O ano é 2024, o mundo está repleto de tecnologia para todos os lados, assim como previram anos atrás a tecnologia faz o dia a dia da humanidade em todos os aspectos, mas vários fenômenos inesperados começaram a acontecer. Dentre eles, pessoas tendo uma espécie de alucinação coletiva.
As vítimas do ocorrido descreveram as alucinações como um mundo alternativo onde existem criaturas que, de algum modo, sabem do passado e do presente das pessoas e usam dessa sabedoria para torturas psicológicas, criando alucinações dentro desse mundo que passou a ser chamado de "Delirium Trigger".
Segundo relatos de pacientes, o nome foi dado originalmente pelos seres desse outro mundo, que também disseram que o estado em que os pacientes se encontravam seria o de "Delirium Trigger". Além disso, relataram que toda vez que são levados a esse mundo sentem uma grande exaustão mental, e não conseguem descansar direito.
Desde os testemunhos os cientistas ficaram divididos e começaram a elaborar teorias e hipóteses desse "novo mundo". Alguns acreditam que não são alucinações normais ou demência.
— Eu? Sou Sarou Ryotaro, tenho 16 anos, por que a pergunta senhora? - Ele dizia a uma cliente que estava atendendo em seu trabalho na Biblioteca Nanaco, onde ficava das duas às seis da tarde.
Sarou vestia uma blusa preta com estampa de retalhos estilo "V" e dois botões, uma calça jeans, cabelo marrom claro com franja cobrindo parcialmente o olho esquerdo, e em cima bagunçado. Seus olhos são castanho escuro e seus sapatos simples.
— Então é você mesmo…pelo menos virou alguém que parece decente e está trabalhando em um serviço normal. Pelo seu esforço vou fingir que não te conheço. - Ela dizia isso pois os pais de Sarou tem uma dívida com a Yakuza, então seus vizinhos sempre tiveram preconceito com ele desde pequeno.
— Muito obrigado pela consideração, boas compras e tenha um bom dia. - Dizia Sarou enquanto tentava forçar um sorriso evitando ficar depressivo por ver alguém da vizinhança, o que não era uma coisa comum, pois sempre procurava trabalhos de meio período longe para que não acontecessem situações como essa.
Depois que a senhora foi embora ele aproveitou que a biblioteca estava parada para organizar livros, e os classificar no sistema do computador que ele usava para trabalhar. Embora os livros estejam organizados a biblioteca não é pequena, tem o térreo, onde ficam geralmente as obras nacionais e mais vendidas, e o primeiro andar, onde ficam obras estrangeiras e menos pedidas.
Logo após o seu expediente, ele descansa por uma hora e vai trabalhar na loja de conveniência Harada, onde atende os clientes e, às vezes, repõe o estoque, mas quase sempre fica por conta do gerente. Normalmente a loja não recebe tantos clientes, apesar de ser o tipo de loja que fica 24 horas aberta, e, por conta disso, ele fica entediado por só ficar ali atrás do balcão esperando o próximo cliente. Sarou fica na loja de conveniências até chegar ao fim de seu turno, que é em torno de 1h da madrugada, e então volta para casa.
— Boa noite, mãe! Já estou em casa! Está aí? Quer que eu faça a janta?
A casa deles era antiga, de madeira e já desgastada com o tempo, era possível ver pelo lado de fora partes de tábuas quebradas, com fungos e mofo. Partes da telha faltavam e havia pequenos pedaços faltando nas poucas janelas. Por dentro havia uma cozinha, um banheiro e somente dois quartos, o tatame do chão era desgastado, desfiado e manchado. Os móveis doados e em estado aceitável, o banheiro era simples, mas preservado.
— Não precisa filho, ainda tem o suficiente para nós dois, mas amanhã você vai ter que fazer assim que chegar.
— Tudo bem, pode deixar comigo, e aproveite para descansar que eu lavo a louça, tudo bem?
— Sim, agora tome um banho enquanto termino aqui.
— Tudo bem, vou indo então.
Sarou é filho de Hiromi Ryotaro, de trinta e sete anos. Ela é ruiva e tem cabelos curtos, que chegam até seus ombros. Tem belos olhos azuis e parece ser mais jovem por conta de sua beleza e estilo. De dia, ela trabalha com limpeza doméstica em lugares diferentes por conta própria. Ela oferece seus serviços a pessoas desconhecidas que não sabem sobre suas dívidas com a Yakuza. De noite, ela trabalha como cortesã em um bar, apesar de Sarou ser contra e já ter tentado diversas vezes fazer ela parar, mas independentemente do que ela faz, ele a ama.
As dívidas separaram seus pais de seus avós de ambas as partes, os abandonando à própria sorte. Depois disso eles montaram uma casa na rua e moram lá desde então enquanto tentam quitar a dívida, frequentemente, na casa onde Sarou e sua mãe moram aparece a cobradora da Yakuza japonesa, Miyaki Hirano, que aparentemente faz o possível para que a dívida vire uma bola de neve, e que eles nunca consigam quitar ela.
"Seria Miyaki a responsável pelo comportamento totalmente estranho da minha mãe?" Pensava Sarou enquanto saía do banho
— Então, como foi seu trabalho mãe?
—Bem… O mesmo de sempre, chefes chatas, estresse… ainda bem que apesar de tudo ainda posso passar um tempo assim com você… bem, vamos jantar?
Sarou e sua mãe jantam, e depois ela vai para o trabalho, e como era folga de Sarou ele lava a louça e dorme.
No dia seguinte, por ter descansado bem, Sarou acorda cedo e disposto, chegando cedo na escola.
— Bom dia, Misaki! Tudo bem? - Assim que chega na escola vê de longe Misaki e a chama indo para perto dela.
— Ah, sim… Bom dia.
Misaki era loira e parecia ser estrangeira, embora Sarou lembra de ter a conhecido na infância, desde então acredita que a família dela mora aqui há algumas gerações. Ela tem olhos castanhos claros, cabelos longos, a pele levemente bronzeada, tem cerca de 1,63 de altura. Parecia mais magra que o normal. Sempre parecia um pouco desanimada, embora essa possa não ser a palavra certa, talvez desinteressada se encaixe melhor.
— Você nunca muda mesmo, parece até que está mais avoada que o normal.
— Ah, nada demais… A escola só parece ser o mesmo de sempre, todo dia… uma hora cansa um pouco, sabe?
— Admito que realmente, tem dias que parece que isso tudo é repetitivo demais, mas isso nem se compara a trabalhar, é ainda pior pois é só o mesmo serviço, pelo menos aprendemos diversas matérias.
— Eu sei… Sinceramente eu só queria que acabasse logo…
— A escola?
—Sim, a escola…
— Então, Misaki.. Sei que não é o momento certo, mas… Você quer sair no final de semana? Queria tentar fazer algo diferente, sabe… - Ele diz com a voz trêmula.
— Desculpe, mas já tenho um compromisso para esse final de semana, mas quem sabe um próximo dia…
— Talvez eu saia com minha mãe então, faz muito tempo que não fazemos algo juntos, e como ela mal para em casa a não ser para dormir quero fazer ela se divertir ao menos um pouco.
— Entendo… Se divirta no final de semana então…
— Bem, vamos para a sala então?
Ela acena que sim, então ambos entraram pelo portão.
— Bom dia, Sarou e Misaki. Juntos como sempre, a primavera deve estar chegando já… Hihihi. Que inveja de vocês…
Era Aya, professora de educação física, costumava ser bem-humorada e fazer piadas com os alunos.
— Bom dia, professora Aya!
Sarou respondeu enquanto Misaki passou direto como se ignorasse a provocação.
— Sem reação… Que triste, mesmo passando tanto tempo juntos nada aconteceu ainda…
— Professora, eu e Misaki somos amigos há muito tempo, para de graça!
Aya discretamente mostrava a língua, como se dissesse "deixa eu me divertir um pouco".
— Você às vezes consegue mesmo ser infantil, professora…
— Subam logo vocês dois, a aula logo já vai começar.
Sarou e Misaki então entraram pela porta, a sala deles era a 1-3, uma sala até que comum, fora que com certa frequência no intervalo entre as aulas, algumas vezes era possível ouvir algo como "será que aquele boato era verdade?". Como a maioria da sala era composta por meninas, era comum falarem sobre fofocas e boatos que se espalhavam pela escola. Isso incluía boatos sobre a dívida de Sarou, às vezes se perguntavam se ele tinha ligação direta ou não com a Yakuza.
Chegando Sábado de manhã, Sarou chamou sua mãe Hiromi para ir a algum lugar. Eles não se encontravam muito porque ambos trabalhavam, mas em raras ocasiões tentam sair um pouco para relaxar, mesmo que não dê para gastar muito. Tóquio é cheio de lugares que dá para ir sem muito dinheiro, então às vezes eles saíam juntos, mesmo que fosse para ver lojas e imaginar como decorariam a casa, caso tivessem uma boa. Sarou tentava fazer ela esquecer do seu cotidiano, mesmo que fosse por pouco tempo.
— Bom dia, mãe, eu queria sair um pouco, que tal irmos em algum lugar?
— Bom dia, Sarou, acordou cedo hoje… Tudo bem, eu queria comer alguma coisa decente hoje mesmo… – Hiromi disse bocejando entre as pausas que fazia, pois tinha acordado há pouco.
Eles foram então em direção ao centro de Tóquio. Nessas poucas saídas ela sorria, brincava, e parecia sempre estar se divertindo. Mas, no fundo, Sarou sentia que ela só estava fazendo tudo aquilo para que ele não se sentisse tão mal. Ele sempre está fazendo seu melhor para fazê-la sorrir, mas toda vez que a vê sorrindo sente como se ainda não fosse o suficiente
— Olha, uma loja de perfumes! Faz tempo que não tenho um…
— Não se preocupe, assim que sairmos dessa compro quantos você quiser, mãe. – Sarou dizia com um olhar triste, de culpa.
— Não se preocupe, bobo, tudo bem… Um só já é o suficiente.
— Se você diz… Tudo bem, mas se quiser qualquer um vou comprar se eu conseguir.
— Muito obrigado mesmo, Sarou, você me dá uma luz no fim do túnel. – Hiromi falava, enquanto sorria de uma forma que fez com que Sarou se animasse.
Às vezes Sarou pensa que nada do que faz é o suficiente, e isso realmente o desanima, pois ele só queria fazer com que esse sorriso fosse totalmente sincero, porém nem isso é capaz de fazer, ou, pelo menos, ele pensa assim. Pensa também que não foi capaz de parar seu pai antes, e agora terá que ver sua mãe sofrer por conta de "sua fraqueza".
Ele sabe que crianças não podem fazer muita coisa, mas, mesmo assim, se sente culpado por tudo ter chegado a este ponto, mesmo que ele não entendesse muito bem o que estava acontecendo naquela época. Ainda se sente culpado pela possibilidade de que pudesse ter feito algo e impedido pelo menos que tudo chegasse aos dias de hoje.
Enquanto andavam pelas ruas e lojas se divertindo, Sarou se perguntava se um dia poderia sair e se divertir assim com Hiromi mais vezes aos fins de semana. Mas, mesmo que ele não consiga, quer que, pelo menos uma vez, uma única vez, consiga ver um sorriso sincero da parte dela. Enquanto pensava nisso, uma lágrima escorreu pelo seu rosto, e quando Hiromi percebeu, a expressão dela mudou completamente. Preocupada, ela o abraçou e sussurrou:
— Sei que é difícil, mas aguenta firme. Me desculpe por tudo o que eu fiz e estou fazendo você passar, me desculpe de verdade, mas eu estou fazendo o máximo que posso para mudar isso…
Sarou percebendo a quão séria ela estava, também a abraça e fala calmamente:
— Tudo bem, mãe. Na verdade, eu também tenho culpa disso, eu podia ter feito algo para ajudar, mas eu sou um inútil e não consegui fazer nada por vocês e deixei que tudo ficasse como está.
Antes que ele terminasse de falar, ela coloca a mão em sua boca e o responde:
— Desculpe por te fazer se sentir culpado, mas você era uma criança. Aprecio seu pensamento, mas eu te peço por favor, que não se culpe, pois foi minha culpa e do seu pai. Mesmo que você pudesse ter feito algo, não sei se teria mudado alguma coisa, pois seu pai parou de me escutar depois de um tempo, e eu não consegui impedir ele. Eu que podia realmente ter feito algo, mas não consegui. Agora o passado é passado, só precisamos dar um jeito de acabar com isso de uma vez por todas, não quero te trazer mais problemas, e você tem que pensar na sua faculdade. Sei que é difícil, mas esqueça isso por hora, hoje é um dos poucos dias que podemos nos divertir juntos, então vamos esquecer o resto. Só saiba que eu jamais o culpei por isso, e jamais o culparia.
Sarou apenas confirmou com a cabeça enquanto a abraçava, e percebeu que as pessoas em sua volta começaram a olhar para eles. Como ela parecia bem nova, talvez eles estivessem pensando algo errado, então Sarou se afastou de perto dela depois de ver que estavam chamando atenção.
— Vamos para aquela loja ali!
Ela apontava para uma loja de informática com o nome "Isosoft" que tinha muitos computadores. Enquanto ela olhava os aparelhos, sua expressão se tornou triste.
— Sabe, – Dizia com a voz baixa – eu sempre quis ter um computador, desde minha época do colégio, mas nunca consegui ter praticamente nada, e também nunca consegui dar quase nada para você, Sarou… – Lamentou – Eu prometo que assim que tudo isso mudar, vamos ir para um lugar decente e comprar o que você quiser para poder se divertir pelo menos um pouco nessa vida.
Vendo que ela estava prestes a começar a chorar, Sarou tentou animá-la.
— Não se preocupe, às vezes usamos computador na escola, ou posso usar algum em um café ou biblioteca enquanto nossa situação não melhorar. Eu vou ficar bem, então se anime também… Fora que quando falei dos perfumes você disse o que mesmo? Então vamos deixar isso de lado um pouco. O importante é que estamos juntos e mesmo na condição que estamos, em dias como esses era para estarmos nos divertindo, não?
O atendente vendo a situação dos dois, ficou meio apreensivo em os atender, mas, mesmo assim, foi em suas direções.
— B-bem, posso ajudá-los com algo? Sou funcionário dessa loja, e se estiverem procurando algo específico posso lhes acompanhar e tentar ajudá-los a escolher o melhor custo-benefício para vocês.
O atendente, com preocupação, vendo que Hiromi estava distraída, chamou Sarou de canto, que confuso foi ver o que ele tinha a dizer.
— E-ei, não faça sua namorada chorar aqui na frente da loja, está afastando os outros clientes!
Enquanto Sarou ouvia ele falar, estranhou quando o atendente citou a palavra "namorada".
— Acho que entendeu errado. Ela é minha mãe, mas bem, não vão brigar com você ou algo deste tipo por falar comigo assim?
— Sua mãe?!
Ele fala um pouco alto, assustando algumas pessoas que estavam ao redor, e rapidamente se afasta para não reclamarem com ele. Sarou não entendendo direito o que tinha acabado de acontecer, apenas volta para perto de sua mãe que parecia observar as demonstrações de realidade virtual que estava passando em um dos monitores da loja, e que mostrava um jogo que pareciam produzir.
— Não me surpreende eles conseguirem fazer isso nos dias de hoje, deve ser interessante jogar um jogo assim de realidade virtual, mas nem me invente de comprar um jogo de terror, hein?! – Ela por alguma razão belisca a bochecha de Sarou, enquanto finge fazer cara de brava.
Sarou olhou para o relógio do computador que estava exibindo a demonstração percebendo que já eram quatro da tarde, então puxou Hiromi e saiu daquela loja, pegando alguns trocados que ele tinha e comprando Takoyaki para os dois. Ela parecia preocupada, mas deu um sorriso tímido e falou:
— Bem, já que hoje é dia de nos divertir, tudo bem, acho que não faz mal comer um pouco de Takoyaki, já faz tempo que não comia um mesmo…
Hiromi sorria enquanto comia o Takoyaki. Sarou, ao ver um sorriso da sua mãe como nunca havia visto, fica surpreso e emocionado.
— Ei senhor, me vê mais alguns Takoyakis, por favor!
— Tem certeza, Sarou?!
Hiromi pergunta assustada.
— Não se preocupe, hoje é por minha conta já que andei fazendo algumas horas extras. Nada para mim vale mais que te ver feliz, então desde que dê para fazer nossas compras depois e pagar… bem, você entendeu!
— Obrigada, Sarou…
Os dois vão em direção ao metrô, sem notar que estavam sendo seguidos.
— Sim, estou aqui faz algum tempo, devo prosseguir com a perseguição? Não me notaram ainda. - O perseguidor falava em voz baixa em um celular enquanto andava metros, afastado dos dois.
— Entendido, então recuarei e deixar o resto com Miyaki, mas você tem certeza disso?
— Certo, não questionarei mais, desculpe… Não é a intenção de um tolo como eu desobedecer a ordem de vocês, mas… Deixa… - Então após desligar o telefone o perseguidor some entre a multidão.
Assim que chegou em casa, Sarou deitou em sua cama, pensativo sobre como seria ter um computador em casa, um espaço maior ou até mesmo ter mais tempo para passar com sua mãe hoje, ou com algum amigo. Basicamente ele imagina como seria sua vida se não fosse a dívida de seu pai.
"Será que eu conseguiria ter mais amigos? Que as garotas da minha sala não falariam coisas nas minhas costas sobre minha condição? Será que o ambiente da escola seria mais amigável para mim e as pessoas deixariam de passar por mim fingindo que eu não existo? Quantos mais por ai passam por coisas assim? Eu imagino que elas pensem como seria se a vida delas fosse diferente também…"
Enquanto pensa em todas essas coisas, seus olhos vão ficando pesados, e mesmo sem jantar e sem se cobrir ele pega no sono. Quando sua mãe percebe, em vez de o acordar para a janta apenas coloca a coberta sob ele e vai trabalhar.
— Boa noite meu filho, descanse bem… Desculpe te fazer se esforçar tanto por mim…
No dia seguinte Sarou acorda percebendo que já havia amanhecido e já tinha passado do horário para ir para a escola, levanta com pressa e se arruma, mas quando se depara com o calendário na parede se lembra que é um domingo, então ele não iria para a escola.
— Ah! Essa rotina toda me confunde as vezes, eu jurava que hoje era segunda, vai ver porque ontem o dia parecia muito com um domingo, mas hoje é domingo, então não preciso me preocupar com a escola…
Sem ligar que ele estava falando sozinho nem procurou por sua mãe, sabia que ela estava trabalhando.
— Tenho a manhã toda para mim… Até o horário do serviço, pelo menos… Acho que vou aproveitar o dia para lavar minhas roupas e as da minha mãe já que ela está trabalhando eu vou fazer isso para ela ter algum tempo de descansar.
Conforme ele pega as roupas percebe que algumas tem um cheiro estranho.
— Cigarro? Ela não costuma fumar… Acho que deve ser cheiro de cigarro isso. Lembro que ele fumava… O cheiro não é o mesmo, mas imagino que deve ter vários tipos diferentes de cigarros talvez.
O dia passa com Sarou lavando as roupas e fazendo outros afazeres como limpar a casa, botar as roupas para secar e fazer compras com o pouco dinheiro que ele tinha. Quando anoitece sua mãe chega do trabalho diurno.
— Boa noite filho, você está ai?
— Estou sim, mãe! Pode descansar até seu próximo turno, pois eu fiz a janta, lavei as roupas e limpei a casa, para que você pudesse descansar ao menos algum tempo a mais.
— Obrigado, de verdade Sarou… - Ela dá um fraco, cansado sorriso – Você é o melhor filho que eu podia pedir…
Obriga- A voz de Sarou falha quando percebe que apesar de tentar esconder percebe que sua mãe estava chorando.
— Aconteceu alguma coisa? Espero que você esteja bem, eu sei bem como é difícil mal ter tempo, mas somos só nós aqui, então como você sempre fez de tudo por mim mesmo nessa situação… Eu também tenho que fazer de tudo por você, não é? - Enquanto dizia ele a abraça. - Eu ainda vou dar um jeito em acabar com tudo isso… Eu sei que não posso prometer, mas quero que você tenha uma vida que não seja só trabalhar… Eu te amo mãe, nunca se esqueça disso.
— Eu não esqueci… nunca esqueci… e não vou esquecer…. - Ela dizia enquanto tentava parar de chorar.
— Bem, vamos jantar ok?
— Desculpe, me deixei levar um pouco, mas agora já estou bem!
Os dois então jantam juntos e depois ela se arruma para ir pro trabalho, um dos poucos e raros dias que ela sai da casa para trabalhar com um sorriso no rosto. Feliz com isso, Sarou sente que por mais que seja uma vida dura de viver, é uma vida que vale a pena ser vivida para ver momentos como esse, que apesar de simples, eram momentos especiais.
- Bom dia Misaki! - Era segunda feira e Sarou havia acordado animado após os acontecimentos de ontem.
— Você está mais animado que o normal hoje… Algo bom deve ter acontecido… Queria que acontecesse algo no meu final de semana também… Nada acontece, nada muda…. Sempre da escola para casa e de casa para a escola…
— Você também nunca muda, já não é a primeira vez que abordamos isso, sei que é entediante, mas… Deixa, já falei isso antes…. Da próxima vez eu vou ignorar se você falar sobre isso novamente!
— Mais um para me ignorar! Como se eu ligasse… Faça como bem entender… Dizia ela fingindo estar animada.
— Ei, o que eu disse não precisava levar tão a sério, foi brincando, pois você sempre começa com esses assuntos.
— Claro que o que eu falo não é interessante, se é o que quis dizer, assim como dificilmente alguma coisa que eu faça costuma ser…
— Viu? Foi isso que eu quis dizer! Você…. Você… Ah! Nem sei como dizer, apenas pare de falar as coisas assim!
— Eu simplesmente tenho preguiça de ser otimista em um lugar onde sua vida se resume a trabalhar e viver pelo trabalho sem ter tempo de fazer o que gosta…
— Eu admito que não posso fazer muita coisa que eu queira, mas… Se todos apenas fizessem o que quisessem quem produziria a comida? Quem faria a luz, internet, tratamento de água e lixo funcionar, temos que trabalhar em conjunto para que todos possam ter comida, saúde e tecnologia e ainda sim continuar avançando…
— Mesmo? Sério? Você me dizendo uma coisa dessas não faz sentido, pois você trabalha em dois empregos e ainda estuda, e onde está o ganho de tudo isso? Perdido em dívidas… Tudo bem que não são suas, mas ainda são dívidas, se você não tivesse dívidas e pudesse ter uma boa vida duvido que trabalharia… - Então enquanto falava se passa na mente dela todos os momentos entediantes que passava ficando em casa só.
— Você tem uma visão distorcida das coisas, um dia se você fizer o que gosta todos os dias, uma hora vai se tornar enjoativo. Então nesse momento você fica assim, entediada, com tudo parecendo o mesmo…
— É verdade… Vou dar o crédito para você apenas dessa vez porque parece fazer sentido.
O sinal toca, então sem nenhum dos dois falar mais nada ambos vão para a sala. Após as aulas acabarem Sarou vai para a biblioteca trabalhar, onde após algum tempo começa a chover.
— Parece que não teremos muitos clientes na próxima semana, a época da chuva já está para começar. - Enquanto Sarou observava a chuva no balcão, seu chefe aparece atrás dele, colocando a mão em seu ombro.
— Parece que sim… Não imaginei que a chuva afetasse tanto assim os lugares. - Sarou dizia com uma voz levemente preocupada.
— Não se preocupe, é normal um lugar de venda vender menos em dias ou épocas de chuva, afinal ninguém quer sair de casa em um tempo como esse.
— Entendo, mas e o lucro, não é afetado?
— Na verdade, várias coisas afetam o lucro como dias de semana costumam vender menos, fins de semana e feriados costumam vender mais, por isso geralmente a maioria dos lugares querem que as pessoas tenham disponibilidade para trabalhar nos finais de semana e feriados, porque são os dias que mais precisam, entende?
— Sim, pode me contar mais sobre esse tipo de coisa? É interessante saber como funciona e porque vocês exigem certas coisas…
— Sim, claro!
Então os dois passam o dia conversando enquanto a chuva cai até se encerrar o período de trabalho, e quando a noite cai ele vai para o outro trabalho, ainda chovia, mais fraco, mas também sem sinal de clientes a primeira vista.
— Mesmo de noite parece que o pessoal tá desanimado para sair e comprar coisas… - Sarou dizia enquanto entrava na loja.
— Sim, nessa época do ano é fácil ficar doente, então as pessoas preferem ficar em casa e pedir comida por aplicativo que vir a lojas, mas ainda sim, há pessoas que preferem ver o que vão comprar e há coisas que você só acha nesse tipo de lugar.
— Como o refrigerante Dr. P.? - Dizia Sarou carregando uma caixa de Dr. P para a geladeira para estocar.
— Sim, como Dr. P. como exemplo, bebidas estrangeiras e menos populares geralmente não tem tanta prioridade em aplicativos de comidas, então pessoas que gostam de coisas mais diferentes não tem muita escolha se não vir em lojas 24 horas comprar. Há vários tipos de pessoas que vem aqui, as pessoas que trabalham a noite, as que vem para comprar doces e refrigerantes para assistir filmes, jogar… Enfim, aqui é um mundo para quem não pede por aplicativo. - Diz o gerente com uma postura e tom de orgulhoso.
— Entendo, então simplificando… Apenas pessoas que trabalham a noite ou quem não tem o que fazer, mas quer ficar acordado de noite jogando ou fazendo outras coisas vem aqui… - Diz Sarou esmagando as expectativas do gerente.
— Sim… Esses são nossos clientes… - Diz ele agora parecendo desanimado.
— Não se sinta mal! Pelo menos aqui não é um maid café cheio de nerds e otakus que colocam suas fantasias para fora em pobres garotas, esperando que elas sejam como nos animes.
— Não difame…. Aham! Não fale assim deles! Todos tem seus sonhos, que merecem ser vividos! O sonho deles é simplesmente se sentir como se o 2D fosse… - O gerente se interrompe, percebendo que havia entregado que era um otaku.
— Desculpe, eu não quis ofender, olha… Animes são legais, mas… Estamos na realidade…
— NÃOO!!!! Não estrague meus sonhos assim! Tudo o que eu queria era uma garota linda e que gostasse de mim mesmo eu sendo assim…
— Bem… Fora isso… Você é alto, bonito, parece ter estilo… Pode conseguir uma boa garota! Dizem que a maioria das mulheres assiste mais animes e jogam mais que homens, só precisa não esperar que ela seja uma personagem dos animes que você assiste e se sairá bem!
Então a noite se passa com os dois conversando sobre mulheres e coisas de homens.
Terça-feira enquanto saía da escola para ir ao trabalho nota que abriu uma loja cheia de máquinas de jogos arcade e que havia muitas pessoas por lá, como dificilmente tinha a oportunidade de passar por um lugar desses decide entrar para ver como era, enquanto ainda tinha tempo antes de trabalhar. Ao entrar era como um parque de diversões de jogos, mas barulhento e cheio de pessoas que pareciam animadas e despreocupadas, conforme anda pelas máquinas ouve conversas entre elas.
— Ei, você viu que aqui eles tem o arcade do Face/No Order? Onde você se rebela contra…
— Ah! Tantos gacha hell por aqui! Se fosse para jogar gacha eu jogaria um onde pelo menos eu ganhasse algo real gastando meu dinheiro, não waifus 2D!
— O que disse? Retire o que disse sobre as waifus 2D! As 3D nunca vão querer gente como a gente! Elas são nossa esperança, nosso amor, nossa luz na escuridão!
— Ei, você viu aquele anime sobre Shogi? Queria que mais pessoas se dedicassem a ele e não a um lugar como esse? Olhe isso! Não está certo…
— Ó Santa Madoka, me dê sorte para conseguir um SSR nesse jogo, eu já gastei tanto, porque falhaste comigo? Deusa das 2D, dê sua benção a esse tolo para que consiga sua waifu, eu prometo não tratar ela como uma waifu genérica de temporada… - Sarou estranha esse estar ajoelhado parecendo rezar a algo.
Então antes de perder a noção de tempo ali, Sarou sai e vai para seu trabalho pensando "Será que eu seria assim também se começasse a jogar jogos?"
— Não, não é possível que todos se tornem como ele que gastam tudo em jogos e ignoram até mesmo a própria família… Eu não posso generalizar e pensar que todos são como ele, quero acreditar que há pessoas que cuidem de suas famílias em vez de gastar tudo em jogos. - Sem notar que estava falando em voz alta ele continua andando.
"Mas e se eles não tiverem famílias e já estiverem morando sozinhos?"
"Mesmo assim… E se algum membro da família estiver precisando de ajuda?"
"E se não estiver precisando e eles estão apenas se divertindo? Eu também queria me divertir e esquecer nem que seja por poucos minutos de… Tudo isso… Mas minha mãe precisa de mim."
Chegando no trabalho, pensativo, Sarou estava se atrapalhando pelos seus pensamentos estarem focados em outras coisas que não fosse o serviço.
— Ei Sarou, está tudo bem? Você não costuma ser desastrado assim, se não estiver se sentindo bem me avise por favor. - O gerente havia visto que ele havia derrubado alguns livros que estava carregando depois de tropeçar.
— Não, sem problema gerente! Eu… Apenas estava pensando demais, desculpe, focarei mais no serviço!
— Tudo bem, mas se não estiver se sentindo bem me avise, sério… Você é um bom garoto e esforçado, não quero que aconteça algo a você.
— Muito obrigado pela generosidade gerente, agora… Vou terminar de arrumar essa bagunça, me desculpe mesmo!
— Bem, vou voltar ao atendimento, se acontecer algo me chame. - O gerente se dirige ao balcão e Sarou observa que uma pessoa bem familiar entrava na biblioteca, era Miyaki, ela vai diretamente até ele, falando:
— Ei, pode me ajudar a achar um livro ali? - Ela aponta para o fundo da loja, mas Sarou sabia que ela queria era outra coisa.
— Sim, claro! Vamos! - Ele dizia tentando forçar um sorriso e a levava até o fundo da loja.
— Vocês não vão atrasar o pagamento novamente, não é? Espero que não, pois meu chefe não vai tolerar que vocês paguem menos novamente esse mês, vão pagar o preço combinado, espero que tenha entendido…
— Você acha que poderia estar mesmo me ameaçando aqui? Tem câmeras de segurança aqui por todo lugar, alguém como você nem devia entrar aqui, o combinado era que só conversaríamos sobre isso na minha casa…
— E você acha que pode falar assim comigo? Não ache que porque é todo esforçado e bonitinho que pode ser arrogante desse jeito, nem todas gostam de um cara arrogante, sabia? Misaki o nome dela, não é? Digo… A loira estrangeira, espero que ela esteja bem… - Enquanto ela falava, Sarou colocava uma expressão de ódio em seu rosto.
— Você… Não se atreva a sonhar a meter ela nisso…
— Você podia mesmo mostrar essa expressão feia em frente a câmera? Ele vai notar que está sendo rude com sua cliente… Não ache que tudo vai sair como você quer e gastar nosso dinheiro sem que a gente saiba… Nós sabemos.
Sarou nota que ela estava se referindo ao final de semana ao qual saiu com sua mãe.
— Me desculpe, não vai acontecer novamente… - Sarou dizia com as mãos cerradas.
— Ora ora… quem diria que eu poderia ver sua raiva assim… Vamos fingir que eu não vim aqui, tudo bem? Foi ótimo te provocar assim… - Ela dizia segurando as mãos de Sarou fazendo ele abrir as mãos, deixando de cerrá-las.
— Tudo bem, vou tentar fingir que você não veio aqui, se já terminou de brincar comigo me deixe em paz e vá embora por favor. Ele virou o rosto fingindo que não estava mais a vendo.
— Ótimo… Essa expressão desesperadora que eu vim aqui para ver… Até breve, eu sei quando você recebe, eu estarei lá para receber o dinheiro. - Ela diz enquanto solta a mão de Sarou e deixa a loja.
Ele volta a organizar os livros e o gerente vai até ele.
— Ei, quem era aquela mulher linda? Você a conhece? Tente não flertar com as clientes por favor…
— Na verdade eu não a conheço, eu estava mostrando os livros e ela simplesmente pegou na minha mão… Eu imagino se ela me conhece de algum lugar…
— Bem, vou fingir que não vi isso, mas que sorte a sua uma mulher como aquela segurar sua mão…
— Sim, sorte…
O gerente volta ao balcão e Sarou passa o resto da noite pensando sobre o que Miyaki havia falado, se preocupando se ela faria alguma coisa a Misaki ou se ele estaria em problemas.