— Você irá para Altanar se casar com o Príncipe Herdeiro.
Ela olhou para mim com sua imponência de sempre, aquele olhar que eu odiava.
— Claro que não! — Sem pensar, dei uma resposta de imediato.
O absurdo que era essa declaração me fez levantar o canto da boca. Algo me dizia que era uma piada, mas sabia que não era o caso.
— Sim, você irá cumprir seus deveres como Princesa.
— Mas mãe… eu… eu vou ser Imperatriz de Lysdoria.
Esse é o meu dever, governar Lysdoria como a minha mãe faz e como minhas antecessoras o fizeram. Minha vida foi assim, desde o momento em que fui gerada exclusivamente para governar este império, e ainda assim essa mulher mudou uma ordem já estabelecida.
— Não, você será Imperatriz de Altanar.
Não estava nos planos da minha vida me tornar a consorte de um príncipe patético. Sua incompetência em assuntos nacionais é muito famosa em reinos estrangeiros. Sendo uma admiradora do Imperador Aldred II, me fez questionar sua razão de manter seu filho na posição de sucessor, visto que existem outros candidatos à altura deste posto.
— Mãe, pense bem. Se eu for me casar com o príncipe Aldred III, como ficará o trono de Lysdoria? — Ela não mexeu a cabeça, mas seus olhos foram em direção a Filipe. — Filipe é um boêmio! Além do quê, ele é um príncipe!
Filipe olha para mim, tão espantado quanto eu com essa notícia.
— Mãe, está falando realmente sério? — Filipe perguntou, se aproximando.
— Em algum momento já menti? Isto já está decidido, conversei com o Conselho e foi aprovado. Uma aliança matrimonial para firmarmos um laço mais estável será extremamente importante.
— Então case o Filipe! — Apontei para ele, furiosa, e percebi que ele estava desorientado, já não mais conseguia acompanhar a conversa.
— Este seria o caso se existisse uma princesa em Altanar.
Com o momento de frustração, me senti compelida a chorar. No entanto, não gosto de mostrar minhas fraquezas diante das pessoas, ainda mais a minha mãe, que criticaria. Olhei para ela furiosa e soltei uma sentença aguda:
— Ele não será imperador…
Ela se aproximou de mim em completo silêncio, pôs sua mão sobre meu ombro direito e disse:
— Sendo assim, torne-o imperador.
***
Sentada e chorando inconsolavelmente na antecâmara, Liliana tentava me acalmar.
— Sua Alteza não se importou em casar por amor, então não sei a razão…
— Essa não é a questão, Liliane!
Ir para um reino no qual as tradições e culturas são diferentes, entrar em uma nova corte sem conhecer uma pessoa, essa é a questão. Além disso, não quero ser a Imperatriz Consorte de Altanar e sim a governante de Lysdoria, meu lar, no qual tenho amor pelo meu povo.
Ouvi passos apressados se aproximando, a porta se abriu e vi Filipe. Vermelha de raiva, joguei um pires em sua direção. Ele desviou perfeitamente, e o pires acabou se espatifando. Voltei minha cabeça para a almofada.
— Lavínia, por que está furiosa comigo?
— Usurpador!
— O quê? — Não vi sua expressão, porém sabia que ele ficou bastante espantado pelo tom de sua voz. — Lavínia, de todas as pessoas, você sabe que não tenho o mínimo de interesse e competência para isso.
Soltando fumaças pelo meu nariz e com o rosto inchado de tanto chorar, lancei insultos, mesmo sabendo que ele não era o culpado. Apenas precisava de um saco de pancadas para colocar todas as minhas frustrações.
— Sim! Eu sei que você é desprovido de qualquer traço que podemos chamar de inteligência.
Ele enrugou o cenho e levantou sua sobrancelha ruiva. Quando ele faz essa expressão, significa que está bravo.
— Então me darei bem com meu cunhado.
A pior coisa que ele poderia dizer, ele disse. Se fosse qualquer outro momento, agarraria o seu cabelo ruivo e puxaria até ele implorar. Contudo, nesse momento, estou em um estado completamente depressivo, e meu lamento ficou mais alto. Fiz questão de fazer a minha mãe ouvir sua filha em um estado tão deplorável.
— Lavínia, me desculpe, eu não queria…
— Vá embora! — disse, olhando em seus olhos.
— Sua Alteza, é melhor ir — Liliane interveio. Sabia que, se Filipe não saísse da minha vista, cometeria atrocidades. Talvez, se cometesse fratricídio, a minha mãe não teria escolha a não ser cancelar o compromisso e me pôr no trono. Ele olhou para mim; como crescemos juntos, ele sabe exatamente o que estou pensando. Imediatamente, ele partiu sem questionar.
Continuei esparramada pelo sofá, recusando qualquer tipo de entretenimento e consolação. Já não havia mais forças e lágrimas para chorar. Não lembro quantas horas fiquei nesse ciclo de autoindulgência.
— Liliane.
Chamei a minha Dama de Honra e melhor amiga.
— Sim, Sua Alteza.
Já estava decidida a tomar uma atitude.
— Traga a adaga mais afiada.
Liliane olhou com desconfiança e não se mexeu por um bom momento, processando o pedido inusitado.
— Princesa, me deixe saber para que fim usará esta adaga? — Ela se pôs em frente a mim com uma pose autoritária, esperando uma resposta adequada para sua pergunta.
— Não tenho controle sobre a minha vida, então, pelo menos, posso ter domínio sobre a minha morte.
— Sua princesinha! Perdi minha paciência com você! — Violentamente, Liliane pegou o meu colarinho e me puxou do sofá. Com sua mão esquerda, desferiu tapas em meu rosto. — Reage, Lavínia! Você é a orgulhosa princesa imperial de Lysdoria! Não deixe que isso te abale.
Meu corpo mole caiu sobre o sofá novamente, mas dessa vez com o rosto ardendo em chamas. Acariciei a parte dolorida e disse, chorosa:
— Machucar fisicamente qualquer membro da família real resultará em exílio ou, no pior dos casos, pena capital.
Liliane revirou os olhos. Não pareceu abalada ao citar o Artigo 3.º do Decreto da Coroa Invicta. Ainda bem que não sou uma tirana para mandá-la direto à morte. Ela é sempre educada e contida; no entanto, quando alguma coisa a tira do sério, ela se transforma em um demônio. Sua coragem é a razão de nossa amizade. Ambas odiamos pessoas patéticas.
Agora, acho que me tornei uma.
O olhar penetrante de Liliane me deu calafrios.
— Sou patética, não é?
Ela olhou para mim como uma pessoa olha para um inseto morto e respondeu com entonação:
— Sim!
— É uma pergunta retórica — olhei para ela depois de suspirar. — Você sabe que não poderá ir comigo.
Liliane suavizou o olhar e sentou ao meu lado. Ela pegou a minha mão e acariciou com o polegar. A pessoa que me encara com carinho e consideração outrora fora minha inimiga. Não gostava de Liliane, e ela nem a mim. O que mudou isso foi quando ocorreu uma situação injusta, e fui em sua defesa. Ela não sentiu gratidão de imediato, e nem passei a gostar, mas percebemos que temos muito em comum.
— Isso é um absurdo! As leis de Altanar são estranhas. Como esperam que Sua Alteza abandone todo o seu lar?
— Sim — respondi, concordando. —, ainda mais que a lei de sucessão é tão estranha. Nem Valthea é tão extremo assim.
Altanar tem uma estranha lei que diz a respeito que a sucessão é feita exclusivamente por filhos homens. Lysdoria está indo para o mesmo caminho desastroso que Altanar e os demais reinos que visam essa lei. Penso que, se dispuser de uma Princesa, mesmo ela sendo extremamente competente, ainda escolherão um pedaço de batata.
— Sua Alteza — a Ajudante de Ordens abriu a porta. — Vossa Majestade mandou lhe entregar o retrato de seu futuro marido.
Essa é uma parte do plano da Imperatriz. Ela pensa que eu mudaria de ideia ao ver o Príncipe Herdeiro.
— Não tenho interesse — com um gesto brusco de varredura para o lado, sinalizei para ela sair. — Vá embora.
A Ajudante de Ordens olhou para mim hesitante. Por fim, ela desistiu e se foi.
— Não tens curiosidade?
— Claro que não! Afinal, não vou me casar com ele.
Pela primeira vez, em meus dezesseis anos, irei contra os desejos de minha mãe.