O sol já se punhava no horizonte, tingindo o céu de tons alaranjados e púrpuras, quando um homem saia de um velho bar que ao qual teria bebido além do que o seu corpo poderia suportar, sua roupa era social, com sapatos desgastada pretos e cheio de marcas e no seu pulso esquerdo um relógio tradicional ao qual os ponteiros pareciam não contar, e enquanto caminhava seus passos eram lentos, arrastados, como se carregassem o peso de uma vida inteira de arrependimentos e incertezas. Aos trinta e três anos de idade, Professor Oliveira ou Professor depressivo ao qual era conhecido no local onde trabalhava, ele parecia ter desistido da sua vida, seus olhos, que antes eram cheios de ambição e sonhos, agora estavam opacos, como se tivessem perdido a capacidade de enxergar além do cotidiano cinzento que o cercava.
Ele passou por uma pessoa em cima de duas caixas enquanto a multidão passava, o do mesmo segurava cartazes que anunciavam o fim do mundo e a volta do Messias e os princípios do Apocalipse. O pregador gritava com fervor, sua voz ecoando pelas paredes dos prédios antigos que ladeavam a rua. O tal professor evitou olhar diretamente para ele. Sua fé, ou o que restava dela, estava em frangalhos. A religião, assim como muitas outras coisas em sua vida, parecia-lhe agora uma ilusão distante, algo que não tinha mais lugar em seu coração.
Enquanto caminhava, seus pensamentos vagavam para as noites de fim de semana, quando se encontrava com Clara, sua velha amiga, para beber e conversar sobre nada em particular. Era um ritual que os dois mantinham há anos, uma forma de escapar da monotonia de suas vidas. Clara era talvez a única pessoa que ainda o entendia, ou pelo menos fingia entender. Mas mesmo ela não podia preencher o vazio que ele sentia dentro de si.
Ele também pensou nos livros que lia, obras sobre civilizações antigas, revoluções históricas, momentos em que a humanidade parecia ter alcançado algo maior do que si mesma. Esses livros eram sua fuga, sua maneira de imaginar um mundo onde as coisas faziam sentido, onde as pessoas lutavam por algo além de suas próprias existências medíocres.
Naquele dia, porém, algo o fez desviar do caminho habitual. Talvez fosse o álcool que ainda circulava em sua corrente sanguínea, ou talvez fosse a sensação de que sua vida já não tinha mais valor
Ele entrou em um beco estreito e mal iluminado, um lugar que sempre evitava. O ar da entrada já era pesado, carregado com o cheiro de urina, álcool barato e algo mais, algo que ele não conseguia identificar.
O beco, por dentro era um lugar de decadência e desespero. As paredes estavam cobertas de grafites, alguns artísticos, outros meramente vulgares. O chão era úmido, com poças de líquidos desconhecidos refletindo a luz fraca das lâmpadas quebradas. O local estava uma zona, com latas de cervejas e algumas com seus vidros quebrados alem de muitos lixos colocados sobre as paredes das casas. Era um lugar onde as pessoas iam para se perder, e talvez, para serem encontradas por algo que não deveriam.
O local estava cheio de figuras sombrias: pessoas bebendo, usando drogas, casais envolvidos em atos sexuais. O professor passou por eles sem olhar, tentando ignorar a decadência que o cercava. Ele não sentia medo, apenas uma estranha indiferença. Afinal, o que mais poderia acontecer com ele? Sua vida já estava em frangalhos
Foi então que um velho homem o chamou.
— Ei, você! Se aproxima meu caro amigo — a voz era rouca, mas tinha uma estranha musicalidade, como se viesse de outro tempo.
Oliveira parou e olhou para o homem. Ele estava vestido com roupas que pareciam saídas dos anos 70: um roupão de couro desbotada, calças boca-de-sino e uma cachecol estampada com cores vibrantes. Seus cabelos eram coberto por um chapéu velho com cor preto, e seus olhos...seus olhos eram profundos, escuros como abismos.
— Você parece um homem que já viu demais — disse o velho, com um sorriso que revelava dentes amarelados e pontudos.
— E ainda assim, você não viu nada. Continuou logo em seguida.
Ele ficou parado, sem saber o que dizer. O velho continuou:
— E se eu te oferecesse uma nova vida? Um lugar onde você poderia ser alguém, onde as coisas fariam sentido. Um mundo mais justo, mais interessante. Algo que você amaria. Falava enquanto fazia uma apresentação abaixando sua cabeça e tirando o chapéu velho da cabeça... mostrando o seu cabelo com cores vermelhas e bem destelhado.
Professor sentiu um frio percorrer sua espinha. Ele não sabia se era o álcool ou algo mais, mas aquelas palavras pareciam ressoar dentro dele, tocando algo que ele pensava estar morto.
— O que você que dizer? — perguntou, sua voz quase um sussurro e arrastado.
O velho sorriu novamente e tirou um pequeno pergaminho de dentro de sua jaqueta. Era algo antigo, com um cheiro de papel envelhecido , como se fosse feito há muito tempo. Ele estendeu o pergaminho para Professor Oliveira, que o pegou com mãos trêmulas.
— Basta concordar e assinar o papel— disse o velho. — E tudo será seu. Dizia enquanto levantava aos mãos para os céus.
Ele olhou e verificou o pergaminho, mas algo o fez hesitar uma estranha sensação em seus no seu corpo e talvez no seu espírito e quando decidiu olhar novamente para o velho, percebeu algumas inconformidades naquele senhor e percebeu que no momento que olhou para baixo e viu que seus pés... não eram mais pés. Eram patas, cobertas de pelos grossos e escuros. E seus cabelos...ele olhou-se atenciosamente para a cabeça e viu algo pontudo e preto em sua cabeça. Chifres? De repente ele começou a respirar de uma forma desconexa e ansioso, e batidas do seu coração estavam aumentando.
Antes que pudesse processar o que estava acontecendo, a cena mudou abruptamente.
Ele estava em casa, em seu apartamento que era um reflexo perfeito de sua vida: desorganizado, decadente, cheio de promessas não cumpridas. As paredes rachadas e o papel de parede descascando contavam a história de um homem que havia desistido de cuidar de si mesmo. A sala estava repleta de pilhas de livros, alguns abertos, outros fechados, como se ele estivesse sempre em busca de algo que nunca encontraria. Roupas sujas e pratos não lavados completavam o cenário, criando uma atmosfera de abandono.
Depois de algum tempo o telefone começou a tocar, enquanto ele separava as roupas para dormir e assistia aquele mesmo canal.. algo que pra ele... é decepcionante e vergonhoso. E resolveu atender depois da terceira tentativa.
— Alô? Ele parecia confuso, como se não esperasse nenhuma ligação naquela hora.
— Oi, Oliveira… sou eu, Clara. Desculpa te acordar, ela começou, a voz carregada de hesitação. — Eu só… eu precisava te ligar. Desculpa de novo por hoje, por não ter ido ao bar contigo. Eu sei que cancelei em cima da hora, de novo, e não é justo com você. Falava enquanto esfregava os olhos, sentado na beirada da cama desarrumada e usando um pijama rosa.
— Tudo bem, Clara. Não precisa se desculpar de novo. Acontece. —Respondia enquanto pegava toalha.
— Não, não é tudo bem, ela insistiu, a voz um pouco mais firme agora. Eu fui babaca. Você estava animado, e eu simplesmente cancelei. Você foi sozinho? Bebeu muito?
Ele deu uma risada curta, sem graça. — Ah, você sabe como é. — Fui, tomei umas cervejas, nada demais. Só pra passar o tempo.
Clara ficou em silêncio por um momento, como se estivesse pesando as próximas palavras. — Amigo… você quer companhia? — Eu posso ir aí, se você quiser. A gente pode conversar, ou… sei lá, assistir algo. — Dizia enquanto separava algo para vestir.
Ele olhou ao redor quarto do apartamento, o rosto queimando de vergonha só de imaginar Clara ali, no meio daquela bagunça. A TV ainda passava o "filme", e ele rapidamente pegou o controle e desligou, como se ela pudesse ver através da linha. — Não, Clara, tá tudo bem. É tarde, e você deve estar cansada. — E além disso, eu… e aqui meio desarrumada e não é um bom momento."
Ela pareceu hesitar, mas não insistiu. — Tem certeza? Eu não me importo, sabe. A gente pode só… conversar.
Falava enquanto segurava um vestido soltinho, preto.
— Clara, sério, tá tudo bem, — ele respondeu, tentando manter a voz calma, mas firme. Eu vou só tomar um banho, relaxar um pouco, ler umas páginas do livro e ir dormir. Amanhã a gente se fala, tá?
Do outro lado da linha, Clara suspirou, mas aceitou a resposta. — Tudo bem, Amigo. Boa noite. E… desculpa de novo.
— Boa noite, Clara. E não se preocupa, tá? Acontece. Ele desligou o telefone e ficou sentado na cama por um momento, olhando para o caos ao seu redor. A vergonha ainda latejava em seu peito, mas ele sabia que tinha feito a coisa certa. Levantou-se, pegou uma toalha e se dirigiu ao banheiro, decidido a lavar não só o corpo, mas também a mente daquela noite estranha. Enquanto a água quente caía sobre ele começou a ler o livro que havia prometido a si mesmo : "Revolução dos Povos", uma obra que falava sobre levantes populares e mudanças sociais.
Enquanto lia, algo estranho começou a acontecer. Seu nariz começou a sangrar, e de repente, cores vibrantes e cenas caóticas inundaram sua visão. Sons distorcidos ecoavam em seus ouvidos, e seu corpo parecia paralisado, incapaz de se mover.
Então, algo explodiu.
Quando a poeira baixou, o corpo dele não estava mais lá. Tudo o que restava era um líquido espesso e vermelho, escorrendo pelo chão da banheira. O que havia sido humano, o que havia sido o professor, agora era apenas uma massa líquida e informe, sem vida, sem identidade.
O que aconteceu? O que foi aquilo? A cena corta novamente, desta vez para o pregador na rua principal. A multidão ao seu redor estava agitada, alguns gritando para que ele se calasse, outros tentando proteger suas crianças, como se o fim do mundo estivesse realmente próximo.
Enquanto isso, no apartamento, o livro *Revolução dos Povos* jazia aberto no chão, suas páginas manchadas com sangue que um dia foi um homem.
Fim do capítulo.