A chuva caía calma sobre a grande metrópole—um evento raro, digno de uma foto. A cidade que nunca dorme, sem trânsito. Algo realmente raro. Mas não estava vazia.
Em meio à chuva, um homem acima do peso corria desesperado. A calvície na coroa da cabeça indicava a solidão ao avançar da idade, mas, naquele momento, nada importava além da fuga.
— Corra... corra o mais longe que puder...
Engraçado, não? Eu adoro a chuva.
Imagine a cena: um homem que todos viam como uma autoridade correndo de alguém com menos da metade de sua idade, no meio da chuva.
Ah... como eu adoro a chuva.
— Tem algo a dizer, senhor delegado? Eu deixei bem claro para você: não é você que está me caçando. Não entre em lugares escuros. Não me procure. E, ainda assim, estamos nessa situação.
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Amarrado a uma cadeira, com um corte profundo logo acima da sobrancelha esquerda, um homem de pele Clara e enrugada apresentando um vermelho não natural cabelos grisalhos mantinha o olhar baixo. Por mais que tentasse, não havia esperança em seus olhos.
Uma fita grossa impedia qualquer soms ou murmúrios. Mas, no fundo, o silêncio não era seu maior inimigo. Eram seus pensamentos. Eles o consumiam numa velocidade que nem ele conseguia acompanhar.
"Oh, Deus, não. Por favor, agora não. Eu... eu não quero. Eu tenho que voltar para minha família. Eu preciso me despedir da minha filha."
— Sr. Anderson... eu já te falei muitas e muitas vezes. Não venha atrás de mim. Descanse. Fique com sua família. Mas, ainda assim, você insiste. E tudo por míseros pacotes de dinheiro...
O homem na sombra suspirou, pegando um celular do bolso interno de um terno simples mas encharcado do delegado. Suas mãos, cobertas por luvas de látex azuis, deslizaram pela tela sem pressa.
— Dessa vez, fiquei sabendo que você se vendeu por 100 mil, Sr. Anderson...
Sem hesitação, ele procurou nos contatos. Entre os nomes, um chamou sua atenção: Luna. O pequeno emoji de um ursinho com laço rosa denunciava que era sua filha.
Tuuuup... tuuuup... tuuuup...
A voz de uma jovem atendeu, impaciente:
— Pai, o que você quer? Já disse que estou com as minhas colegas!
Sem aviso, o sequestrador arrancou a fita da boca do delegado.
— Fi... filha... é o papai... eu liguei...
— Pai, para de me atrapalhar! Eu não quero saber! Me deixa em paz!
Tup... tup... tup.
A chamada foi encerrada.
O homem na sombra encarou o delegado, como se analisasse sua reação.
— Não parece ter muita harmonia entre vocês. E muito menos perfeição. Quer que eu tente outra pessoa? Ou já sabe que...
O delegado, tomado por um misto de desespero e resignação, explodiu:
— ME MATE! É isso que você quer, não é? Termine logo com isso!
O silêncio se prolongou.
Um sorriso surgiu no rosto do sequestrador.
— E muita melancolia para uma pessoa só...
Ele se virou, guardando o celular em um saco de evidências.
— Fique à vontade para fazer o que quiser, Sr. Anderson. Eu encontrei algo perfeito em você.
O delegado arregalou os olhos.
— O QUÊ? Você fez tudo isso... para, no final, me deixar ir? Como um peixe que não valia a pena ser pescado?
O homem riu, já se afastando.
— Olhe pelo lado bom, Sr. Anderson... você nunca será ruim o suficiente para ser usado como exemplo.
As risadas ecoaram pelo galpão.
— Ah, e diga para aquela maluca nunca mais me procurar eu tenho certeza que 100 mil é um preço muito baixo por mim.
A figura esbelta desapareceu nas sombras. Do lado de fora, ele ergueu o rosto, deixando a chuva escorrer por sua pele escurecida. Seus olhos castanhos-claro, quase dourados, refletiam as luzes distantes da cidade.
Por alguns segundos, sentiu-se livre.
— Como eu amo a chuva.