A mente de Kael estava um caos.
Minutos atrás, ele havia sentido lâminas inimigas perfurando seu corpo, a dor queimando até sua consciência desaparecer. A morte havia chegado. Ele a aceitou.
Mas agora... agora ele estava ali.
A caverna ao seu redor era escura e úmida, o ar carregado de umidade. Sombras se espalhavam pelas paredes, dançando sob a fraca luz azulada que emanava da fenda flutuante atrás dele. A fissura pulsava, vibrando como se estivesse viva—como se fosse desaparecer a qualquer momento.
E então, aquela voz fria e sem emoção ecoou mais uma vez em sua mente.
*Aviso: Saia pela fenda se quiser viver.*
Kael franziu a testa.
Essa voz de novo...
Ele não sabia quem ou o que estava falando com ele, mas algo dentro dele dizia que era melhor obedecer. Um instinto primal, uma intuição afiada por anos de batalha.
Além disso, uma energia sombria que vinha do fundo da caverna... e era perturbadora.
Ele não sabia explicar, mas cada fibra de seu ser gritava que continuar ali significava encontrar um destino pior que a morte.
Ele cerrou os punhos, sentindo seu corpo firme e inteiro.
Mas isso não fazia sentido.
Ele havia morrido. Seu corpo foi dilacerado. Ele sentiu sua vida se esvaindo.
E, no entanto, ali estava ele. Respirando. Vivo.
Não havia tempo para pensar. A fenda tremulou, e um novo aviso surgiu em sua mente.
*Aviso: A fissura está se fechando.*
Ele não hesitou mais.
Kael avançou e mergulhou na fenda.
...
O instante seguinte foi um caos absoluto.
Um clarão cegante.
Uma pressão esmagadora.
Era como se seu corpo estivesse sendo puxado por incontáveis correntes invisíveis, como se estivesse sendo rasgado e reconstruído ao mesmo tempo.
Por um momento, Kael sentiu medo.
Seu espírito estava sendo devorado? Ele estava condenado a vagar pelo vazio para sempre?
O tempo perdeu o sentido.
E então, tudo cessou.
O peso desapareceu.
A escuridão se dissipou.
E Kael caiu.
...
Ele sentiu algo macio abaixo de si.
O cheiro metálico de sangue havia sumido. O ar ao seu redor era puro, limpo—sem o odor de morte e poeira ao qual estava acostumado.
Ele abriu os olhos com esforço.
Acima de si, havia luzes retangulares presas ao teto. Frias e artificiais. Sem qualquer rastro de magia.
As paredes ao redor eram brancas e lisas, feitas de um material que ele nunca tinha visto antes.
Onde… eu estou?
Ele tentou se sentar. Seu corpo parecia diferente. Mais leve. Mais… fraco.
Ele olhou ao redor. Ao lado da cama onde estava deitado, havia um pequeno móvel. Sobre ele, um estranho objeto preto brilhava com luzes piscando. Um espelho pendia na parede, refletindo sua imagem.
Kael congelou.
Aquele… não era seu rosto.
Seus cabelos, antes prateados como a lua, agora eram negros como a noite. Sua pele, antes marcada por cicatrizes de incontáveis batalhas, estava lisa e jovem.
Seus olhos, antes dourados e afiados, agora eram de um tom vermelho-escuro, mesclando-se com sua antiga coloração.
Ele respirou fundo e levou a mão ao peito. Seu coração batia forte.
Ele estava vivo. Mas… não como antes.
– Eu… renasci?
O choque percorreu seu corpo.
Isso é sério… o que tá acontecendo?
Ele tentou fechar a mão em um punho, esperando sentir a força esmagadora de antes.
Mas não.
Seus músculos estavam mais fracos. Seu corpo era menor.
Kael cerrou os dentes. Ele… não era mais o mesmo homem.
Ryuzen Kael, o Espadachim Sem Limites, havia morrido naquele campo de batalha.
Agora… ele era outra pessoa.
...
Um clique suave.
A porta do quarto se abriu.
Uma mulher entrou apressadamente. Seu cabelo castanho estava preso em um coque bagunçado, e seu rosto pálido sugeria noites sem dormir. Seus olhos brilharam de alívio ao vê-lo.
"Ren! Você finalmente acordou!"
"Hã? Ren...?"
Ela se aproximou rapidamente e segurou sua mão com um olhar preocupado.
"Você ficou em coma por semanas… eu estava tão preocupada!"
Coma?
Então esse corpo já existia antes?
Kael sentiu uma dor súbita na cabeça. Como uma enxurrada, memórias estranhas invadiram sua mente.
Ele viu… imagens de uma infância tranquila.
Uma cidade gigantesca, cheia de arranha-céus e máquinas que se moviam sozinhas.
Pessoas vestindo roupas estranhas, muito diferentes das armaduras e mantos de seu antigo mundo.
E então, um nome ecoou em seus pensamentos.
Akame Ren.
Kael fechou os olhos, tentando processar tudo.
Ele morreu. Ele renasceu.
Mas este mundo… não era o seu.
A mulher diante dele parecia tão familiar e, ao mesmo tempo, completamente estranha. Seu tom de voz carregava um calor que despertava algo dentro dele, como um eco distante de lembranças que ainda não conseguiam se formar completamente.
Ela segurava sua mão com firmeza, como se temesse que ele desaparecesse a qualquer momento.
Por que essa sensação não era desconfortável?
Ele desviou o olhar para o quarto ao seu redor, tentando se situar melhor. Era um ambiente limpo, limpo até demais. O cheiro no ar tinha um leve toque químico, diferente do aroma de poeira, sangue e ferro que ele havia sentido pela última vez antes de morrer.
As máquinas ao lado da cama piscavam com pequenas luzes, emitindo sons rítmicos e constantes. Eram estranhas.
Ren respirou fundo e voltou sua atenção para a mulher, tentando organizar os pensamentos.
"Desculpa... mas... Você... quem é?"
Os olhos dela se arregalaram, e sua expressão se transformou em um misto de surpresa e tristeza.
"V-você não se lembra de mim...?"
Sua voz vacilou, e o brilho em seus olhos ficou nublado.
Ren sentiu uma pontada no peito. Não queria ver aquela expressão em alguém que, aparentemente, se importava tanto com ele. Mas, por mais que tentasse, as memórias ainda estavam nebulosas.
Ele coçou a têmpora, tentando puxar qualquer fragmento de lembrança.
"Eu… não sei. Minha cabeça está confusa. Algumas coisas parecem estranhas."
"Sou Akame Sayaka. Sua irmã mais velha."
Irmã?
O nome dela ecoou em sua mente. Akame Sayaka.
E então, memórias dispersas começaram a emergir.
Fragmentos de momentos banais, mas significativos.
Uma garota mais velha puxando seu braço quando eram crianças. Uma risada ecoando em uma manhã chuvosa. O calor de um cobertor compartilhado em noites frias.
O rosto dela, um pouco mais jovem, sorrindo enquanto o repreendia por ter roubado um pedaço de pão da cozinha.
Eu… conheço ela.
Ren piscou algumas vezes, sentindo sua respiração acelerar por um instante.
"Sayaka..."
Ele testou o nome em sua boca, e algo dentro dele pareceu clicar.
Sayaka assentiu rapidamente, o brilho de esperança voltando a seus olhos.
"Sim. Você sempre me chamava de Onee-chan quando era mais novo." – Ela tentou sorrir, mas sua expressão ainda carregava preocupação. "Você se lembra de mais alguma coisa?"
Ren tentou puxar mais imagens de sua mente. Mas tudo ainda era embaçado, como se estivesse tentando olhar através de um vidro molhado pela chuva.
Ele franziu a testa e balançou a cabeça.
"Não muito. Sei que meu nome é Akame Ren. Mas o resto... está fragmentado."
Sayaka suspirou, seus ombros relaxando levemente.
"Isso pode ser um efeito do coma… mas não se preocupe. Com o tempo, deve voltar."
– Coma...?
– Sim. Você esteve desacordado por semanas.
Ele sentiu um calafrio percorrer seu corpo.
Semanas?!
Ren se forçou a sentar-se mais ereto na cama, seu coração batendo forte.
"O que aconteceu comigo...?"
Sayaka hesitou. Por um instante, desviou o olhar, como se estivesse escolhendo as palavras com cuidado.
"Você teve sua Evolução."
Ren inclinou a cabeça em confusão.
"Hã? Evolução...?"
"Você realmente não se lembra de nada disso...?"
"Não... O que é essa tal "Evolução"?"
Sayaka suspirou profundamente antes de se sentar ao lado dele na cama.
"Há 50 anos, fendas começaram a aparecer no mundo. Elas são chamadas de Fendas Dimensionais. Essas fendas se abrem aleatoriamente, conectando nossa realidade a outros planos…"
"E o que isso tem relação com a Evolução...?"
"Quando uma fenda surge, ela libera partículas dimensionais no ar. A maioria das pessoas não sente nada. Mas algumas... algumas pessoas desenvolvem a capacidade de gerá-las dentro de seus próprios corpos. Esse fenômeno foi chamado de…"
"Evolução." – Ren completou.
"Isso. Quando alguém gera uma quantidade significativa de partículas dimensionais, seu corpo se adapta. Essas pessoas são chamadas de Exterminadores."
Ren repetiu mentalmente o termo.
Exterminador… um título que soa como o de um guerreiro.
Ele olhou para suas próprias mãos.
"Então… eu sou um deles agora?"
"Sim. Mas sua Evolução foi... diferente."
Ren ergueu uma sobrancelha.
"Diferente como?"
"Seu corpo reagiu de forma violenta. A Evolução pode ser um processo perigoso. Algumas pessoas não sobrevivem… e você ficou em coma por semanas."
Ele absorveu aquela informação lentamente.
Então, seu corpo mudou por causa dessa absorção de partículas.
O coração de Ren bateu forte.
Isso... tem algo a ver com minha reencarnação?
Ele não podia ignorar a coincidência.
Sayaka observava seu rosto com atenção.
"Como você está se sentindo agora?"
Ren fechou os olhos por um instante.
Ele perdeu sua antiga vida. Perdeu sua força, sua espada, seu mundo.
Mas aqui… ele tinha outra chance.
Ele abriu os olhos e encarou Sayaka.
"Estou bem." Disse com um leve sorriso.
Ela sorriu, visivelmente aliviada.
"Então vamos fazer isso direito." – Ela se levantou e estendeu a mão para ele. "Bem vindo de volta, Ren."
Ren olhou para sua mão por um instante antes de apertá-la.
...
Em outra sala dentro do hospital, três homens estavam reunidos.
Um médico de meia-idade, vestindo um jaleco branco impecável, olhava nervosamente para os dois indivíduos à sua frente.
Eles usavam uniformes pretos ajustados ao corpo, com golas altas que cobriam parte de seus rostos e óculos escuros que escondiam qualquer emoção. Mesmo sem armas visíveis, a presença esmagadora que emanavam era o suficiente para criar uma pressão opressora no ambiente.
Eles não eram homens comuns.
"Estamos cientes de que um recém-evoluído está em coma neste hospital." – A voz do homem à direita era firme e precisa, como a lâmina de uma faca.
O médico engoliu em seco.
"Sim… Ele foi internado há algumas semanas. O estado dele era crítico, mas sobreviveu."
O homem de óculos escuros cruzou os braços, sua postura impecável.
"Interessante… evoluídos que entram em coma geralmente despertam em no máximo cinco dias. Ou morrem. Nenhum ficou desacordado por semanas."
O segundo homem, de postura mais relaxada, inclinou a cabeça levemente, sua voz carregada de curiosidade.
"Isso significa que esse garoto pode ser um lutador e tanto para não desistir da vida. – Seus olhos ocultos se fixaram no médico. Acha que ele irá acordar doutor?"
Antes que o médico pudesse responder, um som suave ecoou na sala.
A porta se abriu.
Uma enfermeira entrou apressada, a respiração levemente acelerada.
"Doutor, o garoto finalmente acordou. Ele apresenta problemas na memória, mas fisicamente parece estável, sem nenhuma sequela aparente."
O primeiro homem se endireitou, ajustando levemente os óculos.
"Nos leve até ele."
O médico abriu a boca para protestar, mas a voz fria do homem interrompeu qualquer tentativa de resistência.
"Seremos breve doutor. Não nos interrompa."
A ameaça não estava nas palavras, mas no tom.
O médico não era um tolo. Ele sabia quem eram esses homens e a autoridade que possuíam.
Discutir não era uma opção.
"Entendido. Vocês podem me acompanhar para falar com ele, eu o examino depois."
Os homens trocaram um olhar breve, então assentiram.
Sem mais palavras, eles seguiram o médico pelos corredores do hospital.
...
No quarto, Ren estava sentado na cama, absorvendo todas as informações que acabara de receber.
Tudo ainda parecia surreal. Mas, ao mesmo tempo, fazia sentido.
Ele fechou a mão em um punho, sentindo seu corpo diferente. Ele era mais fraco do que antes, mas… também não era um humano comum.
Foi então que a porta se abriu novamente.
Um homem de jaleco branco entrou, seguido por dois indivíduos de preto.
Ren percebeu na mesma hora.
A atmosfera no quarto mudou instantaneamente.
A presença dos dois homens era pesada, dominadora. Eles não demonstravam agressividade, mas não precisavam. O simples fato de estarem ali era suficiente para que Ren percebesse que não eram pessoas comuns.
O médico pigarreou, tentando aliviar a tensão.
"Jovem, sou o responsável pelo seu caso. Como você está se sentindo?"
"Ainda confuso. Minha memória está fragmentada... é uma sensação no mínimo estranha."
O médico assentiu, anotando algo em um pequeno bloco.
"As expectativas são de que elas voltem gradualmente, mas, em alguns casos raros, algumas lembranças podem não retornar."
Se minha memória "voltar"... significa que posso esquecer quem eu fui?
A ideia o deixou inquieto. Ele queria se lembrar da vida de Akame Ren. Mas, ao mesmo tempo, temia que isso apagasse Ryuzen Kael, o espadachim que um dia foi.
Antes que pudesse continuar pensando nisso, a voz fria de um dos homens alcançou seus ouvidos.
– Como você se sente, jovem?
Ren desviou o olhar para os dois desconhecidos.
Por alguma razão, ele não gostou do jeito como o observavam.
Eram como caçadores analisando uma presa rara.
"Bem, eu acho. Ainda um pouco fraco… mas poderia ser pior."
"Com certeza poderia." Disse o homem com um sorriso. "Nunca vimos alguém ficar semanas em coma depois de evoluir."
Ren moveu sua cabeça de lado.
"Isso não é normal?"
O segundo homem balançou a cabeça.
"O coma, sim. Mas a duração? Não. O tempo médio de coma em Evoluídos é de um dia para quem sobrevive… e no máximo cinco dias para quem não aguenta a transformação."
"Você ficou semanas. Isso nunca aconteceu antes."
"Isso é bom… não é?"
O homem cruzou os braços.
"Em teoria, sim. O coma ocorre porque o corpo gerou partículas dimensionais ao limite máximo que ele pode suportar. Quanto mais forte o corpo, mais partículas ele pode armazenar e controlar."
Ele fez uma pausa, observando Ren atentamente.
"Alguns Evoluídos com corpos poderosos podem geram poucas partículas, sendo classificados como Exterminadores de baixo nível. Outros, com corpos fracos, podem acabar gerando partículas demais e morrem, pois não suportam a transformação. Entendeu?"
Ren absorveu a explicação em silêncio.
Então… onde eu me encaixo nisso?
"Você sobreviveu a um coma sem precedentes, jovem. Isso nos faz pensar em duas possibilidades…"
O homem de óculos escuros inclinou a cabeça ligeiramente.
"Ou seu corpo era muito fraco para suportar a quantidade de partículas que gerou, mas forte o suficiente para sobreviver."
Ele fez uma pausa, um sorriso quase imperceptível nos lábios.
"Ou você gerou mais partículas do que seu corpo deveria aguentar… e passou todo esse tempo se adaptando para sobreviver."
Ren sentiu um arrepio.
Por instinto, ele lembrou-se da voz na caverna.
Partículas dimensionais foram adicionadas ao seu corpo para suportar a passagem pela fenda.
Foi isso.
Foi assim que ele sobreviveu à transição entre os mundos.
Os olhos do homem brilharam por trás dos óculos escuros.
"Estamos interessados no seu caso. Quando estiver recuperado, queremos que venha até a Organização dos Exterminadores. Agora que você evoluiu, temos a responsabilidade de guiá-lo até que tome uma decisão sobre seu futuro."
O segundo homem retirou algo do bolso e entregou para Ren.
Era um pequeno cartão preto, com um número impresso nele.
Ren segurou o cartão, sentindo seu peso.
Isso… é um número de telefone, certo?
A memória de Akame Ren lhe dizia que sim.
O homem deu um passo para trás.
"Quando estiver pronto, ligue para esse número. Nós faremos uma avaliação das suas partículas dimensionais."
Os dois homens se viraram e caminharam até a porta.
Antes de sair, o primeiro parou e lançou um último olhar para Ren.
"Não nos faça esperar por muito tempo."
Com isso, os dois desapareceram no corredor.
Ren olhou para o cartão em suas mãos.
Exterminadores… Evolução… Fendas Dimensionais…
Ele soltou um suspiro profundo.
Mas que tipo de mundo eu reencarnei…?