Uma mosca voa sobre uma planície árida. Ela voa sem rumo, apenas seguindo seus instintos mais profundos, que passam pelo seu pequeno cérebro de inseto. Com seus olhos de quatro mil facetas, que lhe possibilitam enxergar em 360 graus, observa desde o lindo céu azul até as formigas que vagam pelo terreno seco e desértico. Um besouro rola-bosta chama sua atenção, não pelo seu movimento, mas pelo que ele carregava, que parecia muito apetitoso. Em um reflexo tão rápido, um lagarto a engole.
A divina magia, um segundo eterno, um momento infinito, como a primeira vez que se leva uma garota para conhecer um rio. Uma jovem, bela moça, com cachos perfeitos, pele macia, lábios finos... a perfeição da criação divina. A brisa do rio vem sobre as águas, de tão longe mas também tão interna. Os milhares de anos de evolução criaram receptores sensoriais, talvez obra da seleção natural ou talvez algo que a alma criou para entender o mundo ao seu redor, que está intrínseco a uma sensação ancestral, dentro do imenso e pequeno corpo no qual habita, assim se sente a mosca dentro da boca do lagarto; tão quente e macia, indaga a mosca.
"Onde há morte, há vida. Se não existe vida, consequentemente, não haveria morte. Como a morte é eterna, talvez a vida seja eterna, não por fora, mas em seu íntimo," pensa o último neurônio vivo.
O lagarto mastiga a mosca...
Enquanto o réptil degusta, escuta-se um som, uma vibração. Não se sabe o que é, talvez não compreendesse o que fosse, talvez fosse o efeito dos raios solares na atmosfera. Uma sombra vibrante, crescente, crescia e crescia, um som que nunca ouvira, parecia uma árvore caindo, ou um deslizamento de pedra. O lagarto sentiu medo e correu.
No mesmo local onde instantes antes estava o lagarto, após 40 anos da última bomba ser explodida nas planícies do Vale do Iberaí, depois de toda a radiação obliterante não perecer, depois de todas as moléculas orgânicas presentes evaporarem, o contraste dos olhos que observavam o árido deserto no verão de 13 de maio de 1952 via-se uma oportunidade.
A última indagação, a última razão da mente humana, em seu ápice de sapiência, o general Oliver Silva, o presidente vigente na época, teve uma epifania. Para conter a crise de refugiados da região sul de seu país, procurava-se um local bem localizado para construir um refúgio.
— Senhor, por que um local árido? — questionava o segundo coronel da brigada sul.
— Aqui! — exclamou o general. — Aqui é o único lugar que eu posso colocar toda essa gente. Aqui é o meio, o centro, podemos construir um aglomerado imenso nesse deserto. Ao redor tem o rio Iberaí.
— Senhor, mas na área das planícies não cresce nada — indagou o coronel da sétima brigada armada do leste.
— Coronel, não admitimos burrice no nosso exército. Nossa raça é perfeita, diferente dos canibais. Aquela raça se acha superior, mas só presta para comer carne humana, sem falar nos rituais. Por isso, desde já digo: não quero mais murmuração.
O olhar de satisfação do presidente gerava um eco em sua cabeça: "Tudo isso é meu. Tudo isso é meu. Imagina todos os prédios, todos do tamanho do meu poder, do meu poder não, porque meu poder vai até os céus, mas equivalente a uma fração dele."
— O senhor está sonhando, presidente? — perguntou um engenheiro que não ouviu o quão grande e superficial eram os pensamentos de seu líder.
Oliver ficou confuso e não soube responder. Tentou, mas não conseguiu; sua fertilidade mental se esgotou.
O ministro da verdade, vendo a situação, logo toma a vanguarda.
— Meu caro, vivemos em dois universos: o interno e o externo. Nunca questionou o ato de dormir? Pois então, não é meramente um ato de descanso; é o momento em que estamos imersos no universo interno. Graças a ele, compreendemos o externo. Nossa percepção muda...
— Chega! Sem alegorias. — Saiu o general e foi de encontro com o comboio.