A neve caía suavemente sobre o solo gelado da região sul do Brasil, cobrindo as colinas e florestas com um manto branco que parecia não ter fim. O vento cortava as árvores com a força das correntes de ar gélidas, como se o próprio inverno vivesse ali, imortal. No centro desse cenário congelado, em uma grande mansão nobre, uma tragédia estava prestes a se desenrolar.
Carlos Invernalis, filho mais novo da nobre família Invernalis, olhava com desesperança para o espelho. Ele era um homem de pouca importância na visão de sua própria família. Sua pele, pálida e quase frágil devido ao seu fracasso em cultivar o Gi, a energia espiritual desse mundo, o tornava um peso para seus pais.
Sempre que tentava se conectar ao Gi, uma dor insuportável consumia seus meridianos, destruindo pouco a pouco seu corpo e sua alma. Cada tentativa de cultivar era uma batalha perdida. E, para a família Invernalis, um fracasso tão grande não merecia nem consideração. Seu pai, Antônio, e sua mãe, Maria, o viam como um estorvo, e sua irmã, Verônica, apenas o ignorava.
Mas o que ninguém sabia era que o corpo de Carlos não era comum. Nascido com a essência do Boitatá, uma serpente de fogo mítica do folclore brasileiro, seu corpo rejeitava a energia fria de sua linhagem. Ele era especial, mas ninguém havia descoberto isso ainda.
Em uma noite, após mais uma tentativa frustrada de cultivar, Carlos caiu no chão de seu quarto, exausto e em lágrimas. Mas, enquanto a dor o consumia, algo diferente aconteceu. Sua visão escureceu e seu corpo começou a brilhar com uma luz fraca, mas intensamente quente. A sua alma, que estava fadada ao esquecimento, despertou no momento em que ele tocou as profundezas do desespero.
O que ele não sabia era que sua alma, a alma de um cultivador lendário de um mundo distante, estava prestes a se fundir com o corpo de Carlos, dando-lhe uma segunda chance. E com essa chance, ele herdava um poder muito além da compreensão humana. Mas o que ele também herdou foi o preço de uma vida traída. Ele, que uma vez foi poderoso, agora estava preso a um corpo fraco, destinado a falhar sem o conhecimento necessário para domar sua verdadeira força.
Enquanto isso, no mercado da cidade, uma figura misteriosa circulava entre as sombras. Victor, um morador de rua, observava com cuidado as carruagens e lojas de luxo, seus olhos brilhando com astúcia. Ele não tinha sobrenome, nem título, mas sua lealdade a Carlos era inquebrantável.
Victor possuía um corpo igualmente especial, o Corpo do Boto Cor-de-Rosa. Esse corpo conferia-lhe a habilidade de se tornar invisível e de se transformar em um homem irresistivelmente atraente. Usava isso para entrar nas casas de mulheres nobres, seduzindo-as e roubando seus tesouros. Algumas dessas mulheres, que não conseguiam ter filhos, acabavam engravidando dele, permitindo-lhe roubar com mais facilidade. Mas, além disso, ele também roubava técnicas poderosas.
Em uma de suas infiltrações, Victor havia conseguido algo muito valioso: uma técnica de respiração do tipo fogo, a Técnica do Fogo de Iansã, que ele sabia que seria perfeita para Carlos. Ao saber da condição de seu amigo, Victor sabia que aquela técnica era a única chance de Carlos alcançar seu verdadeiro poder.
Victor apareceu na porta da mansão dos Invernalis naquela noite. Ele sabia que Carlos não seria capaz de alcançar o seu potencial sem essa técnica. Ao entrar no quarto de seu amigo, entregou-lhe um pergaminho antigo, selado com símbolos de fogo.
— Carlos — disse Victor, com um sorriso sutil. — Isso é tudo o que você precisa para mudar seu destino.
Carlos, atônito, olhou para o pergaminho. Ele sabia que sua vida estava prestes a mudar para sempre, mas não entendia a magnitude do que estava prestes a acontecer. Hesitou por um momento, mas a chama da esperança acendeu dentro de seu peito. Ele não estava mais disposto a ser visto como um inútil.
Com as mãos tremendo, Carlos desenrolou o pergaminho e começou a estudar os símbolos antigos. A respiração de fogo de Iansã era um poder primordial, ligado à purificação do corpo e à aceleração do cultivo. Mas mais do que isso, ela era uma técnica que canalizava o fogo, um poder natural capaz de refinar até os corpos mais fracos. Para Carlos, isso poderia ser a chave para desbloquear seu verdadeiro poder.
Ele começou a respirar lentamente, seguindo as instruções no pergaminho. A energia começou a circular por seus meridianos, e ele sentiu a diferença imediatamente. Sua energia fria foi tomada pelas chamas ardentes, queimando as impurezas dentro de seu corpo. As dores começaram a diminuir, e ele sentiu sua força física aumentar. Mas, ao mesmo tempo, a luta interna para controlar o fogo crescia. A chama era intensa e implacável, e ele sabia que precisaria de muito mais do que vontade para dominar essa técnica.
Victor observava seu amigo com um olhar determinado. Ele sabia que Carlos estava no caminho certo, mas também sabia que este caminho seria árduo. Agora, a verdadeira jornada de Carlos Invernalis estava prestes a começar.
A batalha não seria apenas contra os outros cultivadores, mas contra os próprios deuses que o haviam traído.
O Despertar do Fogo
A lua cheia pairava sobre o Feudo Invernalis, lançando um brilho pálido sobre a neve interminável. O vento uivava pelas montanhas congeladas, mas dentro de uma cabana isolada, o frio não era o maior inimigo.
Carlos estava no chão, seu corpo contorcido em agonia. Seu peito subia e descia rapidamente, cada respiração era um tormento. A Técnica do Fogo de Iansã rugia dentro dele, destruindo e reconstruindo seus meridianos sem piedade. O calor era insuportável, como se um vulcão estivesse prestes a entrar em erupção dentro de seu corpo.
— "ARGH!" — Ele gritou, a voz rouca e carregada de dor.
Victor, que observava tudo, sentiu um arrepio na espinha. O amigo estava sofrendo demais. Se Carlos morresse ali, toda sua luta teria sido em vão.
— "Droga… preciso fazer alguma coisa!"
Victor respirou fundo, então levantou a mão. Uma barreira de água envolveu a cabana, abafando os gritos de Carlos para que ninguém da mansão Invernalis ouvisse. Mas, inesperadamente, a barreira fez mais do que apenas silenciar o som.
Assim que a névoa fria da água tocou Carlos, o efeito foi instantâneo. A dor diminuiu. Seus músculos antes tensos relaxaram levemente, e os danos em seus meridianos começaram a se regenerar mais rápido.
Victor arregalou os olhos.
— "Espera… a água… está ajudando ele a se recuperar?"
Ele não entendia completamente o que estava acontecendo, mas não importava. Se aquilo ajudava Carlos a suportar o processo, ele manteria a barreira ativa até o fim.
O tempo passou. Seis horas de dor incessante. O dia amanhecer
Carlos sentia sua carne queimando, sua alma se partindo, mas se recusava a ceder. Sua mente resistia ao colapso. E então…
Algo mudou.
Dentro dele, uma faísca se acendeu. O calor antes caótico agora fluía de forma ordenada, como um rio de lava se moldando a uma nova forma. Um núcleo flamejante nasceu dentro de seu dantian.
Carlos abriu os olhos. Seu corpo inteiro emanava uma aura quente e feroz, e por um breve instante, chamas vermelhas brilharam em suas pupilas negras.
Ele havia alcançado o Reino da Raiz.
O primeiro passo na cultivação.
Sentou-se lentamente, sentindo a nova força pulsando dentro dele. Seu corpo estava mais resistente, seus músculos mais firmes. Cada célula vibrava com um poder ardente.
Victor suspirou aliviado.
— "Achei que você ia morrer, idiota."
Carlos soltou um sorriso cansado.
— "Eu também achei."
Ele fechou os olhos e sentiu a energia fluindo dentro dele. O Fogo de Iansã ardia em sua alma.
Naquele momento, algo estava claro para ele.
Aquele era apenas o começo.
O Mundo de Ibrália
Após a saída de Victor, o silêncio tomou conta do quarto. Carlos ainda sentia seu corpo quente, as chamas de sua nova cultivação pulsando em seu dantian. Mas dentro de si, uma presença sombria se movia.
O Deus da Morte.
Desde que reencarnara, Carlos sentia sua consciência dividida. O fragmento de sua alma anterior carregava um ódio profundo pelos deuses que o traíram e o jogaram à própria sorte. Agora, em um novo corpo, ele queria entender o mundo ao seu redor. Precisava saber quem eram os governantes, as forças dominantes e os inimigos ocultos.
"Se eu for me erguer neste mundo, preciso saber como ele funciona."
Com isso em mente, ele vestiu um manto escuro e saiu em direção à biblioteca da mansão Invernalis.
O GRANDE MAPA DE IBRÁLIA
A biblioteca era um local frio e silencioso, quase sempre vazio. Os membros da família Invernalis preferiam treinar a perder tempo com livros.
Carlos caminhou até uma prateleira antiga e encontrou o que procurava: um grande mapa de Ibrália. Ele desenrolou o pergaminho sobre uma mesa e estudou cada detalhe.
O país era vasto, dividido em 27 feudos, cada um governado por uma família nobre. No centro, a capital imperial, onde o Imperador reinava, embora fosse apenas uma marionete das grandes potências.
Os cinco feudos mais poderosos formavam a espinha dorsal do país:
1. Feudo Arcanjo – Lar da família Arcanjo, os guerreiros mais temidos de Ibrália. Seu exército era imbatível, e seu patriarca era dito como invencível em combate.
2. Feudo Ouroverde – Controlado pela família Ouroverde, possuía as maiores riquezas do país. Com dinheiro, compravam lealdades e moldavam o destino de Ibrália nas sombras.
3. Feudo Tupinambá – Território da família Tupinambá, mestres em venenos e assassinatos. Diziam que ninguém escapava com vida se fosse marcado por um Tupinambá.
4. Feudo Açoriano – Domínio da família Açoriana, cujo poder vinha do controle dos mares. Nenhuma mercadoria entrava ou saía de Ibrália sem passar por suas mãos.
5. Feudo Jaguara – Governado pela família Jaguara, conhecida por possuir os maiores grimórios e técnicas de cultivação do continente.
Os outros 22 feudos possuíam importância menor, mas ainda eram peças no grande jogo político de Ibrália.
O Feudo Invernalis, localizado no extremo sul, era um dos territórios mais inóspitos e difíceis de habitar. O frio impedia plantações, os recursos eram escassos, e manter a população viva exigia uma constante luta contra a fome e o desespero. Mesmo sendo uma família poderosa, os Invernalis estavam sempre presos à beira do colapso.
Carlos observou tudo com atenção, gravando cada detalhe na memória.
"A minha família está na 14ª posição entre as mais poderosas… isso significa que estamos bem longe do topo."
Mas o mapa trazia mais do que apenas informações sobre os feudos.
AS SEITAS DE IBRÁLIA
Nos cantos do mapa, Carlos encontrou informações sobre as Seitas Imortais.
Diferente das famílias nobres, que governavam territórios, as Seitas eram organizações dedicadas exclusivamente à cultivação. Seus membros eram tratados como verdadeiros semideuses, e seus líderes estavam entre os seres mais poderosos do mundo.
As três Seitas Supremas eram as forças mais influentes fora do governo imperial:
1. Seita do Sol Nascente – A mais respeitada de todas, formava os maiores guerreiros do mundo. Entrar nessa seita era um privilégio que apenas os gênios da cultivação podiam alcançar.
2. Seita das Sombras Eternas – Um reduto de assassinos e espiões. Seus membros eram invisíveis na noite, e diziam que até mesmo o Imperador dormia temendo seus espiões.
3. Seita do Trovão Divino – Especialistas em destruição e combate direto. Seus discípulos eram como trovões vivos, devastando tudo em seu caminho.
Além dessas, havia outras seitas menores, como a Seita da Fênix Escarlate, a Seita da Névoa Espectral e a Seita da Montanha Celestial.
Carlos percebeu que, para crescer e se fortalecer, eventualmente precisaria se envolver com alguma dessas seitas.
Mas então… algo no mapa chamou sua atenção.
Um nome sombrio, marcado em vermelho.
A SEITA DO FOGO ETERNO
No extremo leste de Ibrália, em um território montanhoso e desolado, havia um símbolo diferente dos outros. Uma marca flamejante, como um brasão proibido.
A Seita do Fogo Eterno.
Carlos franziu a testa. Ele já ouvira esse nome antes.
Aquela era a seita demoníaca contra a qual seu pai lutou no passado. A mesma que tentou conquistar Ibrália e foi quase erradicada. Mas, pelo que dizia o mapa, eles ainda existiam.
"Por que eles ainda estão de pé? Não deveriam ter sido destruídos?"
Carlos sentiu um calafrio ao olhar para o brasão flamejante. Ele não sabia o motivo, mas algo naquela seita parecia familiar.
Seu coração bateu mais forte.
Seu cabelo ficou ligeiramente mais vermelho.
Mas ele não percebeu.
Fechou o mapa e suspirou. Agora tinha uma visão clara do mundo em que vivia.
"Se quero sobreviver, preciso me tornar mais forte. Muito mais forte."
Ele então se virou e saiu da biblioteca, sem saber que seu destino já estava sendo moldado.
No leste, os remanescentes da Seita do Fogo Eterno já sabiam de sua existência.
E estavam à sua procura.
O Mundo de Ibrália e o Passado de Carlos
Após estudar o mapa, Carlos deixou a biblioteca sentindo sua mente cheia de novas informações. Ele ainda digeria tudo o que aprendera, quando, de repente, esbarrou em alguém.
Antes que pudesse reagir, uma força brutal o atingiu.
Seu corpo foi jogado para trás e colidiu violentamente contra a parede de pedra da mansão. A dor foi intensa, mas, graças ao fortalecimento de seu cultivo, ele não sofreu ferimentos graves.
Se fosse alguns dias antes, aquele golpe teria sido fatal.
Carlos levantou a cabeça, ainda zonzo, e então viu quem estava diante dele.
Verônica Invernalis.
Sua meia-irmã olhava para ele com um misto de desprezo e ódio puro.
— Você ainda tem a coragem de andar por aqui? — a voz dela era fria, afiada como uma lâmina de gelo. — Um lixo como você não tem o direito de pisar nesta mansão. Você é um sanguessuga, um peso morto, um erro.
Carlos permaneceu em silêncio, analisando-a pela primeira vez com atenção.
Verônica possuía longos cabelos negros, lisos como seda, que refletiam a luz da mansão. Seus olhos eram escuros e cortantes, e sua expressão transmitia um ar de superioridade e frieza. Sua pele era branca como a neve, quase pálida, característica marcante da linhagem dos Invernalis.
E então Carlos percebeu.
Ele era diferente.
Sempre soube disso, mas nunca havia parado para analisar de verdade. Seus cabelos, antes totalmente negros, agora começavam a adquirir tons avermelhados. Sua pele, embora clara, não era tão pálida quanto a dos outros Invernalis.
Ele não era como eles.
Verônica percebeu sua expressão pensativa e sorriu com desdém.
— Você percebeu agora? Que não passa de um bastardo indesejado?
Aquelas palavras fizeram algo dentro de Carlos estremecer. Mas ele não demonstrou. Apenas observou sua irmã enquanto limpava a poeira de suas roupas.
— Um dia, você vai engolir essas palavras, Verônica.
O olhar dela se estreitou, mas, antes que pudesse responder, Carlos se virou e saiu.
Havia algo que ele precisava entender.
O Passado da Família Invernalis
Carlos atravessou os corredores da mansão até chegar aos aposentos dos servos.
Lá, encontrou Fernanda, uma mulher idosa de cabelos grisalhos e olhar gentil. Ela fora a antiga babá de Verônica, tendo servido a família Invernalis por décadas.
Quando Carlos entrou no cômodo, ela o observou com surpresa.
— Jovem mestre Carlos… o que faz aqui?
Ele hesitou por um momento, mas então perguntou diretamente:
— Fernanda… por que Verônica me odeia tanto?
A expressão da idosa ficou tensa. Por um momento, parecia que ela não responderia, mas então suspirou.
— Porque você roubou algo que era dela.
Carlos franziu a testa.
Fernanda sentou-se e começou a contar a história.
— Quando Verônica nasceu, a família Invernalis não ficou feliz. Aqui, na cultura bárbara dos guerreiros de Ibrália, ter uma filha mulher era visto como um sinal de fraqueza.
Carlos ouviu atentamente.
— Mas, ainda assim, ela era a única herdeira. O patriarca… seu pai, Antônio, não teve escolha a não ser aceitá-la como sucessora.
Ela fez uma pausa antes de continuar.
— Durante anos, Verônica treinou sem descanso. Tentou provar que era digna de carregar o nome da família. Mas então… você chegou.
Carlos sentiu um arrepio ao ouvir aquelas palavras.
— A chegada de um filho homem foi um alívio para a família. Imediatamente, todos começaram a tratá-lo como o verdadeiro herdeiro.
— E Verônica… foi deixada de lado.
Carlos ficou em silêncio.
Agora tudo fazia sentido. O desprezo, a raiva, o ódio.
Para Verônica, ele era a razão pela qual sua dedicação e esforço foram ignorados.
— Mas, como você sabe, as coisas não saíram como esperado.
Fernanda suspirou e olhou para ele.
— Você… não conseguiu cultivar.
Aquelas palavras doeram mais do que qualquer golpe.
— Sua irmã então tomou de volta seu lugar como herdeira. Mas, para ela, isso não foi uma vitória. Foi apenas recuperar algo que sempre deveria ter sido dela.
Carlos baixou os olhos.
Agora entendia.
Não era apenas raiva ou inveja. Era ressentimento.
Verônica não o odiava apenas porque ele era um bastardo. Ela o odiava porque, mesmo sendo um "fracassado", em algum momento da história da família, ele foi tratado como alguém mais importante que ela.
Carlos fechou os punhos.
Então, ele olhou para Fernanda e perguntou a única coisa que ainda estava martelando em sua mente:
— E o meu pai? Ele nunca tentou mudar isso?
A mulher ficou em silêncio por alguns instantes antes de responder:
— O patriarca nunca amou sua irmã… e nunca amou você. Para ele, vocês dois são apenas ferramentas para fortalecer a família.
Carlos sentiu um aperto no peito.
Mas não demonstrou.
Apenas sorriu levemente e se virou para sair.
— Obrigado, Fernanda.
— Jovem mestre…
Ele parou na porta, mas não olhou para trás.
— Se me permite um conselho… não tente buscar aceitação. A família Invernalis nunca irá aceitá-lo de verdade.
Carlos fechou os olhos por um momento, depois seguiu seu caminho.
Se ele não era aceito aqui…
Ele criaria seu próprio caminho.
A Partida e o Vale Sangrento
Carlos ficou algum tempo parado na entrada de seu pequena cabana fora da mansão. Não havia muito ali. Apenas uma cama simples, uma mesa de madeira e alguns pertences que ele guardava desde criança.
Ele olhou ao redor uma última vez antes de pegar suas coisas.
Pouca comida, algumas moedas de prata e roupas comuns que Victor havia roubado para ele.
Quando vestiu aquelas roupas simples, sentiu-se estranho. Pela primeira vez em anos, não carregava o brasão da família Invernalis em seu peito.
Não era mais um nobre.
E, para os guardas na saída da mansão, isso ficou óbvio.
Quando ele passou pelos portões principais, os soldados simplesmente o ignoraram.
Não tentaram pará-lo.
Não tentaram questioná-lo.
Afinal, ele era inútil. Se morresse, ninguém se importaria.
Carlos não olhou para trás. Apenas seguiu em frente.
O Vale Sangrento
Após algumas horas de caminhada, Carlos chegou ao Vale Sangrento, um território selvagem habitado por bestas demoníacas.
Normalmente, nenhum humano comum ousaria passar por ali sozinho. Mas a Família Invernalis não governava essa região sozinha.
O Clã das Onças da Neve era responsável pela segurança do feudo, protegendo a família Invernalis em troca de território e recursos.
Sem a ajuda dessas bestas demoníacas e da Ordem dos Cavaleiros do Gelo Impiedoso, seria impossível para os Invernalis manter o domínio da região.
O clã era liderado por um poderoso Rei das Onças, uma besta que ultrapassava os limites do cultivo normal.
Carlos sabia que não tinha nada a temer.
Pouco tempo depois, ele sentiu uma presença ao seu redor.
Dos arbustos cobertos de neve, olhos azuis brilhantes o encaravam.
Então, as Onças da Neve surgiram.
Bestas colossais, com 4 metros de altura e 2,5 metros de comprimento, cobertas por um pelo branco com listras negras. Seus olhos cintilavam como gelo puro, e sua presença era assustadora para qualquer um que não estivesse acostumado.
Mas Carlos… sorriu.
Diferente dos membros de sua família, as Onças da Neve gostavam dele.
Uma delas, uma onça enorme de olhos azul-escuro, avançou primeiro e roçou a cabeça contra Carlos em um gesto amigável.
— Hahaha, vocês sentiram minha falta? — Carlos perguntou, acariciando o pelo macio da criatura.
As onças ronronaram em resposta, um som grave que fazia o chão vibrar.
Desde criança, Carlos sentia uma conexão com essas bestas.
Elas não se importavam com sua falta de talento em cultivação.
Não o desprezavam por ser um bastardo.
Para elas, Carlos sempre foi Carlos.
E isso era o suficiente.
Depois de um tempo brincando com as bestas, ele fez um pedido:
— Me levem até a cidade.
As Onças da Neve responderam imediatamente, formando um círculo protetor ao seu redor e começando a guiá-lo pelo vale.
Carlos seguiu com um sorriso no rosto.
Diferente da família que o desprezava…
Essas criaturas o tratavam como um igual.
E, naquele momento, isso era tudo o que ele precisava.
Carlos segue para Frígard, uma cidade construída sobre camadas de gelo e rocha, com edifícios de pedra branca e madeira reforçada, projetados para resistir ao frio extremo.
As ruas são largas, mas estão sempre cobertas de neve. Lanternas de cristal de gelo encantado iluminam a cidade, emitindo um brilho azulado à noite.
No topo de uma colina gelada, fica a cidadela principal, onde a Família Invernalis governa o feudo.
O comércio na cidade é limitado, pois o clima rigoroso dificulta plantações e a criação de gado, tornando as importações essenciais para a sobrevivência da população.
Carlos viaja até Frígard acompanhado pelas onças, mas, ao se aproximar da cidade, os animais retornam para o vale. Ele então segue sozinho pela estrada até o portão principal.
Ao chegar, precisa esperar um pouco, pois há muitas carroças trazendo mercadorias importadas.
Assim que entra na cidade, Carlos encontra Victor, que o leva até uma taberna para comerem e conversarem.
Durante a refeição, Carlos revela seu desejo de deixar o feudo e entrar em uma das Três Seitas Supremas. Ele então convida seu amigo golpista e fraudulento para acompanhá-lo nessa jornada.
Victor arregalou os olhos, quase se engasgando com um pedaço de pão.
— Você quer sair de Frígard? — Ele riu, mas ao ver a expressão séria de Carlos, seu sorriso sumiu. — Você ficou maluco? As seitas supremas não aceitam qualquer um. E, além disso, você é um Invernalis. Sua família pode não se importar com você, mas as outras famílias sabem quem você é. Você acha que vão deixar um bastardo como você crescer sem interferir?
Carlos limpou a boca com calma antes de responder:
— E desde quando eu me importo com o que eles acham? Se eu ficar aqui, só vou definhar até morrer. Meu corpo está mudando, Victor. Eu nunca pertenci a essa família, e agora eu sei o porquê. Meu sangue rejeita esse lugar. Eu preciso ir para onde minha verdadeira força pode despertar.
Victor ficou em silêncio por um momento, avaliando o amigo. Ele sempre viu Carlos como alguém pacífico, que aceitava seu destino sem resistência. Mas agora… seus olhos estavam diferentes. Mais sombrios. Mais determinados.
O golpista suspirou, jogando uma moeda para a dona da taberna e se recostando na cadeira.
— Você realmente quer fazer isso?
Carlos assentiu.
Victor abriu um sorriso travesso.
— Então eu vou junto.
Carlos ergueu uma sobrancelha.
— Pensei que você diria que é perigoso.
— E é. Mas perigo significa oportunidade. E onde tem cultivadores, tem riquezas. — Victor piscou. — E alguém precisa cuidar de você, né? Afinal, você pode ser forte agora, mas ainda é um filhote nesse mundo de imortais.
Carlos riu pela primeira vez em muito tempo.
— Então é um acordo. Vamos sair de Frígard juntos.
Mas antes que pudessem continuar a conversa, um grupo de mercenários entrou na taberna, trazendo consigo uma onda de frio ainda mais cortante que o vento lá fora. Carlos sentiu seu corpo enrijecer.
Um deles começa a assediar uma das funcionárias, fazendo comentários desagradáveis e rindo com os companheiros.
Victor, que até então estava descontraído, muda completamente sua expressão. Seu olhar se torna sombrio e afiado, transbordando fúria enquanto encara os mercenários.
A tensão no ar aumenta. Carlos percebe que Victor está prestes a agir.