-Ele não ia calar a boca se eu pedisse com educação.
Os três ficaram em silêncio enquanto jantavam. Heather, Tristan e Nathan estavam na mesa ao lado, observando a situação. Enquanto isso, Max, Luci e Rory estavam no lado de fora, treinando.
-Tá bom. -Zack murmurou.
Há algum tempo, Zack esteve se aproximando mais de Scott, percebendo seu lado bondoso, principalmente quando souberam sobre a briga de Anne e Erine.
Hector também estava pensando em muitas coisas recentemente, mas a situação de Zack com relação à sua quedinha por Luci estava saindo do controle. O garoto tinha crises de ciúmes, discussões, pequenos surtos e às vezes até sumia para se esconder e observar ela.
Hector já havia o avisado sobre isso, tal como Scott. Os outros estavam percebendo um comportamento estranho em Zack, mas ninguém comentou.
-Ah, cara, o quê vai ser da gente? -Nathan falou alto. -Desde o ataque da professora maluca, parece que a qualquer momento algum psicopata vai aparecer do nada pra matar a gente.
-É. -Tristan concordou. -Desde que eu encontrei Vrazael pela primeira vez, parece que todos os dias algum maníaco novo vem aparecendo.
-Eu acho que a gente nunca vai ter uma vida normal. -Heather comentou. -De vez em quando eu quero só esquecer tudo, mas tenho medo de fazer isso e ser caçada por aqueles caras.
-Aquela invasão nojenta no Campo Mera... -Scott murmurou. -Filhos da puta, perseguiram a gente até onde a gente queria paz.
-E no final o Lâmina Dourada apareceu pra salvar a gente. -Hector disse. -Muita sorte.
-Muita sorte. -Scott concordou.
-Mas foi estranho. -Zack disse em voz baixa. -Ele aparece logo onde ia acontecer a desgraça. Maximum Overload também...
-Você acha que alguém mandou eles sabendo que ia acontecer? -Hector questionou.
-Não sei...
-É idiotice pensar nisso. -Scott falou. -Mas é estranho, mesmo assim.
-É. -Heather disse. -O Paul vive falando sobre aquelas merdas de Destino e tal.
-O Destino de Astaroth. -Zack falou. -As coisas estão conectadas porquê o quê as levou a acontecer tem uma mesma causa.
-O quê? -Tristan arregalou os olhos. -Dá pra falar nossa língua?
-O quê quer que tenha causado todas estas situações hoje está conectado à todos nós.
-Ou seja... -Heather esperou a conclusão.
-Eu não sei.
-O Grande Vazamento. -Hector disse. -Acho que é a única coisa que liga tudo isso.
-Como? -Zack perguntou. -Aconteceu há muito tempo. Mas também... Aureus...
-É. -Hector balançou a cabeça. -Aureus.
-O quê? -Tristan ergueu a sobrancelha.
Zack lembrou que Aureus era um segredo mantido a sete chaves por eles.
-Veja bem, -Zack pensou bem no quê diria, pois temia ser reprimido por Scott outra vez. -A Gyazom apareceu na nossa vida naquela mesma semana que o Aureus ressurgiu. Foi naquela semana que a gente encontrou a Olívia, a Erika, o Niccolo...
-Se pensar direito, todas as coisas se conectam. -Hector falou. -Se a gente achar alguma coisa que lembre do Grande Vazamento, achamos a Gyazom, e achamos a razão por qual isso tudo tá acontecendo.
-E como a gente faz isso? -Tristan perguntou. -Ser levado pela Gyazom é uma idiotice, não tem garantia nenhuma de quê quem vá vai voltar. Então...
-Nosferatu! -Scott exclamou.
-Isso! -Zack bateu na mesa. -Ele pode saber onde tudo isso começou!
-Só precisamos falar com a Starla. -Scott falou.
-Quando? -Zack questionou.
-Sábado. -Hector respondeu. -Precisamos ir o quanto antes.
-E por que não amanhã, então? -Zack olhou para ele.
-A professora Starla precisa primeiro saber que a gente vai lá. Aí a gente explica tudo.
-Isso. -Zack respondeu. -Vamos tentar levar alguém com a gente, tipo o Paul ou a Erine.
-Tá ótimo. -Hector disse. -Nós três, a Erine e talvez mais alguém.
-Fechado. -Zack disse.
-Contanto que ninguém me perturbe, eu vou.
-Certo. Sábado de manhã.
-Ela vai ficar puta da cara por receber alunos num sábado de manhã em casa. -Scott disse.
-Qualquer um ficaria. -Heather riu.
-Bem, se preparem para a fofoca de sábado. -Hector riu.
O grupo continuou comendo, e se preparando.
Mas enquanto isso, Starla se sentava à mesa da classe da manhã, lecionando sua matéria. Mas ali dentro, nas memórias daquela pobre mulher, lembranças aterrorizantes ardiam. Lembranças dolorosas e medonhas.
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O ano era 2000, e Starla estava escondida dentro de uma loja de conveniências. As pessoas buscavam abrigo ali, pois a chuva havia começado.
No momento em que a água começou a cair do céu, Starla começou a chorar. Seu estômago embrulhou, sua garganta se fechou em um nó. Um medo inesquecível ardia dentro dela. Grávida de 8 meses, sua criança estava pronta para nascer.
Os gritos das pessoas ali eram ensurdecedores. Alguns se sacrificaram, dando espaço aos mais assustados para que se escondessem naquela loja.
Após isto, procuraram abrigo, alguns correram pela rua, alguns entraram em prédios, pularam muros, ou apenas tentaram lutar em vão.
"FIQUEM LONGE DA CHUVA!" Todos diziam. Starla demorou para descobrir o porquê daquilo.
-Ei, senhora, quer água? -Um velho senhor se ajoelhou ao seu lado. -Não se preocupe, ela está limpa.
Ele deu a ela uma garrafa d'água. A garrafa era pequena, e estava cheia pela metade.
-Isso é seu...
-Tudo bem. Eu sou velho, já vivi o suficiente. Essa criancinha aqui precisa disso mais do quê eu. -O senhor sorriu.
Foi um sinal de segurança que Starla encontrou naquele dia. O pânico, os gritos, as mortes, o barulho da chuva. O barulho que a traumatizou para o resto de sua vida.
-Obrigada. -Ela chorou. -Muito obrigada. Eu nunca vou esquecer disso. E...
-SE ESCONDAM! -Um jovem homem gritou de dentro da loja.
Um pânico imenso se espalhou entre aquelas pessoas. As janelas da loja estavam com barricadas de madeira, postas pelo lado de dentro. Era difícil ver o quê estava acontecendo lá fora. Aquele jovem estava observando através da porta de vidro.
-O quê? -Uma moça gritou em meio à multidão.
-Escondam quem puder nos fundos da loja, rápido!
-Como assim? -Um homem gritou. -Não podemos esconder todos. Só podemos esconder alguns.
-Então escondam as mulheres e os mais jovens! -O velho senhor gritou. -Não podemos salvar todos!
-Não! -Um homem gritou. -Não quero morrer!
-Não? -O velho senhor olhou para ele. -Então fique na frente e cuide das jovens e dessa moça grávida!
-O quê? -Starla arregalou os olhos. -Como assim?
-Eu vou ir despistar ele. -O velho se levantou. -Todos vocês, fiquem longe da porta. Não saiam enquanto estiver chovendo. Vivam uma boa vida.
-Não! -Starla protestou.
-Deixe ele! -O homem amedrontado gritou. -Alguém precisa fazer isso.
-Mas...
-Mas nada, mocinha. -O velho sorriu. -Saia daqui quando tudo estiver limpo. Adeus.
O velho correu pela porta da loja, e disparou pela rua chuvosa. Starla ouviu seus gritos de guerra distantes. Ele não sobreviveria.
-Que horror... -Starla murmurou.
Uma dor imensa fez seu corpo arder. Ela se curvou e se sentou no chão.
-Fiquem aí quietinhos... -O jovem na porta observava com cautela.
-Aquele senhor vai se matar... -Outra mulher disse próxima a Starla. -Pode até trazer aquela coisa para nossa direção!
-ELE SE SACRIFICOU, SUA IDIOTA! -O homem amedrontado berrou. -FECHA A PORRA DA BOCA!
-Ei, parem! -Outro homem gritou. -Fiquem quietos, não chamem a atenção!
-Silêncio! -O jovem na porta falou. Ele arregalou os olhos e se agachou, cobrindo a boca e o nariz com as mãos. Ele ficou estático olhando para fora. -Estou vendo ele... Ele... Ele está vindo!
As pessoas começaram a tremer e a chorar. Starla colocou as mãos na cabeça e chorou. Os eventos daqueles dias a fariam passar os próximos dez anos de sua vida fazendo terapia.
-O quê vai acontecer? -Ela perguntou. -Não tem como a gente escapar...
O jovem olhou para ela.
-Não... -Ele soluçou. -Se ele vir para cá...
-Vamos morrer...
O jovem olhou novamente.
-Ele está indo na direção que o velho foi. Eu acho que consigo atrair ele para mais longe se eu for... Fiquem aqui. O Aureus vai chegar logo.
Aureus. Um símbolo da esperança, que jamais chegaria ali. Starla sabia que ele não chegaria a tempo.
-Socorro... -Starla sussurrou. -Mãe... Deus... Aureus... Alguém...
-Eu vou ir. -O jovem olhou para todos, com um olhar sofrido. Todos sofriam com ele quando ele olhou. Mas ninguém ousou tomar a coragem para ir em seu lugar.
O rapaz abriu a porta e correu o mais rápido possível. Starla percebeu que o rapaz era capaz de correr MUITO rápido. Um poder incrível, que teve um fim trágico.
Starla ouviu o rugido de dor do rapaz enquanto o mesmo corria. Ela olhou para as janelas. Um pequeno espaço ali entre as tábuas a permitiu ver a rua lá fora. E ela o viu. Era grande, enorme. E caminhava rápido, muito rápido.
O pobre garoto não sobreviveria àquela última corrida. Ele, aquele senhor, assim como diversas outras pessoas naqueles dias morreram da mesma forma, cruel e dolorida. Todos eles foram vítimas de Abadom.