A neve cobria as grandes montanhas e suas florestas. Havia uma grandiosa torre entre a montanha mais alta e a única floresta incomum de galhos negros. Aquele tipo de torre tinha um nome. Torre dos magos, assim era chamada. Um lugar onde os Lordes e Reis concedem aos seus Magos reais e nobres.
E de dentro de um cômodo dessa torre, um garoto chamado Cassian, de pele alabastro, cabelo escuro e olhos azuis profundos quanto o abismo do oceano, encarava uma janela acima de sua cama. A nevasca batia contra o vidro e o cobria pouco a pouco.
Ele ficou encarando a janela por mais alguns segundos, com o rosto vazio. Parecia pensar em algo, mas não demonstrava expressão.
Quando os sons de passos começaram a ecoar pelo quarto, Cassian decidiu seguir seus colegas que vestiam as mesmas roupas que ele.
Vestindo roupas simples por baixo de um grande casaco preto de pele de lobo nos ombros e uma calça cinza, Cassian, que não aparentava ter mais de 8 anos de idade, caminhava por corredores de pedra, pouco iluminados por tochas nos cantos das paredes.
Com a multidão ele se misturou àqueles que aparentavam ter a sua mesma idade. Mas a maioria o olhava com desprezo.
Mesmo recebendo os olhares, ele não se importou.
...
Ao chegar a um salão grande com três grandes mesas no meio, ele caminhou até a cantina, pegou uma bandeja já com sua refeição, andou até seu canto favorito da mesa do meio e começou a degustação de seu "maravilhoso café da manhã", apenas um pão mofado e um copo de água.
Com um suspiro, ele decidiu manter seus pensamentos para si mesmo.
Quando terminou sua refeição, Cassian devolveu a bandeja e foi até a sala de aula. Uma sala onde só as crianças com o Rank mais baixo eram mandadas, e Cassian era uma dessas miseráveis crianças.
Entrando na sala, a mesma situação de sempre continuava. Um professor sentado com as pernas cruzadas sobre a mesa com um livro em suas mãos, e poucos alunos se encontrando presentes.
'Há cada vez menos...'
Com um olhar rápido para Cassian que já estava em sua mesa, o professor com uma voz monótona de sempre disse:
"Abram o livro do mago Leon H. Varez na página 43. Continuaremos com a leitura da aula passada. Leitura em silêncio, por favor. "
E assim eram todos os dias, as aulas não passavam de apenas ler livros de grandiosos magos. Um ensino monótono e precário, onde cada dia mais Cassian se sentia estagnado nos mesmos feitiços.
'Ensinar, eles falaram...'
O tempo passava em um estado lento, Cassian não entendia grande parte da página. E seu progresso só desandou com o passar dos dias, acumulando uma quantidade insignificante de conhecimento do livro. Ele nem queria saber o que acontecia com os que não sabiam ler. Para ser sincero consigo mesmo... Ele nunca pensou sobre isso, e como um pensamento fraco, que sempre tem mas logo esquece...
'Mas isso não importa muito, já tenho o necessário.'
...
A aula acabou, e Cassian caminha para a ala de treinamento que ficava no andar mais baixo da torre. A sala recebia iluminação da janela acima das paredes de pedra rochosa e das tochas presas abaixo das janelas. Havia várias crianças, aperfeiçoando seus encantamentos e a recitação da pronúncia. Outras estavam ali apenas para conversar em um ambiente onde podiam ver magia, talvez aqueles no topo do rank os demonstrassem um encantamento novo.
A atmosfera do lugar era de curiosidade.
... E todos os dias eram assim. Nada mudava.
Mas, para Cassian era diferente. Hoje é o dia em que tudo mudará...
Cassian se aproximou de um alvo de madeira encantada, levantou a mão, deixou a palma aberta e recita:
"Frainz!"
Uma pequena luz roxa em forma de linha se forma na palma de sua mão direita e logo vira uma onda de eletricidade que dispara no alvo.
Um pequeno choque atinge o alvo... ele erra o disparo.
Com um olhar calmo para seu resultado, ele suspirou.
'Foi fraco, e não acertei o alvo no meio... Dessa distância... Por mais que eu esteja decepcionado comigo mesmo, isso vai servir. '
E ele ficou por mais algumas horas lá dentro, até que o cansaço o vencesse, ele continuou repetindo o mesmo feitiço e obtendo os mesmos resultados.
Os mesmos resultados que ele queria demonstrar para aqueles que não cansavam de o observá-lo do canto da sala.
...
Em um quarto escuro, com sangue seco nas paredes, Cassian estava sendo espancado por três garotos. Dois seguravam seus braços, enquanto o garoto de cabelo loiro o agredia.
Socos eram desferidos no estômago, peito e rosto. Cada soco doía, mas Cassian não demonstrava dor, mesmo com o sangue escorrendo de sua boca, os hematomas visíveis em seu rosto e, mesmo xingando-os em sua mente.
Sua cabeça se contorcia para os lados em cada pancada no rosto.
Cansado de continuar a bater em Cassian, o garoto loiro pega uma pequena bolsa de couro com uma linha amarrada no topo, manda os outros dois largarem Cassian, que cai no chão exausto, e desamarra a pequena bolsa.
E uma luz branca saiu da bolsa e passou por todo o corpo de Cassian. Um minuto se passou e a luz desapareceu.
Colocando a bolsa de couro em seu casaco e olhando para Cassian, agora sem os hematomas, ele diz sorrindo:
"Akai, eu e você sabemos que não fazemos isso porque queremos, sério. Então aceite que não há nada que você faça, você nunca vai conseguir aumentar de Rank. Só desista logo e peça para os superiores mandarem você de volta para seu vilarejo. Não há nada para você aqui."
'Hahaha... Vilarejo? Como você consegue ser tão ingênuo assim?'
Com isso dito, os três saíram pela porta, deixando Cassian sozinho jogado no chão.
Após deixar de ouvir os passos deles, Cassian se arrastou até a parede, acabando por usá-la como apoio.
Com um suspiro, ele pensa um pouco. Ele tentava achar um motivo para isso estar acontecendo.
Banida há mais de 120 anos, a escravidão foi erradicada da face da terra durante esse período... pelo menos foi o que o mundo pensou.
Mas ali estava ele, sendo feito de escravo por magos, que são considerados protetores dos seus reinos e defensores da justiça humana.
Para cometerem tal crueldade, eles são o contrário de qualquer conceito de justiça ou proteção. Era o que Cassian pensava, o único que sabia, dentre as outras crianças, onde estava e o porquê de estar preso lá...
E depois de mais de seis meses presos, os Ranks foram criados, e eles começaram a agir como se fossem superiores a seus iguais.
'Eles estão se esquecendo de que aqui dentro, continuam sendo escravos.'
Mas Cassian não os julgava. Dentro dessa torre, eles tinham o que comer, o que vestir e até camas para dormir, além do fato de estarem aprendendo magia. Muitos ali nem conheciam algumas dessas coisas.
Existem muitas vilas por todo canto do mundo que esses magos controlam sem ninguém saber. E eles pegaram apenas aqueles que eram jovens e que podiam usar magia.
Foi o que Cassian descobriu escutando seus colegas por seis meses.
Mas Cassian não era escravo de um desses vilarejos.
Ele estava sozinho em uma floresta quando foi capturado.
... Desde aquele dia, ele passava noites pensando em sua família.
'Será que ainda estão me procurando?... Eles sequer me procuraram?'
'... Não! chega desses pensamentos. Não tenho muito tempo.'
Cruzando as pernas, ele entrou em posição de meditação. O tempo estava passando, e ele ainda tinha uma pequena coisa a fazer.
Algo que a maioria já tinha feito. E já era hora de Cassian refinar seu círculo mágico.
Com os olhos fechados, ele concentrou a mana que passava pelo seu corpo. Primeiro, por seu sangue e depois pelo coração, até chegar em seu círculo mágico, que girava em volta. Ele tinha que pôr mana diretamente no círculo para aumentar sua resistência e, assim, refiná-lo, deixando-o mais rápido.
A sensação era semelhante ao estado de adrenalina. O coração disparava, e o anseio o consumia. Para cada novo círculo, a sensação era diferente. Para o 1° círculo ou posteriores, refinar é uma obrigação caso queira avançar para o próximo círculo. Sentindo a mana passar por cada vaso sanguíneo e bombardeando em circunferência em conjunto com o coração, era extraordinário! Primeiro vem o Grão, depois a sua Opacidade, distinguindo sua cor e, por fim, seu brilho em sua forma refinada, completa, pronta para girar cada vez mais.
Mas o processo requeria tempo e muita concentração, algo que ele já não tinha muito. Sua falta de tempo era por causa do toque de recolher e sua concentração não era boa por falta de conhecimento estagnado.
Mas ele vinha fazendo isso há semanas, se preparando para o grande dia. Se não conseguisse hoje, seria amanhã.
...
O tempo passou. Cassian começou a suar muito. Seu suor escorria junto com o sangue que tinha em sua roupa. A pequena bolsa apenas curava de ferimentos, mas não limpava seu sangue.
Quando a cor de seu círculo estava quase completa, um maldito ruído tirou-o de sua concentração.
Perto de completar seu refinamento, o toque de recolher ecoava entre as pedras.
O tempo tinha acabado, mas seu refinamento não.
' Agora eles podem detectar a magia. Não adianta continuar, eles já devem estar à minha procura. Mas como eles sabem o que acontece comigo aqui, eles devem chegar...'
Uma sombra entre a entrada e as escadas, adentra a sala onde Cassian se encontra.
A sombra toma forma, e um homem de meia-idade de cabelo longo aparece diante de Cassian.
"Você não devia estar aqui a essa hora."
Sua voz era intimidadora como sua expressão.
"Já estava indo em direção ao meu quarto senhor. Desculpe por incomodá-lo."
Cassian diz com calma e em tom de respeito.
O homem suspira, e olha para o teto sem fim. Nada podia ser visto perante o breu acima. Ele volta seu olhar para o garoto à sua frente e diz com a mesma voz de antes:
"Me diga qual é o seu quarto e me siga. "
Levantando-se, Cassian caminhou ao lado do homem de manto negro até seu quarto após o informá-lo.
O homem desapareceu nas sombras, e Cassian voltou para sua cama.
O homem não perguntou a Cassian o motivo do sangue em sua roupa, nem Cassian perguntou o porquê de haver sangue escorrendo das paredes. Eles já sabiam as respostas.
Deitando-se em sua cama, Cassian se pegou olhando novamente para a janela acima, seus pensamentos estavam alinhados em ordem. Aquela noite fria de inverno seria a última que passaria dentro dessa torre.
'Bom, amanhã é o dia. Todos esses dias me planejando... espero que não seja por nada. Tenho que sair desse lugar o quanto antes.'