A família Vasquez residia em uma casa afastada, incrustada em uma paisagem desolada de árvores secas e um silêncio inquietante. O crepúsculo pintava o céu com tons de ferrugem quando um corvo de plumagem negra como o vazio e olhos rubros incandescentes pousou na cerca do quintal. Não grasnou, não se moveu—apenas observou.
A presença do pássaro instaurou um desconforto invisível. Sofia Vasquez, a matriarca, sentiu um calafrio arranhar-lhe a espinha. Seu marido, Hector, ignorou o mau presságio com o desdém típico de um homem cético. Seus filhos, Camila e Miguel, entreolharam-se com inquietação. Algo obscuro pairava sobre eles.
Naquela noite, enquanto se recolhiam, Sofia sentiu um peso insuportável sobre seu peito. Seus sonhos eram labirintos de sombras e sussurros indecifráveis. Miguel, o mais novo, teve um pesadelo horrível: um corvo empoleirado em sua cabeça, bicando-lhe os olhos até que tudo fosse escuridão. Quando acordou, viu, na janela, o corvo imóvel, olhando-o fixamente.
Ruídos espectrais ecoaram pela casa: garras invisíveis arranhavam as janelas, sombras líquidas ondulavam pelos cantos, e um odor metálico saturava o ar. As paredes pareciam respirar, como se algo rastejasse dentro delas.Camila espreitou pela vidraça e seu coração quase parou ao encontrar dois faróis escarlates brilhando na escuridão. O corvo, ainda imóvel, parecia sorrir.
Na manhã seguinte, pequenos objetos da casa estavam enferrujados—talheres, dobradiças, até os pregos das portas. Sofia notou um ferimento estranho na perna, um arranhão que ardia e, ao redor, a pele parecia... corroída.
A família começou a se desentender. Hector tornava-se mais irritadiço, Sofia chorava sem motivo aparente. Miguel passou a ouvir sussurros quando estava sozinho. Camila, determinada, decidiu investigar. Se havia algo ali, precisava descobrir.
Na alvorada seguinte, encontraram o cão da família imóvel no quintal. Sua pele estalava com crostas de ferrugem, seus olhos apagados como poços vazios.Hector, ainda envolto em incredulidade, limpou a garganta—mas, em vez de saliva, expeliu grumos de ferrugem misturados ao próprio sangue. Seu corpo enrijeceu; as veias tornaram-se veios de metal corroído. A cada tosse, lascas de sua pele se desprendiam, até que tombou sem vida, um monumento mórbido de oxidação. Quando Camila tocou seu cadáver, ele despedaçou-se em pó avermelhado.
O corvo, como um juiz satisfeito, grasnou pela primeira vez.
O desespero se instalou. Sofia trancou-se no quarto, Miguel não conseguia parar de tremer. Camila, porém, se recusava a ceder ao medo. Havia algo mais, uma origem para tudo aquilo. Precisava descobrir antes que fosse tarde demais.
Dona Estela, a avó, chegou apressada ao receber notícias do ocorrido. Seus olhos idosos fixaram-se no corvo com um terror ancestral.— Ela voltou...
Décadas antes, uma mulher acusada de bruxaria fora queimada viva naquele solo. No instante final, praguejou cada alma que ousasse habitar aquela terra. Seu espírito prometeu retornar, corroendo gerações como ferrugem devorando aço.
— Enquanto ele nos observa, já estamos condenados — sussurrou Estela.
Naquela noite, Sofia desapareceu sem um grito. Camila encontrou apenas um montículo de poeira oxidada onde antes sua mãe repousava. O corvo pairava na cabeceira, fitando-a com um júbilo inumano.
O que antes era apenas um mal-estar transformou-se em certeza. A bruxa ainda estava ali, através do corvo. Camila sabia que restava pouco tempo.
A casa tornou-se um organismo moribundo. As paredes choravam um líquido rubro, o teto se desfazia em fuligem. Estela desabou, sua pele fraturada por fissuras ferruginosas, e se dissolveu como metal fatigado. Miguel soluçava, apavorado, enquanto Camila percorria freneticamente páginas amareladas de um grimório encontrado no porão.A única solução? Um sacrifício de sangue.
— Não há alternativa — murmurou Camila, encarando Miguel com resignação.
Ela hesitou por um segundo. Mas, ao ouvir um grasnido ecoar pela casa, soube que não havia escolha.
Cravou uma lâmina afiada em sua própria palma, traçando um selo arcano no chão. O corvo, irado, lançou-se sobre ela, suas garras dilacerando carne e tendões. Mas Camila completou o encantamento com seu último fôlego.
O pássaro caiu inerte. Seus olhos apagaram-se. A casa silenciou.
Miguel correu, sem olhar para trás.
Anos transcorreram. Miguel, agora adulto, convenceu-se de que escapara. Mudou-se, recomeçou a vida. A cada anoitecer, no entanto, sentia um frio estranho nos ossos.Certo dia, ao olhar no espelho, percebeu uma mancha acobreada sob sua pele. Ao esfregá-la, pequenos fragmentos de ferrugem desprenderam-se de seus dedos.
Ele tentou ignorar. Mas, à medida que os dias passavam, sua pele ressecava, rachaduras sutis espalhavam-se. Miguel sentia-se mais fraco, mais pesado. Algo rastejava dentro de seus ossos.
Então, numa noite úmida, Miguel sentiu sua carne desfazer-se. Seu corpo implodiu, reduzido a um monte de poeira avermelhada. Mas, antes que a escuridão final o consumisse, viu um reflexo no espelho: seus próprios olhos, agora vermelhos como brasas, e um sorriso que não era seu.
O corvo nunca morre. Ele apenas encontra um novo hospedeiro.
A maldição continua.