Chapter 5 - Coerção

PONTO DE VISTA DE MATEUS RODRIGUES  

O jardim era extenso, muito maior do que um campo de futebol. Meu olhar se perdia entre a vastidão dele. Um caminho de pedra e cascalho serpenteava pelo exuberante jardim, contornando uma fonte da mesma figura velha que tenho visto por todo o lugar neste castelo, um homem barbado, segurando um cajado em sua mão, onde dele jorrava a água da fonte. Os detalhes da roupa no mármore, a feição dele apenas o endeusavam cada vez mais. 

Flores totalmente desconhecidas enfeitavam ao redor do caminho que se dividia em várias bifurcações. Árvores magníficas adornavam as clareiras. O céu alaranjado dava ao ambiente como um todo um ar aconchegante e... melancólico. Algo similar a postes, permaneciam no decorrer de todo o trajeto, apenas com uma pedra de coloração azulada em seu topo. Como se fossem enormes cajados de metal. 

Nobres caminhavam por aí, apreciando as flores e conversando entre si. Enquanto empregados eram responsáveis por cuidar do jardim em si, regando flores e podando algumas das árvores mais baixas. 

Solto um suspiro. 

O som do cascalho sob meus pés, me dava um ar de tranquilidade. Como se tudo isso fosse apenas um sonho ruim, e que logo em seguida eu iria acordar na minha cama, com minha mãe me chamando para tomar café da manhã. 

Meu peito se fecha em um aperto. Negando meus pensamentos, eu sabia que isso era a realidade... sabia que eu nunca veria minha mãe, nem meu pai e muito menos meu irmão... 

Yuri... Os dedos dos meus punhos se cerram ao lembrar do meu irmão. 

Por que? Por que não trazer apenas o Mario para este mundo? Por que EU tinha que vir junto? 

Deixo escapar uma risada de canto. Eu com certeza não era o melhor tipo de amigo existente, torcendo para que o Mario viesse para este mundo sozinho, abandonando-o. Eu estou nervoso. 

"Haaa..." o suspiro deixa meu peito um pouco mais leve. 

Esperava pelo menos me sentir melhor pensando essas coisas. Mas cá estou eu, caminhando por este castelo, procurando algum sentido novo para a minha vida. 

O chão de cascalho é substituído pela grama. 

Macia. Muito macia. 

De baixo de uma das várias árvores deste lugar. Meu corpo encontra um aconchego entre suas raízes e o chão de grama. O vento fazia as folhas de sua copa farfalharem, e raios de sol a atravessavam em um tom de mel. 

Cruzo as pernas, coloco as mãos acima dos meus joelhos. Fecho meus olhos. 

O Lucas estava fazendo isso antes deu sair do quarto. Ele disse que é para aprender magia — solto um riso nervoso — Magia. O máximo que eu vi foram nos livros de fantasia que eu lia, e pensar que agora ela era real. 

Deixo meus pensamentos divagarem, memórias da minha família, dos meus colegas do time de vôlei. O campeonato já estava chegando, a gente tinha chances de ganhar, mas agora... eles nem ao menos tem notícia de onde eu estou, e se eu estou vivo. 

As vezes queria ser como o Lucas, mesmo tendo vindo a força para este mundo. Ele está tranquilo, nenhum momento ele parecia aflito ou nervoso com a mudança repentina, como se... 

Não. É impossível. Não tinha como ele saber.  

Esquece Mateus, se ele soubesse ele já teria me falado. Pelo menos eu acho que ele teria me falado... 

O ar sai pesado pela minha boca. Concentro-me em sentir meu corpo. As costas encostadas no tronco da árvore, minhas pernas abraçando a grama do chão. Ignorando todo e qualquer pensamento. 

Inspiro... 

...E expiro. 

Repito o processo. De certa forma, isso é revigorante. Puxando o ar o máximo que conseguia para dentro dos meus pulmões, seguro ele por 3 segundos e solto pela minha boca. 

Eu provavelmente apaguei enquanto meditava. Abro meus olhos apenas para sentir uma brisa gelada soprando no meu corpo. Eu arrepio. Abro meus olhos para ver que a noite havia caído. 

Um céu tingido de azul escuro, diversas estrelas cintilavam acima e... duas luas, ambas minguantes. Como um baque, mais uma vez me lembrando que não estou na Terra. 

Eu esperava ter pelo menos um pouco de progresso meditando. 

O jardim noturno, iluminado apenas pelas pedras azuladas em cima das hastes de metal, o que eu deduzi serem postes. As luas brilhavam sutilmente, ajudando a clarear o caminho de cascalho. 

Já de pé, começo a tomar de volta o meu caminho para o castelo. Alguns nobres permaneciam curtindo o jardim durante a noite, enquanto outros adentravam a porta que dava para este lugar. 

A porta, que outra palavra senão maravilhosa para descrever ela, entalhada em uma madeira de mogno carmesim, uma pequena escada branca circular descia dela até o gramado. 

Tento me manter firme em meios aos sussurros e cochichos sobre mim enquanto tento passar em meio aos nobres. 

"Você vê as roupas dele, com certeza ele é um daqueles que vieram de penetra com o herói," uma voz masculina fisga minha atenção. "Porque ele tinha que vir? Os alimentos já estão escassos por conta das invasões constantes, e agora temos mais uma boca inútil para alimentar." 

De entreolho eu me viro para tentar enxergar a fonte da conversa. 

Dois nobres, um homem e uma mulher, as roupas de gripe e os enfeites pelo corpo. A mulher ruiva, o rosto um pouco enrugado ouvia o que seu companheiro careca de barba grisalha falava. 

"Seria muito mais fácil apenas descartar eles já que não há utilidades," o nobre fala. "A mesma coisa serve para aqueles plebeus das favelas de Belchor." 

"Mas você sabe que apenas a princesa tem essa autoridade meu amor," sua esposa coloca a mão em seu rosto e o acaricia, "Para meros Condes como nós, não podemos interferir diretamente nos assuntos do reino." 

"Eu sei Clarice...", o mesmo vira sua cara desviando o olhar de sua esposa. "De qualquer forma o Reino de Syul vai cuidar desses favelados malditos se as coisas continuarem assim." 

A voz se distanciando cada vez mais, "Você tem razão meu amor. Deixe que eles morram como os ratos que são." 

Suas vozes e risadas ficando mais abafada à medida que eles adentram a grande porta até desaparecerem por completo em uma esquina. Espero do lado de fora por enquanto, não querendo me arriscar entrar no meio dos nobres. 

Poucos minutos e o caminho agora mais tranquilo. O vento frio soprava no meu uniforme escolar me forçando a me abraçar. 

Esses uniformes não foram feitos para suportar o frio. 

Brinco comigo mesmo, apertando firmemente meus braços em uma tentativa de me esquentar. 

Em passos trêmulos, sigo pelo corredor. Viro à esquerda, viro à direita, viro à direita mais uma vez... 

"Eu estou perdido," a frustração se transforma em um suspiro, "E o aquele desgraçado ainda me avisou que eu poderia me perder." 

Usando a parede de um quarto aleatório de apoio, deixo minhas costas escorregarem até me sentar no chão. Meu cabelo castanho se bagunçava na parede atrás de mim caindo sobre minha face. Cubro meu rosto em minhas mãos em uma medida desesperada de me lembrar do caminho de volta. 

Eu virei para a esquerda... depois para a esquerda de novo? Ou foi a direita...  

Grito internamente me culpando pela memória ruim. Se ainda não fosse um problema, os corredores eram basicamente idênticos uns aos outros, as paredes de mármore, os guardas sempre estacionados e os quadros nas paredes — da mesma pessoa segurando um cajado — só dificultavam ainda mais a se orientar nesse labirinto. 

Como as pessoas daqui não se perdem? Acho isso praticamente impossível, no mínimo injusto comigo. 

Inerte em pensamentos, um ranger da porta ao meu lado me trás de volta a realidade. Minha cabeça se move por reflexo à medida que passos saiam da porta. Mesmo que eu quisesse, era como se o nervosismo me impedisse de me mover. 

Um vestido vermelho com uma abertura na perna exaltava sua pele clara e delicada e seu salto também vermelho. Cada passo era de uma beleza indescritível. Vidrado nela, sinto meu ar ser puxado dos pulmões apenas por sua presença exuberante. 

Os cabelos loiros desciam até sua cintura. Delicada e esbelta. O vestido subindo pelo resto das curvas atenuadas de seu corpo. Eu não tenho palavras, nada veio a minha mente para a descrever. Com certeza mais velha que eu, mas ainda aparentava ser jovem. 

Eu com certeza estava fazendo barulho enquanto respirava de forma ofegante, porque seus olhos viraram em direção a mim. Azuis feito safira da mais alta qualidade apenas me prendiam nele. 

Seus lábios finos tingidos de vermelho-carmesim se curvaram em um sorriso, incapaz de processar qualquer coisa, eu me curvo, mais por reflexo do que por respeito a ela. 

A semelhança com a princesa que nos trouxe aqui não poderia ser apenas uma mera coincidência, ela com certeza tem algum parentesco com ela. 

"Olha só o que temos aqui," o tom de maturidade em sua voz doce me faz a encarar, "Você por acaso estaria perdido?" 

A voz não sai da minha garganta, apenas ar sai. Meu olhar fixo nela e em suas curvas. Engulo seco. 

Ela estende sua mão para mim, insinuando para mim a pegar. Com um toque de relutância, eu faço. Puxando-me para cima eu fico de pé em frente a ela. Pouco mais alta que eu, a postura esbelta. 

Seu sorriso se alarga enquanto ela fala, "É uma honra conhecer um daqueles que vieram junto com o herói," Ela faz uma pequena reverência, "Você deve ter conhecido minha irmãzinha quando chegou aqui, sou Laila Lunafall." 

"É... um prazer," com dificuldade consigo falar um pouco. 

Sua mão ainda segurava a minha, que se encontrava suada, mesmo enquanto ela se curvava. Não soltando nenhuma vez. 

"Porque não entramos para conversar um pouco?" Ela faz um gesto para o quarto em que tinha acabado de sair, mais me obrigando do que convidando em si. 

Olho para os lados, os corredores pouco movimentados por causa da hora. 

Se eu pelo menos tivesse voz nesse lugar, "C-claro, porque não?", devolvo um sorriso forçado para ela. 

Entro no quarto. O cheiro forte de perfume impregna minhas narinas me forçando a cobrir o nariz. Cobrindo boa parte do chão está um tapete de algum animal desconhecido, peludo e grande o bastante para se equiparar a um urso. Diversas estantes recheadas de livros e objetos que desconheço adornam as paredes do quarto. 

A forte luz azulada toma conta do meu rosto, vinda de um lustre pendurado no teto. Todo o lugar tem uma coloração azulada. A cama bem arrumada, com móveis elegantes em seu entorno. 

A princesa abre a janela, a brisa fria da noite entra no quarto. 

"Pelo visto o cheiro não é do seu agrado," ela fala se apoiando na janela. "Basta esperar um pouco que ele logo se dissipará." 

"O... obrigado...", relutante eu agradeço. 

"Pode se sentar, sinta-se à vontade", apontando para uma cadeira ornamentada e elegante ao lado de uma mesa. 

Eu me sento nela, ainda desconfiado. 

Inclino meu corpo para frente, a olhando nos olhos, "Então... o que você quer conversar?". 

Um sorriso é esboçado em seu rosto, "Que rapaz apressado, deixe-me oferecer pelo menos um pouco de chá." 

Com a mão estendida, um anel em seu dedo anelar começa a brilhar e aparecendo do nada, um bule e um conjunto de xicaras tomam forma em suas mãos. O chã estava quente, a fumaça subindo enquanto ela enchia a xícara. 

"Sinta-se à vontade", aceito a xícara que a mesma me oferece de braço estendido. 

Dou um gole. O sabor doce toma conta da minha boca, nunca tomei algo assim em toda a minha vida. Coloco a xícara na mesa junto com seu pires. 

"Agradeço pelo chá, mas...", retomo a postura olhando para ela, "Vamos direto ao assunto." 

"Eu quero apoio.", sua voz ríspida e séria. A feição impassível. 

Ergo uma sobrancelha, "Apoio?" 

"Sim, seu apoio", ela se senta em uma cadeira do outro lado da mesa, "Você pode não entender direito a importância que você tem." 

Ajeito minha postura, curioso. Faço um sinal com a mão para ela continuar falando. 

Pigarreando a garganta, ela continua, "Humanos vindos de outro mundo. Apenas por esse motivo o valor que vocês têm é inestimável. Não é algo recorrente e muito menos fácil trazer alguém de um mundo diferente para o nosso, por i-" 

A interrompo, "Então quer dizer que você me quer como um aliado?" 

"Resumidamente sim, mas nós queremos a sua ajuda também, obviamente iremos lhes compensar." 

"Espera um momento, 'nós'?", a questiono, "Tem mais alguém interessado além de você?" 

"Muitas pessoas, todos que souberem da notícia irão querer levar vocês para seu lado. Por isso quero que você se junte a mim. O seu amigo afeminado já está conosco." 

"Você fala do Lucas? Como?" 

"Sim, digamos que alguém da minha facção conseguiu a atenção deve. Devo agradecimentos ao Duque Donavan Von Alexander." 

"Sua... facção?", segundos em um silêncio constrangedor se passam, eu tentava processar toda essa informação. "O que você quer dizer com isso?" 

As pernas agora cruzadas. "Nem todo mundo é a favor da minha irmãzinha assumir o trono, mesmo ela sendo atualmente a classificada para herdar." 

Uma pausa toma conta, nossos olhos se encontram, um sentimento estranho. 

"Aquela vadia já tem o herói do lado dela, e nós já temos o loirinho", ela começa. "O que me diz? Eu posso garantir a segurança sua e do seu amigo loiro." 

"E o João? Ele ainda veio aqui do mesmo jeito que a gente. Não é justo apenas nós serm-" 

A princesa levanta sua mão, me calo imediatamente, sem terminar de falar. 

"Ele é um caso à parte, um cão teimoso apenas tentará morder seu novo dono", ela serve mais um pouco de chá para a gente, "Ele precisa ser adestrado primeiro." 

Meu corpo estremece, "O que você quer dizer com isso? Adestrado?" 

"Nós já temos planos para ele", ela ajeita seu cabelo loiro atrás de sua orelha e dá um gole em sua xícara antes de terminar, "Em troca da execução da minha irmã, o daremos para a sociedade de Noxaris." 

"Nox... aris? Você não pode simplesmente o usar como moeda de troca!" 

Grito, me levanto da mesa derrubando meu chá no chão. Minha respiração agora irregular. 

"E você pensa que consegue me impedir?", ficando de pé, maior que eu, me olhando de cima. 

Ela sabia que era superior, eu sabia disso. Era óbvio. Mas apenas não parecia certo deixar eles trocarem o João assim, o usarem como moeda de troca. 

Cerro meus punhos, deixando a dor tomar conta da minha mente. 

Se eu ao menos fosse forte o bastante para ir contra ela... 

Sua voz séria ecoa na sala, "Vou entender seu silêncio como um não. A menos que você queira ir no lugar dele", ela faz uma pausa, "Nós prometemos dar-lhes uma pessoa de outro mundo, mas não falamos quem de vocês três irá." 

Minha mente fica em branco. Meu aperto se afrouxa. Os poucos segundos de silêncio mais parecem horas. 

Eu o João ou o Lucas... 

Se eu não fizer nada ele será levado, mas se eu intervir eu que irei no lugar dele... mas eu poderia dizer o Lucas também, nesse caso ficaremos apenas nós dois ou eu poderia ir no lugar dele. 

Não. Eu não quero ir, não quero imaginar o que vai acontecer comigo, nem imaginar o que vai acontecer com o João ou o Lucas caso eles sejam levados. 

"Tem que ter outra opção...", falo para mim mesmo, quase um sussurro. 

"Mas não há. Tenha em mente que apenas você sabe disso, nenhum dos seus amigos sabe. Se você contar para qualquer um que seja, irei ordenar que levem dois ao invés de um." 

Engulo seco, meus lábios ressecam. Eu não tinha escolha nenhuma, fui colocado numa sinuca de bico. Era melhor se eu simplesmente não soubesse disso. 

"Eu...", um gosto amargo toma conta da minha boca junto de um sentimento de culpa, "... não farei nada a respeito." 

A loira sorri, igual eu nunca tinha visto antes. 

"Entendo, uma sábia escolha", ela bebe de uma vez o chá em sua xícara, "Aproveite então seus últimos cinco dias com eles." 

Cinco... dias... 

Ainda abalado, vou até a porta do quarto dela. Olho uma última vez para ela. 

Seus lábios se curvam em deboche, "Fique à vontade para me visitar nesses cinco dias se sentir saudade." 

Sem nem mesmo a responder, saio do quarto e fecho a porta. 

Eu vou dar um jeito de impedir que te levem João. Penso para mim mesmo, tentando manter as esperanças, mantendo a cabeça erguida. 

Eles não vão conseguir te levar.